Num qualquer canal de televisão ouço uma funcionária de uma escola de Mem Martins dizer que o corpo de pessoal não docente é composto por 14 colaboradores para 1800 alunos – um rácio de 128 jovens para cada funcionário. Numa escola pública. Maria Alzira, assim se chama a queixosa, chama a atenção para o óbvio: a segurança dos alunos não está garantida.
Na margem sul do Tejo, outra reportagem, outro canal, o mesmo tema. Um jovem aluno revolta-se com as condições da sua escola: faltam funcionários mas há excesso de “bichos na comida”. E nas salas entra chuva.
Passo pelos jornais e leio que o Governo quer o fim dos chumbos até ao 9.o ano. Nem sequer me ocupo da bondade pedagógica da medida. Não posso. Não me deixam. Rapidamente se percebe que a proposta não tem como fundamento nem as crianças nem a educação, mas dinheiro: uma “poupança” de 250 milhões de euros/ano aos cofres do Estado.
Percebemos rapidamente três coisas: que o Partido Socialista está a ser assaltado por neoliberais que têm como objetivo pôr a escola pública a dar lucro; que, ao arrancar a segunda legislatura, António Costa continua a virar a página da austeridade de forma olímpica; que foi preciso acabar a campanha e os portugueses votarem para se descobrir uma série de problemas com os serviços públicos.
A educação em Portugal está doente. Para sermos honestos, não é só a educação. Saúde, segurança pública, previdência, infraestruturas: o nosso Estado social está há muito tempo a pisar as linhas vermelhas do direito e da humanidade.
Um país sem educação pública de qualidade é um país que não cuida da igualdade de oportunidades e que destina à mediocridade o seu capital humano.
Com cinco anos de Governo PS, este é o “novo normal” do país. Quem olhar para o Estado central como pai e mãe de todas as soluções não terá, no futuro, algo muito diferente disto. Há, porém, outra forma de dar resposta aos desafios colocados aos cidadãos e travar a degradação dos serviços públicos. Esse caminho alternativo está a ser preconizado pelo poder local.
Situações como as descritas no início deste texto também afetavam Cascais. Motivados pela necessidade, e pela convicção de que éramos capazes de fazer melhor, fomos pioneiros na assinatura dos acordos de descentralização de competências na educação. Estávamos em 2015, ainda com o Governo do PSD-CDS.
Passados quatro anos, estamos a caminhar para uma das mais modernas e bem estruturadas redes de ensino público do país.
Captámos para o concelho a Nova SBE, uma faculdade no top-25 das melhores do mundo do Financial Times. Da mesma universidade, a Nova de Lisboa, transitarão para Cascais as faculdades de Medicina e de Direito. A Escola Superior de Hotelaria do Estoril vai aumentar substancialmente a sua capacidade e assumir-se como uma das melhores do mundo, com a chancela da Organização Mundial do Turismo. E a Escola Superior de Saúde do Alcoitão continua a ser uma referência na sua especialidade. Partindo de uma base de pouco mais de um milhar de estudantes em 2017, em 2021 teremos cumprido o nosso propósito de ter em Cascais 25% da comunidade académica de Lisboa – cerca de 20 mil alunos universitários.
Investimos 75 milhões de euros a renovar as escolas primárias e jardins-de-infância. Fomos irredutíveis com os fornecedores de comida, rescindimos contratos e aplicámos multas. Liderámos o debate nacional pelas refeições de qualidade nas cantinas escolares. Demos o exemplo e aumentamos para 2,02€ o valor da refeição – um aumento de 0,74€ por menu, suportado integralmente pelo município. Estamos a criar as bases para o transporte escolar e tornámos gratuita a mobilidade rodoviária para todos os alunos até aos 15 anos – em janeiro, a gratuitidade vai estender-se a todos os cidadãos do concelho. Comprámos computadores para todas as salas de aula e criámos o Cascais Edu, uma plataforma que permite aos pais acompanhar todo o percurso escolar dos filhos em tempo real e dá aos alunos uma entrada no mundo das tecnologias. Apostámos no ensino vocacional e reforçámos a nossa identidade marítima, a cultura portuguesa e a inovação com os currículos locais.
Temos problemas para resolver? Certamente. Sobretudo nas escolas que estão sob alçada do poder central e têm sido objeto de um desinvestimento histórico. Esse é o problema que estamos agora a atacar.
Há obras para fazer. Escolas para construir. Oportunidades para criar para os nossos jovens.
Vamos tratar de tudo isso. Vamos fazê-lo com dinheiro dos munícipes de Cascais. E vamos fazê-lo substituindo-nos ao Estado central.
Trinta e nove milhões de euros. É este o valor do pacote de investimento sem precedentes no reforço da qualidade e prestígio da escola pública. Quando os trabalhos terminarem, e vão ser longos, teremos em Cascais uma comunidade que cria oportunidades iguais para todos os seus jovens, que prestigia os seus professores e que cuida da escola pública.
Há quem me critique por fazer aquilo que é competência do Estado central. É verdade, as escolas são competência do Estado. Mas as pessoas são da minha responsabilidade. É para elas que trabalho e foi por elas que fui investido da confiança para liderar o território.
Não tenho nenhuma reserva quanto à necessidade de reformar as nossas escolas. Mas não deixa de ser revelador da natureza do nosso poder central que a câmara tenha de pagar IVA sobre o investimento que está a realizar no lugar do Estado. Esse mesmo: o que se demitiu das suas funções, que não faz o que devia fazer e ainda recebe por isso. No caso de Cascais, 6% de 39 milhões de investimento em escolas rendem aos cofres das Finanças qualquer coisa como 2,3 milhões de euros.
Entretida nos seus afazeres, talvez a Associação Nacional de Municípios Portugueses possa propor ao Governo isentar de IVA as autarquias que realizam investimento substituindo-se às responsabilidades do Estado. É da mais elementar justiça. Para que os cidadãos não tenham de pagar o seu Estado social três vezes: com impostos, com investimento e com mais IVA.
Presidente da Câmara Municipal de Cascais
Escreve à quarta-feira