Algarve. Água fria, vento forte e preços que assustam: adeus, agosto, e até para o ano

Algarve. Água fria, vento forte e preços que assustam: adeus, agosto, e até para o ano


As previsões iniciais confirmaram-se: aquele que costuma ser o mês mais quente para o turismo algarvio andou mais tristonho em 2019. O tempo não colaborou e a questão monetária pesou bastante, com muitos portugueses a preferir destinos (quase) tão paradisíacos e bem mais em conta.


Passaram pouco mais de dois meses desde que Portugal foi galardoado com quatro dezenas de prémios nos World Travel Awards, uma espécie de Óscares do turismo mundial. E, dentro dessa panóplia de ofertas, o Algarve destaca-se claramente – dois dos prémios foram precisamente para a região mais a sul do país: o de Melhor Destino de Praia Europeu e o de Melhor Resort de Praia Europeu, que teve como destinatário o Hotel Quinta do Lago, situado em Almancil, concelho de Loulé.

Com o mês de agosto prestes a terminar, o i foi ouvir o feedback de profissionais das áreas que mais diretamente contactam com os turistas, como a restauração, a hotelaria e o comércio em geral, bem como de turistas, portugueses e estrangeiros, mais ou menos apaixonados pelos ares algarvios. Os últimos dados divulgados pelo Turismo de Portugal apontam para um aumento, entre janeiro e junho, de 9,3% de hóspedes em relação ao mesmo período de 2018, destacando-se não só um aumento do mercado interno, mas também do britânico e italiano.

 

Água fria não apetece tanto…

Pois bem: de acordo com a maioria dos inquiridos pela reportagem do i, registou-se de facto uma quebra em julho e agosto, tendo em conta anos anteriores. As razões apontadas para tal são variadas, embora algumas opiniões sejam convergentes – como a da temperatura, seja dentro ou fora da água. “A água estava muito fria, o que também fez com que muitas pessoas se sentissem mais insatisfeitas com as férias. Ir à praia para relaxar e tomar um banho de mar é o ideal, mas com a água tão fria… Quem está em hotel sempre tem a piscina que poderá salvar a situação, mas não é o meu caso, que vou para casa de família”, realça Carina Duarte, natural de Lagos mas há vários anos a dar aulas de físico-química a alunos do terceiro ciclo nos Açores.

“Os clientes queixavam-se muito da temperatura da água na praia e do muito vento e frio que se fez sentir nestes meses supostamente mais quentes”, salienta Filipe Pereira, repositor num supermercado em Tavira. Ricardo Starkey, empregado de mesa num restaurante situado na Ilha de Tavira, corrobora essa ideia:_“Em julho teve talvez 40% da frequência habitual nos anos anteriores, e creio que foi assim no Algarve todo. A meteorologia também não ajudou muito, houve muitos dias de vento. Agosto já foi mais parecido com o habitual”.

Além da temperatura, outra questão relacionada com a água do mar acabou por marcar as férias de muitos veraneantes: o surto de algas que se espalhou em várias praias do Sotavento algarvio, entre Olhão e Vila Real de Santo António (Ilha da Armona, Ilha de Tavira, Terra Estreita, Praia do Barril, Praia Verde ou Monte Gordo). Uma concentração que “não causa qualquer dano à saúde”, como garantiam há poucas semanas especialistas da matéria. Mas Ana Pinto, enfermeira na Praia do Barril, explica contudo ter assistido várias pessoas por alergias provocadas pelo contacto direto com as algas – além do mais ainda ganham um cheiro muito intenso quando apodrecem, depois de exposição prolongada ao sol.

 

Preços sobem, clientes diminuem

O clima mais frio e ventoso gera aborrecimento, sim, mas não é fator único no que respeita à aparente menor afluência de turistas no Algarve em agosto. Sara Afonso, cozinheira num restaurante em Tavira, assume ter tido menos trabalho este verão, considerando que os “altos valores de aluguer de casas e hotéis” podem ter contribuído decisivamente para essa realidade. “Muitas pessoas acabam por preferir tirar férias noutros destinos mais em conta”, salienta.

Fábio Drago, empregado de balcão numa geladaria igualmente situada em Tavira, confirma essa ideia. “Este ano, muita gente preferiu fazer férias noutros países, aproveitando pacotes financeiros bem mais vantajosos. Tive conhecimento de pessoas que foram para a Tunísia por 700 euros já com tudo incluído: em Portugal, isso seria impensável neste momento!”, atira, numa opinião que reúne consenso. “O poder de compra não está tão elevado como noutras alturas e a malta também abusa nos preços”, assume Ricardo Starkey.

Mário Rodrigues, natural de Lisboa, faz férias na zona das Pedras D’El Rey, em Santa Luzia (freguesia de Tavira), “há 20 anos”. Não vê grandes diferenças na Praia do Barril, que mais gosta de frequentar, do ano passado para este, mas o mesmo não se pode dizer em relação aos primeiros anos como turista no Algarve. “Ao longo dos anos aumentou provavelmente para mais do dobro, devido à promoção feita pela comunicação social. A praia tem muita qualidade e ganha sempre prémios, pela água, pela paisagem…”, enaltece, garantindo ver este ano “uma mudança de turista”. “Há menos portugueses e mais estrangeiros, especialmente italianos, alemães e franceses. Os portugueses foram fazer férias noutros países”, adverte. A esposa, Maria Leonor, concorda e aponta alguns dos motivos para que tal aconteça:_“Os preços estão muito inflacionados, especialmente nos restaurantes. São muito direcionados para os estrangeiros. E ainda é preciso melhorar bastante os acessos às praias e infraestruturas: em termos de estacionamento, por exemplo, é muito complicado”.

Ricardo Starkey considera que a afluência de portugueses e estrangeiros (com especial incidência para os espanhóis) anda “ela por ela”; Fábio Drago diz ter recebido este ano muitos portugueses (sobretudo emigrantes), mas também muitos espanhóis; Sara Afonso, por seu lado, revela que ao estabelecimento onde trabalha foram mais portugueses. Em Lagos, Carina Duarte viu “menos pessoas” do que é habitual e “mais estrangeiros do que portugueses”, alertando para um fator que diz ser recorrente e que, no seu entender, urge melhorar. “Acho que o atendimento continua a ser um problema em alguns locais. As pessoas não se preparam convenientemente para este aumento populacional, o que prova um atendimento demorado mas também que a qualidade da comida depois deixe muito a desejar. Ainda há dias fui almoçar com os meus pais, num local onde eles costumam ir noutras alturas e nunca tiveram razões de queixa, e desta vez, além de ter demorado muito, a comida chegou totalmente queimada à mesa. Acaba por ser o que sobressai sempre: a falta de preparação dos locais de comércio para as enchentes na época alta”, salienta.

Outro dos grandes problemas apontados tanto por clientes como pelos patrões/empregados é a falta de mão de obra. Uma das fontes ouvidas pelo i, que preferiu pedir anonimato, explica isso mesmo. “Há muita falta de trabalhadores, porque nesta altura o trabalho é demasiado e quase ninguém aguenta. Por essa razão, os patrões acabam por aceitar contratar qualquer pessoa, sem grandes preocupações com o seu currículo ou experiência profissional, e o que se acaba por verificar depois é que o trabalho é feito com menor qualidade e/ou vontade. Além disso, a maioria dos patrões oferece salários completamente desfasados da realidade (para baixo, claro), o que também não ajuda minimamente à existência de um bom ambiente de trabalho”, confessa.

 

Scut também atrapalham

Para quem vem do país vizinho, há outra questão mais complexa: as SCUT. “Os preços são muito caros, muitos espanhóis não vêm mais para cá por causa disso. E, por exemplo, para as pessoas de Madrid, que não estão tão acostumadas a vir, é difícil compreender o facto de ter de pagar antes de utilizar. Para quem não conhece o sistema, torna-se complicado”, explica Rosario Sánchez, que ainda assim se assume sem rodeios como uma “amante de Portugal”.

Natural de Huelva, Rosario e o marido, Francisco, assumem fazer com bastante frequência os cerca de 90 quilómetros que separam a cidade andaluza de Tavira, que consideram “uma cidade completa”. “É encantadora, tem tudo. Para mim, é a minha cidade preferida do Algarve. E o Barril a praia preferida”, assume Francisco Sánchez, garantindo nunca ter visto o Barril com tanta gente no fim de agosto como neste ano. “Gostamos de tudo no Algarve: a tranquilidade, o atendimento, a educação, a comida, a praia, a limpeza… Nós saímos de Espanha para vir comer comida portuguesa! Recomendamos Portugal a toda a gente”, refere Rosario, salientando ainda assim gostar de várias outras zonas do nosso país.

Stuart McMillan, por seu lado, não ficou tão agradado com a visita deste ano. “Não foi tão calmo como costuma ser. Havia muita gente nas estradas, nos restaurantes, nos supermercados e também nas praias. E fiquei com a impressão de que há muito poucos empregados face à mudança de estação do inverno para o verão, e isso afeta o serviço, aumentando muito o tempo de espera. Eu e a minha família tivemos de esperar meia hora só para conseguir uma mesa num restaurante onde já tínhamos feito reserva, e depois ficámos lá três horas apenas por umas pizzas e umas bebidas. Não valeu claramente o tempo de espera e ficámos com a sensação de ter sido ignorados toda a refeição”, lamenta. Ainda assim, os aspetos positivos continuam a existir: “Portugal é um lugar fantástico para passar férias. Temos é de ser pacientes