
Meia centena de obras da artista portuguesa, todas de grande formato, e algumas delas nunca exibidas em Portugal por terem sido vendidas em Londres, na década de 1980, traçam uma nova retrospectiva da obra da pintora a partir desta quinta-feira na Casa das Histórias Paula Rego, em Cascais
Os estentóricos anos 80 aliaram um grande entusiasmo e efusividade a um desejo de rebaldaria. O plástico triunfava, a tecnologia invadiu as nossas vidas, mas alguns artistas cedo souberam manter algumas reservas, ficar a uma distância suspicaz de toda essa alegria que se sublinhava a néon. Foi nesta década que Paula Rego se perdeu do lado do risco, começando a frequentar os domínios do imaginário, pondo em diálogo pessoas e animais, aproveitando-se do fulgor das fábulas para desenvolver uma linguagem nova, desafiadora, de língua de fora, e perdendo todo o decoro no que respeita ao uso das cores. São desses anos tantas das obras que despertaram o interesse dos grandes farejadores de arte a nível mundial, e é uma perspectiva sobre este período de afirmação pessoal que nos oferece a exposição inédita "Paula Rego: 80 anos". Inaugura hoje, e irá estar patente até 26 de maio. Uma proposta expositiva assinada por Catarina Alfaro, com organização da Fundação D. Luís I e da Câmara Municipal de Cascais, no âmbito da programação do Bairro dos Museus.
Contando com 52 obras de grandes formatos, na sua maioria provenientes de coleções particulares, e algumas inéditas, a Casa das Histórias Paula Rego recebe uma antologia de um período crucial do desenvolvimento da artista portuguesa, quando uma série de mudanças na sua vida pessoal levaram a uma urgência libertadora. A viver em Londres, foi nesses anos que virou costas a tudo o que se lhe vinha impondo como uma etiqueta, as expectativas que serviam para lhe corrigir a postura. Foi então que, segundo refere a curadora da exposição, "Paula Rego adoptou uma metodologia de total liberdade, rapidez e fluidez, que lhe garantia a expressão emotiva do desenho e a sua continuidade num processo livre de autocensura".
A turbulência vivida no plano mais íntimo e conjugal abalou a pintora, e há sinais de um debate avassalador entre a paixão e o ciúme, a infidelidade e o desejo de vingança numa série como "Macacao Vermelho", de 1981, em que alguns dos traços mais firmes desta obra surgiam já em carne vive, com o humor e mesmo a crueza a nascerem de um arrebatamento que não podia mais suportas os contransgimentos da tacanha moralidade que Paula Rego se tornou tão hábil a denunciar.
Ao longo de sete salas, o visitante poderá apreciar, entre outras, as séries "Menina e Cão" e "Dentro e fora do Mar", as fábulas de La Fontaine ou uma homenagem ao pintor e escultor francês Jean Dubuffet, cuja obra contribuiu para o fim do impasse criativo que a artista enfrentou a dada altura. A propósito desta época, a pintora confidenciou: "Foi só quando a minha vida pessoal regressou ao meu trabalho que as coisas melhoraram. […] Voltei a pôr os pés na terra."
Grande retrospectiva em novo museu inglês
Entretanto, foi anunciado também esta semana que uma grande exposição retrospectiva da obra de Paula Rego está a ser preparada no Reino Unido, inserida na programação de um novo museu que vai abrir no próximo ano em Milton Keynes, nos arredores de Londres.
"Paula Rego: Obediência e Desafio", marca a primeira grande retrospectiva do trabalho da pintora portuguesa em Inglaterra em mais de uma década, e inclui pinturas inéditas e trabalhos em papel propriedade da família e amigos próximos da artista. A exposição vai estar patente de 13 de Junho a 22 de Setembro, e reflectirá "a perspectiva de Rego como uma mulher imersa em questões sociais urgentes e assuntos actuais", adiantou o museu MK Gallery.
Seguirá depois em digressão, primeiro para o Museu Nacional de Arte Moderna da Escócia, em Edimburgo, e em seguida para o Museu Irlandês de Arte Moderna, em Dublin, sendo a primeira primeira retrospectiva da obra de Paula Rego tanto na Escócia como na Irlanda.