Os limites entre o que deve ser e o que não deve ser feito na esfera da religião nem sempre são consensuais. Por estes dias, a realização das missas nas escolas públicas tem sido objeto de debate público. É que em alguns estabelecimentos de ensino – nomeadamente em Vieira do Minho, Famalicão, Bragança, Viana do Castelo, Arcos de Valdevez e Ponte da Barca –, todos os anos é preparada uma missa aberta a todos os alunos. Ainda que a participação seja facultativa, os alunos (ou os seus pais) veem-se obrigados a dizer se querem ou não participar. Um cenário que “pode colocar os alunos e os pais numa situação pouco recomendável”, diz ao i Vera Jardim, presidente da Comissão da Liberdade Religiosa e antigo deputado do socialista.
Obrigar os pais a exprimir a sua intenção de deixar ir os filhos, ou obrigar os alunos a dar a sua preferência, “não é aceitável”, reforça. O presidente da Comissão da Liberdade Religiosa traça duas hipóteses para solucionar a questão. A primeira delas – no seu entender, a aceitável – passa por ser “o professor de religião e moral a organizar a comunhão dos alunos que seguiram as aulas de religião católica”. “Se for isso, não há nada de mal”, considera.
A outra hipótese é exatamente a que está a acontecer em algumas escolas públicas portuguesas: missas para toda a comunidade escolar. “Se é uma comunhão geral para a escola, embora facultativa, coloca os alunos numa posição que se pretendeu não existir com os acórdãos do Tribunal Constitucional e depois com a alteração da lei”, explica Vera Jardim. A lei da liberdade religiosa, publicada em 2012, prevê que “o Estado não pode programar a educação e a cultura segundo quaisquer diretrizes religiosas”.
Vera Jardim defende que, ainda que não se trate de uma violação da lei, “de certo modo [a realização destas missas] é ir contra a lei, sobretudo num estado que não tem uma posição religiosa”.
“Intromissão na vida privada” Proibir ou autorizar a ida dos filhos à celebração religiosa católica configura, para Vera Jardim, “uma certa intromissão na vida privada das pessoas”. Solução? Missa apenas para quem frequenta as aulas de Religião Moral e Católica. “O professor de Religião e Moral, não a escola, pode organizar essas missas para os alunos que frequentam essas aulas, mas não devem ser missas generalizadas para todos os estudantes da escola”.
Na mesma linha, Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP), considera que os alunos que não frequentam esta disciplina não “têm de frequentar a missa e a escola terá que oferecer uma alternativa para ocupar os alunos naquele período de tempo”.
O responsável defende ainda que este tipo de atividades “deve ser alargado, se necessário, a outras religiões”.
Para Filinto Lima, o facto de Portugal ser maioritariamente um país católico tem um peso maior na disciplina de Educação Moral e Religiosa. No entanto, não implica que não possam ser abordados outros tipos de religiões. E dá o exemplo: “ Posso ter na minha escola um disciplina de Educação Moral e Religiosa Evangélica, se tiver 10 ou mais alunos”. Ou seja, se dez ou mais alunos na altura de escolher a disciplina tiverem outro tipo de religião, a escola é obrigada “a ter essa disciplina”.
Educação Moral e Religiosa faz sentido? A disciplina de Educação Moral e Religiosa é de oferta obrigatória, mas de frequência facultativa. Para Vera Jardim, a solução não passa por acabar com esta disciplina, mas sim pela criação de um módulo capaz de englobar outras religiões. “Não é uma disciplina que ocupe o ano todo, é uma disciplina que demorará dois meses sobre história das religiões, por exemplo, explicando o fundamental das grandes religiões do mundo”.
Tutela defende autonomia das escolas Fonte do Ministério da Educação revela ao i que as escolas “não podem impor qualquer orientação confessional aos alunos que as frequentam, devendo respeitar o pluralismo dos territórios em que se inserem e os direitos dos pais na educação dos filhos, os quais abrangem o direito de os orientar segundo as suas convicções morais e religiosas”. Contudo, a participação dos alunos neste tipo de cerimónias “é gerida no quadro da autonomia de cada escola e na relação que este estabelece com a comunidade em que está inserida”.
“Obviamente, nenhuma criança ou jovem pode ser obrigada a participar nessas cerimónias, sendo obrigatório o consentimento expresso dos pais ou encarregados de educação”, completa a mesma fonte.