Há muito que a silly season é coisa de todo o ano, tantas são as ocorrências inacreditáveis que são do conhecimento do comum dos mortais. Ainda assim, embalados nos ritmos de verão, nas descontinuidades das férias e num certo alheamento da atualidade que pontua esta época do ano, há sopros de brisas que mais parecem prenúncios de ventanias. Tal como o algodão, não enganam.
Brisas de irresponsabilidade Há muito que sublinhamos a importância do fator segurança, real e percecionada, para os resultados que têm estado a ser obtidos em matéria de crescimento económico alavancado pelo turismo. Esse elixir de desenvolvimento e de euforias várias deveria fundar uma maior proatividade no investimento da capacidade operacional das forças de segurança, no funcionamento da fiscalização das fronteiras e na mudança de paradigma do modelo de organização do modo territorial, estático, para o modo de mobilidade, dinâmica. Infelizmente, apesar da relevância do turismo para a economia, sucedem-se as notícias que, sublinhando a triste realidade de ruturas várias, concorrem para fragilizar a perceção de segurança e sinalizar oportunidades para tudo o que não queremos. Vai sendo tempo de se deixar de fingir que a realidade não está aí, porque ela interpela-nos mais tarde ou mais cedo. Sabe-se agora que, desde 2010, o SIRESP terá colapsado em todas as urgências mais exigentes. Ouvem-se comandos da GNR e da PSP, a par do SEF, a bradar por mais recursos humanos e materiais para as missões. Autênticas nortadas que deviam empertigar quem ainda tem responsabilidades formais no setor, mas não. Reconhece-se a fragilidade, mas tarda a haver soluções concretas. A soporífera gestão corrente convive sempre bem com o adiar das opções, até que a área ardida em 2017, a meio da fase Charlie, seja a maior da última década ou o número de mortos nas estradas aumente. A exaltante verborreia do poder convive bem com um passado de crítica dos cortes cegos do anterior governo enquanto materializa as maiores cativações orçamentais desde 2009.
Suão desestabilizador na Autoeuropa Há muito apontada como um exemplo de estabilidade laboral e de esforço de convergência entre empregador e empregados, os recentes acontecimentos de agitação nas negociações dos acordos de empresa na Autoeuropa são um mau prenúncio num projeto empresarial que representa cerca de 1% do PIB nacional. Esperemos que mais não seja do que o reflexo da rota de aproximação às eleições autárquicas que, em demasiadas situações, coloca os interesses partidários e o preconceito ideológico acima do interesse geral.
Remoinhos contraditórios Não é apenas a realidade da Costa Vicentina, com menos gente e agitação de verão, que é contraditória com as narrativas generalizadas da euforia. Os indicadores são para todos os gostos. Os portugueses desempregados sem acesso a subsídio estão em máximo de 16 anos. Setenta e quatro por cento dos desempregados, que têm vindo a diminuir, não recebem qualquer subsídio. Desde 2003 que os bancos não concediam tão pouco crédito às empresas, mas o crédito ao consumo está em máximos de nove anos. O Estado cativou em 2016 o correspondente a 1,5% da sua despesa mas, no primeiro semestre de 2017, o valor contratado na aquisição de bens e serviços a privados foi o mais elevado desde 2010, num aumento de 25% quando comparado com idêntico período do ano anterior. O total do crédito malparado caiu em junho para o valor mais baixo desde o início de 2013, mas a dívida pública continua a aumentar. Na gestão pública como na vida, há quem julgue ser sustentável uma atitude descontinuada, em função de determinados objetivos, por picos de conveniência alheios às necessidades reais. Já correu mal em vários passados, é bom que não volte a ter as mesmas consequências.
Ventanias de ocasião As circunstâncias prenunciam a ocorrência de algumas rajadas fortes. Um horizonte com uma negociação orçamental pontuada por um ambiente político diferente, apenas cimentado pelas sondagens e pelo destino comum da governação, com eleições autárquicas em que as conveniências políticas da maioria de governo tiveram implicações nas opções políticas locais e com vários casos mal resolvidos na gestão governamental, é prenúncio de ventania, apesar dos ténues sopros da oposição, da convergência presidencial e do adensar do escrutínio dos media. Formalizadas as candidaturas autárquicas, fica claro que o Partido Socialista abdicou de concorrer aos 308 concelhos, abdicou de concorrer a muitas freguesias onde nunca faltou às populações e criou pousios políticos em territórios liderados por apoiantes da solução governativa. Nada disto servirá de desculpa para que, no atual quadro de euforia, com os estudos de opinião e os níveis de confiança registados, o PS não revalide, pelo menos, os atuais 150 concelhos por si liderados, a liderança da Associação Nacional de Municípios Portugueses e a liderança da Associação Nacional de Freguesias.
Minitornado É deplorável o ambiente de chafurdice que se instala em vésperas de eleições para as autarquias locais, com denúncias e pseudodenúncias, boatos e pseudoverdades, iniciativas de investigação judicial e pseudoapuramentos da verdade, em muitas situações sem qualquer tipo de consequência além da publicação de uma notícia pré-eleitoral e do respetivo aproveitamento dos adversários. Quarenta e três anos de democracia já mereciam outro tipo de comportamento cívico, outra capacidade de triagem mediática do momento e outro sentido de maturidade da justiça. Mas é pedir demais. Se as situações são graves, são-no a todo o tempo e não apenas em véspera de eleições. É como uma lista de vencimentos dos médicos que foi tornada pública quando surgiram as ameaças de greve da classe para gerar na opinião pública o sentimento de “eles não têm razão de queixa”. É tudo tão previsível que até mete dó.
Mesmo na silly season, é evidente que se está a brincar com coisas sérias. Sérias para a sustentabilidade das opções, para a vida concreta das pessoas e para o futuro.
Escreve à quinta-feira