Não consigo vislumbrar maior irresponsabilidade do que a de acrescentar ao Estado responsabilidades e necessidades de recursos financeiros, sem acautelar que as funções que já estão na sua órbita tenham um nível de qualidade acima da indigência em muitas áreas.
Não consigo compreender que quem assume a relevância de redistribuição, de combate às desigualdades e de regulador das dinâmicas da comunidade possa aceitar um Estado que constrói soluções pelo telhado ou se comporta como um malfeitor que ora seduz os privados para as suas insuficiências, ora os escorraça como corja responsável por todas as maleitas.
É claro que não se podem corrigir em quatro anos os problemas acumulados ou os passivos resultantes da passagem da troika por Portugal, mas é muito escuro pretender gerar uma perceção de mudança de registo quando a austeridade está presente sob outras expressões. Como é possível que o Estado tenha paralisadas centenas de organismos e instituições até meio do ano, à espera da transferência de verbas necessárias para a gestão corrente, à espera da execução do primeiro semestre e das dinâmicas de arrecadação de receita? Até parece que esses serviços, organismos e instituições não são compostos por pessoas e não se confrontam com realidades com necessidades permanentes, quotidianas e ao longo dos 12 meses do ano. Mas não, a cativante cativação empurra centenas de serviços e entidades para um jogo do empurra que amarfanha o perfil do desempenho de funções pelo Estado e as funções de interesse público desenvolvidas, por exemplo, por uma AICEP ou por uma qualquer federação portuguesa de um desporto daqueles que não navegam em receitas.
Não percebo a ausência de sobressalto, de exigência e de sentido de futuro na concretização de um Estado com um comportamento transparente, previsível e com noção da relevância do seu papel como garante de direitos aos cidadãos e aos territórios, sejam eles do litoral ou do interior.
Não concebo uma lógica maniqueísta da sociedade em que, em vez de se investir no Estado e depois se proceder aos reequilíbrios necessários na educação, na saúde e em todas as áreas que se julgue relevante ser o Estado a concretizar serviços ou soluções, se insista e persista em projetar uma atuação diletante e utilitária, como já aconteceu nos ATL e nos colégios privados e agora está a acontecer na saúde, nos transportes, no SIRESP, seguindo-se depois para as valências sociais prestadas por IPSS e sabe-se lá mais o quê. O facilitismo de construir a casa pelo telhado, de fazer discursos políticos de conveniência geradores de amplas expetativas e de permitir a sucessão de situações de falência de qualidade de serviços públicos está a minar a credibilidade do Estado como entidade capaz, moderna e sintonizada com as necessidades das pessoas. Sim, há muito mais população além dos engajados com as realidades digitais, com os avanços tecnológicos ou com a facilidade de acesso a uma mobilidade qualquer, mesmo que menos inteligente e sustentável.
Como sempre, a questão estará no plano da justiça social, nos que, podendo, têm oportunidade de recorrer a respostas fora do quadro estatal e nos que, não tendo possibilidade, têm de sujeitar-se ao que lhes é disponibilizado, mas haverá sempre alegres momentos de convivência comunitária na indigência incontornável das esperas para a renovação de um cartão de cidadão, da emissão de um passaporte ou numa interação com a Segurança Social.
Como nunca, acentua-se uma divergência entre o que é dito e o que é efetivamente feito, mas decide-se que se vai fazer mais, mesmo que não se faça bem o que já se devia fazer. Parece confuso, mas é uma variante estatal de ter mais olhos que barriga que fragiliza a digestão. É um Estado máximo nas competências, nas áreas de intervenção e nas responsabilidades, mas demasiado mínimo na concretização das necessidades correntes e das ocorrências excecionais.
A quem serve um Estado frágil? À direita, aos interesses privados e a um modelo de sociedade com demasiados desequilíbrios e desigualdades e pouca ambição transformadora sustentável. Não contem com o meu silêncio cúmplice.
NOTAS FINAIS
Meter o Rossio na Betesga. A ambição enunciada pelo Governo português no aprofundamento da construção europeia não tem conforto em nenhum dos parceiros de solução governativa além do PS. Em Portugal como na União Europeia, é poucochinho para ir mais além. E tem mesmo de se ir, ou implode.
Caiu o Carmo e a Trindade. Não caiu, mas devia cair. A voragem de final de legislatura ameaça tornar-se a antecipação de um solstício ou dos amanhãs que cantarão. Os sinais são preocupantes, na falta de senso, na intolerância e no populismo. É preciso que todos clarifiquem ao que vão para a próxima rodada legislativa.
Resvés Campo de Ourique. Os CTT estão a tentar impedir um divórcio litigioso com a população e com o Governo. Mais vale tarde do que nunca, mas não havia necessidade, e o foco principal deve estar colocado mais na qualidade do serviço postal prestado, por exemplo, nos ritmos de distribuição e na acessibilidade dos cidadãos aos serviços, do que em meras medidas simbólicas que se traduzem em muito pouco.
Ficar a ver navios. Enquanto Trump se entretém em arriscados jogos de subida de fasquia das provocações urbi et orbi, os Toronto Raptors, do Canadá, acabam de ir ao território do vizinho do sul ganhar o campeonato da NBA. Pelo menos no basquetebol, o afundanço foi evidente. No fake news.
Escreve à segunda-feira