O que está mal em Portugal? Foi com esta pergunta que a SEDES (Associação para o Desenvolvimento Económico e Social) foi fundada em 1969. Com as comemorações dos 50 anos à porta, João Salgueiro, um dos elementos que assinaram o papel para a constituição da associação, fala da inércia dos portugueses para mudar o país e mostra-se desiludido com o baixo crescimento da economia portuguesa numa altura em que as condições são mais favoráveis. Lembra também as histórias por trás da chegada ao Banco de Fomento, onde esteve mais de 20 anos, e à Caixa Geral de Depósitos.
A SEDES celebra 50 anos no próximo ano. Como foi começar um grupo de debate político num tempo de censura?
Apesar de não ter sido um dos fundadores, estive desde o início. O pedido de autorização foi assinado por 147 pessoas, mas houve um grupo que teve mais iniciativa e que achava que era preciso arranjar maneira de pôr as pessoas a pensar, e estamos a falar de 1969. Para se pedir autorização, a SEDES não podia ser apresentada como uma associação partidária, foi apresentada como uma associação para o desenvolvimento. A autorização demorou quase um ano a ser concedida. A apresentação dizia que o país tinha problemas que teria de resolver: a guerra, a relação colonial e um sistema político que não conseguia evoluir, mas não se podia dizer dessa forma, caso contrário não era autorizado. O que se dizia era que o país precisava de encontrar novas formas de desenvolvimento porque estava parado e a perder posição. Nessa altura, o crescimento do produto interno bruto era de 7% ao ano e, mesmo assim, as pessoas achavam que era pouco. Usámos o argumento de que a economia estava a crescer pouco face a outros países e isso foi o suficiente para as pessoas pensarem que se tinha de falar de forma diferente. A SEDES surge como uma necessidade de reconfigurar a política nacional face aos problemas que não estavam a ser resolvidos. E teve efeito: o Movimento das Forças Armadas (MFA) inspirou-se bastante na política económica e no argumento de que era necessário desenvolver mais o país. Fizemos três congressos com intervalos de dez anos e, em todos eles, estávamos num período de bloqueamento.
Como estamos agora?
Exato. Os congressos sempre foram realizados com a ideia de que era precisa uma nova resposta. Atualmente, a grande parte do mal-estar está relacionada com a economia e com o facto de ela não estar a dar os empregos que as pessoas querem. Há precariedade, as pessoas não sabem se arranjam emprego melhor daqui a uns anos, os salários são baixos e não permitem poupar para a reforma.
Acha que esta discussão sobre o que está mal não está a ser feita?
Sem dúvida. Porque é que a economia não satisfaz? A Irlanda tem um resultado completamente diferente do nosso, está melhor. O problema é que isto tem aspeto de estar bloqueado e a ideia de que as eleições resolvem o problema é um pouco infantil. Acha que as eleições vão dar um resultado diferente? E não é por ser um governo de uma maioria de esquerda, também poderia ser de uma maioria de direita, como já tivemos e que, na prática, nada mudou.
Os dados económicos apontam para um crescimento na ordem dos 2%…
Acha suficiente? Estamos a divergir em relação à Europa e estamos a afundar-nos em relação a Espanha, que apresenta um crescimento de mais do dobro que o nosso, paga menos impostos, a gasolina é mais barata, é mais fácil arranjar emprego e os salários são mais altos. Porque é que conseguem e nós não? Porque é que nos contentamos com uma mediocridade em relação a Espanha? Espanha é assim tão diferente ou achamos que são melhores do que nós, para aceitarmos que esteja melhor que Portugal?
É uma questão de apatia nacional?
Houve uma coisa durante a ii Guerra Mundial que ficou conhecida como “big lie”, a grande mentira, em que um dos inspiradores foi o ministro da Propaganda alemão. Goebbels dizia aos seus funcionários que não se podia confundir a realidade com a mentira e, se queriam outros resultados, teriam de repetir a mentira mais vezes. Por isso, quando vir uma coisa muita repetida é porque estão a querer convencê-la de qualquer coisa.
É essa a estratégia do governo?
Acha que o terceiro pior crescimento económico da Europa é um bom resultado? Então porque é que o governo diz que é bom? Foi assim que António Costa liquidou António José Seguro, ao dizer que não ia conseguir ganhar. Seguro ganhou duas eleições e o atual primeiro-ministro não ganhou nenhuma, mas tem um ar de quem venceu. Os portugueses não raciocinam, ouvem uma repetição, um slogan, e vão atrás.
A mobilização dos portugueses é menor agora do que era em 1969?
Neste momento há a ideia que tudo está a correr bem. As expetativas que as pessoas têm em relação ao futuro não são boas e elas não são capazes de comparar as suas expetativas com os resultados que estão a ter. Como o discurso de que estamos a crescer mais do que estávamos há quatro anos é muito repetido, as pessoas acham que isso é um progresso. Não se pode medir o progresso assim. Se vai para uma competição, não quer saber se está a jogar melhor ou pior do que jogou no ano passado, quer saber se vai vencer. As expetativas que as pessoas têm não correspondem ao que elas estão a ter mas, mesmo assim, acham que está tudo a andar bem. E as expetativas não são tontas nem absurdas: as pessoas querem um emprego mais bem remunerado, querem que o Estado resolva o problema da saúde, da educação e das reformas, etc. E é impossível que estas expetativas se confirmem? Não. Portugal não pode ter um desenvolvimento melhor do que está a ter? Pode. Esta época é má? Não me lembro de uma época para Portugal mais fácil do que esta. Estamos dentro do segundo maior mercado do mundo, não há falta de dinheiro porque o Banco Central Europeu ainda está a fornecer liquidez e não vai haver uma crise por falta de dinheiro. A taxa de juro nunca esteve tão baixa, está praticamente a zero. As nossas taxas chegaram a estar nos 30 e tal por cento, mas o normal é estarem nos 6%, e diz-se que é uma vitória estarmos com o mesmo nível de PIB de há dez anos. Não é assim uma grande vitória porque, nessa altura, tínhamos de pagar juros de 6%, e se agora tivéssemos de voltar a esses níveis iríamos ter um desequilíbrio enorme na nossa balança. Estamos a viver uma época em que é fácil obter bons resultados e, mesmo assim, os resultados que estamos a atingir são bastante modestos.
E à boleia da Europa…
E não só, do mundo. Os Estados Unidos estão a crescer bem, a China está a crescer muito. Mas consideramos que isso são condições normais e que é satisfatório estarmos a crescer praticamente 2%, numa altura em que podíamos estar a crescer muito mais. Se, agora, ao PIB tivéssemos de tirar 6% ou 5% para pagar os custos da dívida, voltaríamos a ter um período de dificuldades.
Acha que os portugueses estão deslumbrados? Por exemplo, a concessão de crédito voltou a subir…
Acho que não. Pode dar algumas ilusões, mas os bancos não estão a facilitar assim tanto o crédito, ao contrário do que se tem dito.
Mas foram concedidos em julho mais de 900 milhões de euros só para o crédito à habitação…
E quanto era dado anteriormente? Estamos mais uma vez a comparar uma coisa que não é comparável. E grande parte da habitação nem sequer é comprada pelos portugueses, é comprada por estrangeiros que querem vir residir para Portugal e por aqueles que compram porque acham que é uma boa altura por estar barato, para vender, mais tarde, mais caro.
Então o que é necessário fazer?
Toda a gente sabe que precisávamos de reduzir a dívida e nós temos aumentado. Para sermos otimistas, até podemos dizer que está estabilizada, mas está estabilizada porque não se deu prioridade aos desequilíbrios financeiros. Por exemplo, tínhamos um problema de saúde tão grave como temos agora? Não tínhamos, isso é uma consequência da redução da carga horária dos médicos. Suponho que não pensaram que era preciso mais turnos de médicos nos hospitais e que os que existem não chegam.
Porque o governo cedeu a pressões?
Foi um brinde que o governo deu à classe. Quis reverter as políticas anteriores porque se dizia que eram políticas de austeridade. Mas não há resultados, com ou sem austeridade, se não houver uma política racional que encoraje as pessoas. Tivemos períodos de política de austeridade em que a economia não cresceu, mas também tivemos período de facilitismo em que a economia não cresceu.
Deveria ter-se optado por outras medidas?
A época em que contactei mais com António Costa foi quando era ministro da Justiça, e teve um bom desempenho, levou a sério os problemas de justiça económica e conseguiu fazer reformas que tornaram mais fácil atrair o investimento porque havia a ideia de que não se fazia investimento por causa da justiça em Portugal. Não era um trabalho fácil, e conseguiu resultados. Agora, a tarefa que assumiu é ter um governo que sobreviva e tem conseguido, mas não é do que o país precisava neste momento. Atualmente, precisava de ter progressos que estão ao seu alcance e, com isso, está a condicionar o nosso futuro. Está a ver uma grande corrida de investimentos em Portugal? Não está.
Só para imobiliário…
Para imobiliário e para centros de competências. E para os centros de competências basta arrendar ou comprar um andar ou um edifício e pôr lá uns terminais. Tudo isso é possível sem fazer grandes investimentos e está a ser feito em Portugal porque não temos problemas de segurança, a qualidade de vida é boa e não depende de políticas de curto prazo.
É um problema só deste governo?
Não é só deste, podia ser igual com outro governo. Não estou a julgar os governos, estou a julgar o desempenho de quem governa na altura. Mas reverter uma parte das medidas que foram feitas não foi grande ideia. Tudo o que foi feito foi para tornar mais credível que estamos numa boa fase e só foi possível porque os partidos que apoiam o governo estavam interessados nisso; caso contrário, não era possível.
Nos últimos anos tem-se assistido a uma grande aposta no aumento dos impostos indiretos…
Manteve-se a austeridade. Não é muito equitativo tratar os funcionários públicos de maneira diferente que o resto das pessoas do país. Justificar isso não é fácil. Estar a aumentar os impostos que são pagos por todos para beneficiar só alguns não faz sentido.
Isso também é resultado das negociações com os partidos que apoiam o governo?
Mas essa é a função desses partidos, como é a função dos sindicatos reivindicar.
Estamos em véspera de apresentação de mais um Orçamento do Estado. Acha que as negociações para este OE estão a ser mais difíceis?
Acho que não. O problema do país é não se desenvolver da forma como precisava. Como é que as pessoas aceitam que, durante décadas, a qualidade de vida do outro lado da fronteira seja melhor do que cá? O problema é que acham que é normal que haja essas diferenças.
Diz-se cada vez mais que estamos perante uma nova crise financeira. O que acha?
Toda a gente sabe que vai haver uma crise financeira. É inevitável. Na vida das pessoas também há crises. O problema é saber se estamos satisfeitos com o nível que temos, se vamos esperar que no futuro seja mais fácil resolver os problemas ou se aceitamos não estar a ter os avanços que devíamos ter, apesar de estarmos a viver num período excecional. Porque é que Portugal não se desenvolve mais que os outros países da Europa? Nos últimos 15 anos fomos ultrapassados por quase todos os países europeus. Porque é que Letónia, Estónia ou Malta apresentam melhores níveis de desempenho do que nós? Houve uma altura em que se dizia que Portugal era um país pequeno, com uma economia pequena e aberta e, por isso, desenvolvia-se menos. Mas alguém prova isso? Os países que se desenvolveram mais depressa foram os mais pequenos. Depois, porque era periférico, mas esquecemo-nos que estamos num dos maiores mercados do mundo. Em vez de analisarmos as coisas com objetividade e pensar no que queremos, vamos vivendo de lamúrias. E temos sempre a ideia que alguém trata de nós, e isso é um pouco a mentalidade da nova geração, que acha que, se não consegue sair do buraco, os pais têm obrigação de os ajudar. E se os pais não poderem, os avós também têm essa obrigação. E se eles não puderem, o Estado tem de tomar conta disso, ou a União Europeia. Temos sempre uma postura de dependência. Vivi um ano na Holanda a fazer uma pós-graduação quando estavam a discutir a entrada na União Europeia, e o argumento que usavam era que precisavam de um mercado maior para se afirmar e competir. O nosso sonho de entrar na União Europeia era passar a viver numa residência assistida, para que alguém tomasse conta de nós. Se, algum dia, os países da União Europeia acharem que têm de ajudar algum país, porque seria Portugal quando há países, como em África, com problemas mais graves de fome?
Achamos isso por estarmos no espaço europeu?
Isso foi verdade até 1989. Desde o início queríamos ter duas coisas: ter um sistema democrático, e a União Europeia ajudava-nos a ter isso porque fazia parte das regras; e em segundo lugar tínhamos a ideia de que se vivia muito melhor na Europa do que em Portugal, portanto queríamos fazer parte daquele estilo de vida. E como tínhamos muitos emigrantes lá, isso ajudou muito. No fundo, as pessoas queriam viver como se vivia na Europa.
Mas não foi possível…
Melhorou muito, houve grandes progressos na educação, na qualidade do serviço de saúde, mas também tínhamos de melhorar de qualquer maneira. Não podemos considerar um milagre uma coisa que se consegue normalmente. Por exemplo, estávamos a crescer muito antes do 25 de Abril e não foi isso que fez cair o regime. Estar a comparar o que temos agora com o que tínhamos há 40 anos não faz sentido, tinha de ser melhor. Podemos é estranhar como é que nalgumas áreas não melhorámos mais.
Mas perante o risco de uma nova crise financeira, estamos mais preparados do que estávamos em 2008?
Somos responsáveis por fazer avançar o país independentemente de vir aí uma crise ou não. Se começarmos a pensar que o único problema que nos faz mexer é a ameaça de uma crise, então estamos mal porque não estamos a ir ao fundo do problema. Se formos pensar qual é a estratégia que temos para melhorar a situação em Portugal, chegamos à conclusão que os caminhos-de-ferro são um desastre. Temos portos, mas estamos a viver de projetos que foram decididos em 1971. É o caso do Alqueva, um projeto que ainda estamos a acabar, e de Sines, um porto que foi criado na altura porque os petroleiros gigantes não podiam entrar em Lisboa e surgiu a necessidade de se fazer um porto novo. Depois de se fazer uma análise de todos os portos possíveis, Sines foi considerado o melhor local e decidiu-se isso em 71. Portanto, Alqueva, Sines e o novo aeroporto de Lisboa, que foi decidido que era ao pé do campo de tiro de Alcochete, no Montijo, são dessa altura, mas depois veio o 25 de Abril e não se construiu.
E, agora, o novo aeroporto volta a estar em cima da mesa e na mesma localização…
Porque era a melhor.
Mas parece que a necessidade do novo aeroporto surgiu há pouco tempo…
Do que precisamos é de ter uma atitude de saber o que queremos e o que é possível fazer. Não entendo porque demora tanto a decidir.
É uma decisão que peca por ser tardia?
Claro que sim, já em 1971 era urgente. Os espanhóis fizeram em Madrid um grande aeroporto na mesma altura em que estávamos a decidir fazer o novo aeroporto aqui.
Voltando ao sistema financeiro: esteve ligado à banca, como vê agora os bancos em Portugal?
Estive sempre na banca, mas não estive ligado à banca. A seguir ao 25 de Abril arranjei emprego nos Estados Unidos. Aliás, consegui dois, um no Banco Mundial e outro no Fundo Monetário. Os dois estavam organizados por regiões geográficas e ofereceram-me o cargo de economista-chefe. Optei pelo Banco Mundial porque trabalhava a região da Grécia, Itália, Malta, Chipre, Iémen e Turquia. Achei que isso me permitia, tendo o passaporte dos Estados Unidos, ir a esses países e vir a Portugal para ver as pessoas, os amigos e a família. O Fundo Monetário ofereceu-me o cargo de economista no grupo de países da Ásia Ocidental Francesa – não estava interessado em ir para o Senegal, Mali ou Chade. Ia começar funções em 1976, mas entretanto houve o 25 de Novembro e tudo mudou. Achei que talvez não fosse má ideia ficar cá porque o país ia mudar e tínhamos a obrigação de ajudar a mudar. As pessoas queriam uma aproximação à Europa e havia condições políticas para se pensar que seria possível viabilizar uma consolidação na área política, económica e financeira em Portugal. Convidaram-me para presidente do Banco Espírito Santo, havia falta de gente porque tinha havido uma fuga de pessoas de Portugal – não aceitei porque não estava interessado em dar crédito para a habitação e para automóveis. Isso não me dizia nada. Depois, o dr. Santos Silva, que mais tarde foi para presidente do BPI e que na altura era secretário de Estado, e o dr. Salgado Zenha, o ministro das Finanças, telefonaram-me a perguntar se queria ir para o Banco de Fomento e aceitei. Não era para dar crédito de curto prazo, era para ajudar as empresas a desenvolverem-se ou para criar novas empresas, achei mais interessante. Estive lá quase 20 e tal anos, ajudámos centenas de empresas e a consolidar o emprego. Acompanhei a atividade bancária porque estava no Banco de Fomento, que não era um banco clássico, comercial. Depois, o eng.o Guterres e o prof. dr. Sousa Franco convenceram–me a ir para a Caixa Geral de Depósitos.
Como vê agora a situação da CGD?
Quando fui para a Caixa, o banco estava numa situação ótima, não havia corrupção e o crédito não era de favor, mas só aceitei porque foi uma habilidade do ministro da altura. Convidou-me porque havia a ideia de que, se estava alguém ligado ao PS como governador do Banco de Portugal, o presidente da Caixa deveria ser do PSD. Não era ativo do PSD, mas tinha estado num governo do PSD e achavam que era dessa esfera – nunca desfiz essa imagem. Quando me convidaram disse que não estava interessado porque não acreditava nessas histórias das compensações políticas e, por outro lado, não era o meu género de trabalho. E expliquei: não aceito mais nenhum lugar numa empresa pública porque a maneira como acabou a minha experiência no Banco de Fomento não foi boa. Começaram a querer que tomasse decisões por interesse político e eu não estava disponível para isso, não é o meu género. Ele insistiu, o eng.o Guterres também, mas depois o prof. Sousa Franco telefonou-me a dizer que tinha estado a pensar nisso e, se calhar, eu tinha razão. Achou que estavam a politizar as administrações das empresas públicas, o que não era bom. Pediu-me para ajudar, escrevendo num papel como se podia evitar isso. Escrevi, fui-lhe entregar em mão para explicar como se deveria separar as decisões que são baseadas no mérito de um projeto daquelas que têm mérito político, até porque achava que a Caixa poderia ter de financiar projetos que interessassem ao Estado. Por exemplo, se fosse preciso fazer uma nova linha de caminho-de-ferro e ninguém estivesse interessado, a Caixa poderia financiar isso por conta do Estado. Mas se essas operações fossem de interesse político, teria de ficar claro que eram por conta e ordem do Estado, seria uma decisão do acionista. Os projetos que não fossem do interesse do Estado teriam de ser decididos pelo conselho de administração, que teria toda a liberdade de recusar. Ele aceitou e disse-me que já não tinha razão para recusar o lugar na Caixa porque antes de me chamar já tinha publicado a minha proposta em Diário da República como sendo orientações para o banco. Pensei, “já fui apanhado”, e aceitei um mandato. Não podia dizer que não concordava com o que tinha escrito. E bem que me serviu, porque vieram logo pedidos para duas operações: um foi o pedido de financiamento à UGT e outro de financiamento à Casa do Douro, que era um projeto que não se justificava. Estavam já muito endividados e tinham falta de capitais próprios.
Mas as linhas orientadoras da Caixa foram-se alterando até chegar ao estado a que chegou e sujeita a um processo de recapitalização….
Quando fui para a Caixa, o banco estava impecável, tinha saído de dois mandatos do dr. Rui Vilar. Os critérios internos eram rigorosos. O maior problema que tivemos foi em 2000, altura em que todos diziam que ia haver um bug que levaria a um colapso no setor financeiro por causa da informática. Tivemos de reforçar os meios técnicos informáticos, vieram 20 e tal técnicos do Brasil para ajudar, mas não houve nada.
Acha que há agora algum banco numa situação débil como a que tivemos com o BES?
Débeis estão todos quando houver uma crise. Mas ainda está mal esclarecido porque é que os governos ajudaram a banca. Por exemplo, nos Estados Unidos, o governo federal ajudou a banca a sair do buraco, mas não ajudou a indústria automóvel, que dava muito mais empregos. Detroit afundou-se porque não foi ajudada..
Portugal fez o mesmo…
O que está por trás disso são os depositantes. Se o banco falir, as pessoas perdem o dinheiro que têm nos bancos, e isso seria um desastre.
Mas para isso também existe o Fundo de Garantia de Depósitos…
Só garante até 100 mil euros e, se o fundo entrar, perde-se a confiança no sistema.
Acha que há algum banco em Portugal que esteja numa situação crítica?
Acho que não.
Ficou surpreendido com o desfecho do BES ou era expetável?
Acho que foi mal resolvido. A União Europeia teve culpa, e o Banco de Portugal, não direi que teve culpa, mas não se opôs a isso. A resolução do banco foi um disparate.
Uma solução à pressa e experimental?
E fizeram a mesma coisa no Banif. A União Europeia tem um desígnio muito nefasto de que é preciso grandes bancos europeus e, como Portugal é um país mais pequeno, acha que não precisa.
Foi um dos signatários do movimento contra a espanholização da banca. Continua contra esta tendência?
Continuo contra, não que adiante muito. Não é por ser espanhol, isso foi dito no manifesto, é por todos os bancos estarem ligados à economia de um país estrangeiro. Quando foi a última crise, os bancos estrangeiros cortaram o crédito a Portugal. Qual é o banco estrangeiro que está disposto a aplicar dinheiro num país que está em crise? Faz o possível por fugir. Só não fogem os bancos que têm uma relação séria com aquela região.
Voltando à SEDES, uma das pessoas que fizeram parte da associação foi o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa. Com base no caráter de discussão da SEDES, considera que o mandato do Presidente se mantém coerente com o que defendia?
Ele não foi fundador, nem ele nem o eng.o Guterres, inscreveram-se pouco tempo depois. Estavam a estudar ainda, um em Direito, outro no Técnico. Acho que se mantém coerente. Aliás, qualquer pessoa em Portugal tem dito que ele tem dado um grande apoio à intervenção cívica dos portugueses, tem sido um exemplo nisso. Sempre que há um problema, faz o possível para ajudar a resolvê-lo, não só em termos políticos, mas em termos de intervenção efetiva. Foi muito claro na altura dos fogos, mas também em relação às dificuldades nas escolas, nas zonas de desemprego, onde há dificuldades de articulação entre as autoridades municipais e as entidades a nível nacional. São realidades que não se podem resumir só a um aspeto político.
Esta boa relação entre o Presidente da República e o primeiro-ministro tem feito diferença?
O que tem vindo com mais relevo para a comunicação social é o facto de terem um bom relacionamento pessoal e ambos terem aparecido, embora de maneira diferente em relação a algumas causas, com posições convergentes. Mas convergentes não quer dizer que sejam iguais.
Historicamente há a ideia de o Presidente e o governo estarem de costas voltadas, havendo até o exemplo de Cavaco Silva, que nem sempre tinha a mesma posição ao nível da relação com o governo…
São épocas muito diferentes.
Mas uma boa relação entre estas duas entidades pode ser mais favorável?
O que interessa é saber se a posição que têm é a correta em relação aos desafios que temos. Não vejo esse problema do ponto de vista das relações partidárias, políticas ou ideológicas, vejo o ajuste do que se defende e o contributo que se dá para encontrar uma resposta efetiva e positiva em relação aos desafios que temos. Se estiverem ambos do mesmo lado, tanto melhor, mas que seja do lado certo. Por exemplo, este caso da procuradora–geral [da República] não foi nada bom e não se percebeu. Andaram a dizer que a senhora teve um bom desempenho e que era preciso continuar com esta política. Então para que era preciso esta mudança? Foi tudo mal explicado. Acho que não foi bom nem para a imagem do governo nem para a da Presidência da República. Parece que estão a fugir de algum problema que tinham medo que viesse para a primeira página dos jornais. O facto de não tomarem uma posição mais clara prejudicou os dois.
A SEDES ficou conhecida como incubadora de governantes porque desde o 25 de Abril tem havido membros da associação em muitos governos. No entanto, isso não impediu a associação de se posicionar contra certas decisões tomadas, como no caso do governo de José Sócrates.
Não sei se havia algum membro da SEDES nesse governo, é capaz de ter havido. Mas a posição que tomamos em relação a qualquer problema não tem a ver com as pessoas que lá estão, mas com a realidade que estão a decidir. Andar a gastar dinheiro quando o país está endividado para fazer obras que não são necessárias, é fácil dizer que não é bom.
Teria havido uma forma de evitar uma crise financeira tão grave?
Havia: era gastar menos dinheiro. A dívida subiu entre 2008 e 2011, numa altura em que já estávamos endividados e a taxa de juros estava alta. Fizeram porque acharam que era uma boa ideia reanimar a economia com base na despesa pública, mas não reanimou nada nem criou emprego.
E este retrocesso na política de austeridade defendida pelo governo atual poderá estar a ir nesse mesmo caminho?
Não é tão grave, mas não é a melhor solução para o país por várias razões. Primeiro, porque não é isso que se devia estar a procurar, devia-se procurar forma de encorajar o investimento, e não a despesa corrente; segundo, não é bom agravar a carga fiscal, que já está muito alta; e terceiro, o que era preciso era estabelecer confiança. Por exemplo, uma coisa que começou mal: se queremos encorajar o investimento produtivo e também o investimento estrangeiro, que é uma parte do investimento produtivo, era preciso que as pessoas reconhecessem que há melhores condições em Portugal que nos outros países. E havia uma coisa muito simples, que era baixar o IRC. Não digo para zero, como alguns países têm, ou 12% como tem a Irlanda, mas para o que estava combinado, que era baixar até 17%. A primeira coisa que este governo fez foi acabar com isso. Não é uma grande ideia. E tinha sido assinado pelos responsáveis máximos do PS e do PSD. Se a primeira coisa que se faz é subir, realmente não é para estabelecer a confiança. A ideia de entrar num clima de facilidades não atrai o investimento. O que atrai é haver condições para poder trabalhar bem em Portugal, e até há, mas é preciso que sejam postas em evidência e não sejam comprometidas por uma decisão menos feliz.
Durante o próximo ano, para o aniversário da SEDES estão previstas várias conferências, terminando as celebrações com um congresso…
Os nossos desafios não são os das tricas partidárias. A SEDES, em conjunto com o Fórum da Competitividade, tem vindo a identificar um mal-estar em relação à economia. Por exemplo, desde 1978 que se fala na reforma da administração pública ou do sistema de justiça, etc. Quando o governo de Mota Pinto – que não tinha maioria, não era apoiado por qualquer partido, era um governo de iniciativa presidencial – disse que queria fazer uma lista de reformas estruturais, mesmo que fossem impopulares ao nível eleitoral, os partidos não quiseram. Essa lista surge sempre que vem um novo governo, e depois vai-se embora sem as fazer. Não vale a pena insistir em dizer quais são as reformas, já está dito desde 78. Podia fazer-se um refrescamento da linguagem e dos objetivos e dar uns números mais atualizados, mas não é nada de novo. O que interessa saber é porque não se fizeram e criar condições para que sejam feitas. Os governos têm sido ineficazes e os deputados também são responsáveis por isso. Temos 320 pessoas no parlamento que são pagas para controlar o que o governo está a fazer e nada fazem. Os portugueses deviam cansar-se disto e pedir uma reforma eleitoral a sério. Porque é que não fazem? Estamos a desenvolver uma proposta para a reforma da lei eleitoral em parceria com a Associação Por Uma Democracia de Qualidade. O objetivo é fazer com que os candidatos se portem como deputados, e não como representantes dos partidos.
E chegaram a alguma conclusão?
Chegámos à conclusão de que os portugueses não se interessam mesmo. As pessoas queixam-se dos resultados, mas não querem ir às causas. Sabemos que os irlandeses tiveram uma situação pior que a nossa mas saíram dela, os espanhóis também tinham e têm dificuldades agora, ao nível político e partidário. A Grécia também foi forçada a mudar de vida. A Itália não é um grande exemplo. Porque é que os portugueses não se importam com essas coisas? É esse o problema misterioso. Não sabem o que querem? Acho que sabem, mas porque não lutam por isso? Acho que é por acreditarem que alguém deve tratar das suas vidas, não eles. Não acreditam que possam mudar a realidade, esperam que alguém a mude, o que é estranho.