Adolfo, Adolfo…


Fica aqui expressa a minha admiração por Adolfo Mesquita Nunes, muito especialmente por me ter dado a conhecer Benito Lertxundi, um homem basco de esquerda, independentista


Não conheço pessoalmente Adolfo Mesquita Nunes (posso dizer que tenho pena) e, ao contrário, provavelmente, da maioria das pessoas, não o conheci prioritariamente pela sua figura, nem pelas suas posições políticas, nem pela sua (corajosa) assunção de que é homossexual.

Admiro-o. Admirei-o quando foi secretário de Estado do Turismo, pela inovação (não apenas ele…) que trouxe ao setor e ao incremento que o turismo teve e tem tido – parte foi da iniciativa dele, parte desta excelente geringonça que nos tem governado e que, infelizmente, não tem servido de exemplo numa Europa em que as vitórias dos populismos se devem, exatamente, a uma falta de alternativa à esquerda ou ao suicídio do centro-esquerda pelo atirar a toalha ao chão e recusar ser… centro-esquerda. Repito, achei a entrevista de Mesquita Nunes ao “Expresso” um ato de coragem, de afirmação da liberdade individual, e um exemplo de caráter.

Todavia, não foi pela política que conheci Adolfo Mesquita Nunes, mas pelo facto de, numa “Playlist” da TSF, me ter dado a conhecer um compositor/autor/cantor de cair para o lado: Benito Lertxundi, um basco, esquerdista, com uma voz melodiosa, que canta na sua língua original (não sei, pois, avaliar os poemas e as letras das canções) e que se faz acompanhar pela sua companheira, Olatz Zugasti, uma voz feminina que tão bem contrasta com a sua. Ao ouvir “Gaua eta ni”, criteriosamente escolhido por Mesquita Nunes, fiquei deslumbrado, e o YouTube permitiu-me conhecer mais e mais músicas dele. Vale a pena e aqui fica a sugestão.

Voltemos a Adolfo, mais famoso e conhecido depois da sua entrevista ao “Expresso”. Enquanto alguém escrever, num cartaz de um político, que ele é gay, como se fosse um anátema e insinuando um “crime” como escrever “corrupto”, “ladrão” ou qualquer coisa similar, é necessário um grito de revolta de toda a sociedade. Ser gay não é crime, que eu saiba (pelo menos no nosso país), e se sou contra a “obrigação” de se, como se diz, “sair do armário” (a vida íntima de cada um é a de cada um e já chega de andar a coscuvilhar, com voyeurismo, a vida dos outros), achei que Adolfo fazia bem em dar a cara e contribuir, em muito, para acabar de uma vez por todas com preconceitos e tabus estúpidos e inaceitáveis. Já não gostei tanto que usasse esse seu momento para se afirmar como “a prova viva da diversidade” do seu partido, mas enfim…

Fica aqui, portanto, expressa a minha admiração por Adolfo Mesquita Nunes, muito especialmente por me ter dado a conhecer Benito Lertxundi, repito, um homem basco de esquerda, independentista.

Foi assim com enorme surpresa que ouvi (ou seja, não foi por interposta leitura) o seu discurso no congresso do CDS. Não por atacar o PS, o governo, o PSD, Rio ou seja quem for – é natural que o faça. É seu dever, aliás. Todavia, Adolfo falar de apoio do governo atual (que apelida de “socialistas, comunistas e trotskistas”) a “ditaduras totalitárias e assassinas” (foram as suas palavras) e à liquidação de empresas, entre outras tantas malfeitorias que os partidos que apoiam o governo desejam, parece-me quase risível, não fosse tão grave. E indigente do ponto de vista do debate intelectual e de todas as críticas que podem e devem ser feitas ao PS, Bloco ou PCP/PEV. Todavia, nem o cargo de vice-presidente do CDS ou o de coordenador da task force para as eleições justificam um harakiri intelectual e uma venda da sua alma. Se alguém escrever no cartaz da sua candidatura a palavra “demagógico”, acho que o verdadeiro Mesquita Nunes dirá: “Deixem ficar. Sou eu!”

Um homem inteligente e arguto como Adolfo Mesquita Nunes sabe que o que disse é demagogia. Que inventou, confabulou, exagerou para inglês ver ou para o povo ficar amedrontado. Não me parece uma atitude condicente com o homem que, sem espinhas, assumiu ser homossexual num mundo onde o machismo impera. Não me parece ser uma atitude condicente com o homem que avant la lettre pensou no turismo como um polo de desenvolvimento do país. Não me parece ser uma atitude condicente com um homem que me apresentou a mim e a muitos outros ouvintes Benito Lertxundi, esse fabuloso basco esquerdista e independentista. A ser verdade, então como entender as suas palavras?

Que chatice ter ouvido o telejornal de sábado! Que pena ter ouvido as suas palavras! De tão “dessintonizadas”, arrefeceram a minha admiração por si, fizeram–me pensar que, afinal, elabora as suas palavras e os seus discursos conforme as conveniências políticas do partido ou da sua líder, como afirmar que “a esquerda não aceita a liberdade dos outros”… Não? Quem não aceita a sua liberdade? Pois as suas palavras fizeram-me pensar que, porventura o que disse e escreveu foi tudo pura demagogia, falsidade e aproveitamento de “temas fraturantes”. Espero que não!, que tenha sido engano ou apenas excesso de entusiasmo!

Fica Benito Lertxundi que, ele sim, é sublime e acima das querelas partidárias. Fica o turismo, como grande impulso à recuperação económica do meu país e que me faz sentir bem por ser português, depois da hemorragia que Passos Coelho conseguiu com as suas medidas “além da troika”.

Espero que tenha sido apenas um momento, um vaipe, algo que não tenha substância e que apenas pretendesse agradar aos centristas do congresso (e mesmo assim…). Até porque, caro Adolfo, quem anda objetivamente a fazer negociatas e arranjinhos com as tais ditaduras totalitárias e sanguinárias, quem anda de conluio com esses governos e Estados comunistas que desprezam os direitos humanos e têm horror à liberdade, a tal liberdade que defende… é precisamente o ex-presidente do seu partido, o dr. Paulo Portas. Angola… Venezuela… Seria ele o visado no seu discurso? Estavam as suas palavras a visar o governo anterior? Então entendi tudo mal. Peço desculpa.

Um abraço e… já agora, como me apresentou o “Gaua eta ni”, sugiro-lhe o “Udazken Koloretan”, mas porventura já o conhece… Não? Vai gostar.

 

Pediatra

Escreve à terça-feira