“Como é que um animal irracional de um juiz destes anda à solta num tribunal? Precisa é de uma coleira e de uma trela e açaime”; “Uma advertência destas faria sentido se for enrolada, enfiada no rabo do juiz. Pode parecer chocante, o juiz se calhar discorda, mas há um precedente bíblico. Em Levítico 3:17, o Senhor disse a Moisés: e enrolarás a advertência e enfiá-la-ás no rabo do juiz”; “Este magistrado do Tribunal da Relação do Porto é um perigo para a segurança pública”. Estas foram algumas das declarações que várias figuras públicas de áreas diversas – aqui, Bruno Nogueira, Ricardo Araújo Pereira e Joana Amaral Dias, respetivamente – proferiram publicamente em relação ao juiz Neto de Moura e que agora estão a ser usadas pela defesa do magistrado para justificar as ações cíveis que estão a ser preparadas, num caso que levanta questões relativamente ao direito à liberdade de expressão e à ofensa ao bom nome.
“Há que fazer uma avaliação do que é o direito à crítica e à sátira e à liberdade de expressão, e confrontar isso com quem se sente ofendido”, diz ao i o advogado Rogério Alves. “É uma linha ténue a que existe entre a ofensa e a liberdade de expressão. E mais do que isso, não se aplica igualmente a todos os contextos”, defende o especialista. Rogério Alves crê que, neste caso, “porventura haverá uma maior tolerância para um programa de humor, onde a sátira está mais presente e é mais admissível”. Mas, aqui, a fronteira, “além de ténue, é altamente subjetiva, até porque não há nenhum critério de lei que permita pôr a fronteira aqui ou acolá, tem de ser um juiz em cada caso concreto a aferir. Portanto, o juiz concreto, a julgar o processo concreto, perante o que concretamente as pessoas disseram, vai decidir. Outro poderá decidir de outra forma”, acredita o advogado, que não revela o que pensa sobre o caso específico. “Para decidir, o juiz vai ter de definir se existe uma ofensa e se é justificável em função da liberdade de expressão e da sátira”, antevê.
As ações judiciais que as 20 pessoas visadas enfrentam não são criminais, mas sim civis, como confirmou ao i a defesa de Neto de Moura, e isso, assinala Rogério Alves, faz toda a diferença. “O que está em causa aqui não são as normas do Código Penal, porque o processo não vai seguir a via criminal, mas sim as normas do Código Civil, de proteção da honra e do bom nome e da integridade da vida privada e da integridade da vida pessoal. E, por isso, não se coloca a hipótese de vir a haver uma pena – não há uma multa nem prisão –, mas sim um pedido de indemnização.”
Assim, caso a justiça venha a considerar que existiu uma “violação do direito à honra e que houve um excesso nas manifestações tidas por alguma ou algumas pessoas”, os visados arriscam-se ao pagamento de uma indemnização cujo montante depende dos valores pedidos pela defesa de Neto de Moura. “Mas, para isso, o lesado terá à mesma de fazer prova dos danos sofridos pela prática do ato, sejam eles materiais ou morais”, conclui Rogério Alves. Já o advogado de Neto de Moura disse ao i que os valores a pedir de indemnização “variam de acordo com o grau de ofensa, e que, para já, não há valores definidos”, embora admita que possam ultrapassar os 100 mil euros.
Já o advogado Luís Oom diz ao i não haver, neste caso, qualquer dúvida de que os limites da liberdade de expressão foram ultrapassados. “No caso concreto, acho que o juiz tem toda a razão para avançar com os processos. Foram feitos juízos de valor desonrosos e que ofendem e enxovalham Neto de Moura”, defende o advogado, que sublinha “não estar aqui em causa a questão dos acórdãos, mas sim o que foi dito sobre o juiz. O exercício da liberdade de opinião foi claramente ultrapassado e a linha não é ténue, é visível que foi ultrapassada.”
Tal como Rogério Alves, Luís Oom explica que o juiz responsável pelo processo irá analisar os danos concretos que as declarações provocaram a Neto de Moura para chegar a uma decisão que, sendo favorável a Neto de Moura, resultará em indemnizações que não é possível prever mas que serão “mais elevadas seguindo esta via do que seriam seguindo a via criminal”, assinala.
Para este advogado, de resto, é incontornável que há declarações que, mais do que outras, têm contornos especialmente graves: é o caso das proferidas por Mariana Mortágua ou Catarina Martins. “A que título é que uma deputada vem dizer que alguém não pode ser juiz?”, indigna-se.