Há um par de anos, ao ler num blogue de mãe as queixas de uma progenitora divorciada sobre o facto de a filha ir passar 15 dias com o pai, de férias, senti que algo estava errado quando, mais do que o teor do post da própria, os comentários eram praticamente todos no sentido de “como é que deixas?”, “eu, se fosse a ti, proibia e pronto!” ou ainda “mas por que raio é que ele leva a tua filha assim, durante duas semanas?”.
Fiquei perplexo, apesar de estar habituado a quase tudo num país paradoxal que está a perder a noção das prioridades e do que é secundário, e cada vez mais incoerente, superficial e transformado, afinal, num reality show ou numa página de Facebook.
Acredito que para essa mãe (como para o pai da criança), a ausência da filha fosse dura e dolorosa. Nada de mais normal e saudável. Segundo entendi do que era escrito no blogue, a repartição do tempo beneficiava a mãe, num esquema (já serôdio em termos concetuais) de “para o pai, um fim de semana de 15 em 15 dias e uma quarta-feira na outra semana”, mas (talvez por isso) ela deixava percetível que não iria “aguentar”. Ela, mãe. Da criança, pouco ou nada se falava. Para o outro progenitor, ou falando mais em calão, do “cobridor”, nem um pensamento, quanto mais uma palavra.
Compreendo os desabafos de uma mulher que tem sentimentos e que resolve – bem ou mal, quem sou eu para julgar publicamente a exposição da intimidade sentimental num espaço onde podem aceder sete mil milhões de pessoas… – partilhá-los com a blogosfera e… até comigo, que “nunca a vi mais gorda” – mas posso dizer o que penso e aqui está, preto no branco, sem cerimónias!
Sei que é difícil a gestão das férias quando o casal está divorciado e a criança fica duas semanas (ou mais) com um e com o outro. Mas o que me chocou neste caso foi a ideia de que, para a blogger e para as comentaristas, o interesse da criança era algo secundário porque se sobrepunha o direito da mãe a estar com a criança. E o do pai? Por acaso, esta criança até o tinha, ou seja, não era daqueles que dizem “adeus!” e vão com a maré, só mandando “postais” no dia do aniversário.
Acredito que, para a mãe, habituada a ter o filho num esquema que – não sei as razões, e até as pode haver, mas a minha opinião geral não muda – é obsoleto, antiquado e não responde às necessidades da criança, fosse difícil aguentar 15 dias de ausência.
A legislação atual, que veio estabelecer novos conceitos, em 2008, com um salto qualitativo bem grande, afirma claramente que a criança tem dois progenitores e que a história de que as mães são mais importantes do que os pais (ou vice-versa) é, desculpem a crueza das palavras, uma grande treta. Sim, repitamos, para não haver dúvidas: uma treta! Mesmo que agarrada à história da amamentação e outros sofismas, é, repito e “trepito” se for caso disso, uma treta!
Desde sempre, as crianças precisam de pai e de mãe, de um modo efetivo e afetivo, designadamente nas férias, em que a relação entre pais e filhos pode ser mais livre, mais autêntica e mais solidária.
Há ainda juízes e procuradores que consideram que “os pais apenas os fazem e as mães é que os aturam”. Não é por ser homem que considero esta visão das coisas absolutamente dantesca, cientificamente errada e socialmente inaceitável. A justiça portuguesa, apesar dos avanços e da legislação de 2008, ainda está, no quotidiano, muito “injusta”, para não usar termos mais fortes.
Os pais, pelo menos muitos deles – a maioria, apostaria –, são pais de corpo inteiro, dadivosos, amam os filhos, sacrificam-se por eles, levantam-se durante a noite para os acalmar quando de um sonho mau, adormecem-nos contando histórias, dão mimo, estimulam o crescimento, afligem-se quando adoecem, estão presentes nas consultas, desde as ecografias pré-parto até à vigilância da saúde infantil. Não são os pais dos anos 70 e 80, que se estavam, desculpem o vernáculo, marimbando para os filhos e só os queriam ver quando o rei fazia anos, ou os ameaçavam de colocar num colégio interno se tivessem de ficar com eles.
Sendo claro que pais e mães têm ambos direitos e deveres iguais perante os filhos, é ainda mais claro que as crianças têm o direito de ter um pai e uma mãe e de estar com eles.
É conveniente, pois, que pais e mães se entendam, ultrapassem as suas angústias, lambam as feridas, não transportem para a criança as suas inseguranças e assumam que os filhos serão tanto mais felizes quanto mais os pais se entenderem.
Quanto ao resto, é altura de acabar com visões dicotómicas, maniqueístas ou que conduzem a um descarte de um dos progenitores, numa verdadeira alienação parental. Salvo casos extremos, do foro da justiça ou por desinteresse de um pai ou de uma mãe, que também as há desleixadas e narcísicas, as crianças merecem viver em responsabilidade parental conjunta e residência partilhada, incluindo nas férias.
Quando é que nos assumiremos como um país evoluído e democrático e viveremos num verdadeiro Estado de direito? A justiça, como pilar principal desse Estado, deveria dar o exemplo. Meritíssimos: não assobiem para o ar. Sabem, tão bem como eu, que muitas vezes decidem pensando em vós próprios, nos pais e mães que são e que foram, e não no superior interesse da criança que está no vosso tribunal. Chega de ilusões e malabarismos. Porventura irão para casa descansados e com a sensação de “ufa, o dia terminou”. Mas as sequelas ficam, e quem teve de aceitar (sem apelo nem agravo) as vossas decisões irá passar as passas do Algarve… pois. Ide a banhos para o Algarve, que o tempo é bom e a água do mar “calientita”. As crianças que se…
Pediatra
Escreve à terça-feira