27/03/2023
 
 
Cecília Meireles. “Houve um momento em que o CDS governou contra as suas convicções”

Cecília Meireles. “Houve um momento em que o CDS governou contra as suas convicções”

Miguel Silva Sebastião Bugalho 31/10/2016 16:12

Para Cecília Meireles, governação do PS está a desperdiçar uma oportunidade histórica

Há quase vinte anos no CDS, critica a hiper-regulamentação da União Europeia e diz que o Bloco de Esquerda “tem alergia à palavra empreendedorismo”.

Há pouco tempo Adolfo Mesquita Nunes dizia que a Cecília é o quadro mais bem preparado da vossa geração.

O CDS tem muito bons quadros, é verdade. Essa nova geração tem a particularidade de ter pessoas que estão no CDS desde muito jovens mas também gente que chegou há pouco tempo. 

Como a própria presidente…

Sim, é a prova do que o CDS tem de melhor: há um processo de continuidade e ao mesmo tempo uma abertura. Que estamos cá para resolver o presente - o que interessa é o que podemos fazer pelo país, mais do que fazer contas sobre o que está há mais ou menos tempo. Isso é o que nos une. 

Pacheco Pereira há pouco tempo dizia que são um partido com quadros mas sem muito eleitorado. Assunção Cristas assumiu desde o início que queria ir a eleições sem o PSD. Isso não pode garantir menos lugares do que em 2015, quando foram coligados? 

Tenho confiança que as coisas vão correr bem. A regra num partido é ir a votos sozinho. Quando o CDS assim o fez não correu nada mal. 

E agora será assim?

Cabe a cada partido da oposição mostrar as suas propostas e as suas ideias e com humildade submetê-las a votos. O CDS tem feito um bom trabalho e não deve ter qualquer medo de ir a votos sozinho. 

E a boa relação com o PSD mantém-se?

É preciso não confundir as coisas. Nós somos oposição ao PS e aos partidos que apoiam o governo do PS; não ao PSD. 

Gostou de trabalhar com eles em governo, portanto.

Mais do que gostar de trabalhar com eles, o importante é olhar para trás e perceber que prestámos um serviço juntos naquela circunstância tão difícil que Portugal estava a passar. Claro que do ponto de vista do caminho que Portugal deve seguir nós temos diferenças, e até grandes, mas nas questões essenciais estamos muito mais próximos do PSD que do PS. Então agora…

E também tem esse otimismo eleitoral para as autárquicas? 

Sim. A candidatura a Lisboa foi uma iniciativa arrojada, mas também fruto de uma vontade real e legítima de Assunção Cristas ser presidente da Câmara em Lisboa. 

Mas quando apresentou a candidatura foi à presidência da Câmara. Agora fala-se em ficar como vereadora. Não fica menos protegida?

Acho que as análises quando são demasiado políticas se afastam da realidade. Sempre vi na presidente do partido uma vontade de intervir em Lisboa, de pensar a cidade. Sempre a ouvi falar do que não estava bem e podia ser melhorado. Se ela tem essas ideias, porque não havia de candidatar-se? É uma candidatura que parte daquilo que é mais genuíno em política: o serviço público. 

Acha mesmo possível que a candidatura a Lisboa sirva de espelho para o que podem fazer no país?

É evidente. Ser presidente de câmara não é incompatível com ser presidente de um partido. Bem pelo contrário. Às vezes faz-se muita análise política e esquece-se de ir ao centro das coisas. Ela cresceu em Lisboa e sente Lisboa. Isso é o verdadeiro motivo. 

Acha que foi consensual a ideia dentro do CDS?

Acho que teve um largo apoio dentro do partido. Foi visto como um ato de determinação e exemplo. 

Há pouco, falávamos dos tempos difíceis que o país passou. Como vê o relatório da Fundação Francisco Manuel dos Santos sobre os índices de pobreza tão preocupantes durante o período de assistência? 

Ainda bem que chamou à atenção para isso, até porque creio que esses dados dizem especificamente respeito ao período de 2009 a 2014. Não é por acaso que os países fazem tantos esforços para evitar ajustamentos como aquele. A pré-bancarrota tem consequências muito gravosas para a população. É evidente que nessas situações aqueles que já estão em situação mais frágil é quem acaba mais afetado, daí ser tão importante não se voltar a cair aí. E é também preciso lembrar que se criaram mecanismo de suporte, através das IPSS’s, da manutenção de aumentos para as pensões mínimas e mais baixas. 

Quando olha para o relatório não sente que podiam ter feito mais?

Sinto sempre que é possível fazer mais para proteger os mais necessitados e isso faz parte da consciência social. 

E não foi feito porquê?

Naquele contexto e dentro dos espartilhos que tínhamos podemos sempre achar que era possível fazermos mais ou diferente. No caso concreto, foi feita muita coisa e houve um grande esforço. Olhar com os olhos do presente para o que se fez no passado é sempre mais fácil.  Qualquer pessoa que lhe diga que pensava exatamente o mesmo antes do período de ajustamento do que o que pensa agora é porque viveu um bocadinho alheada. Esse estudo também tem uma parte interessante sobre as medidas que atenuaram - e atenuaram bastante - os efeitos de desigualdade e pobreza que se estavam a sentir. Não conseguiram foi aniquilá-los, infelizmente. 

Não partilha da tese que a consciência social do CDS foi travada pelo pragmatismo do PSD?

Os partidos tem as suas diferenças. O CDS como partido democrata-cristão tem uma consciência social preocupada, naturalmente. Mas tenho que dizer com justiça que aí houve uma ação não só das instituições europeias como do FMI, cujas preocupações não eram exatamente as de pendor social…

Perdemos soberania?

Durante aquele período perdemos muita soberania. Muitas vezes dizíamos que preferíamos uma medida a outra e não aceitavam. Foi assim quando dissemos que preferíamos uma medida de combate à fraude e à evasão fiscal. Achavam que não se conseguia contabilizar receita por aí.

E hoje acha que podemos? Essa é uma medida que também estava no programa do PS…

Este governo já não está em condições de ter que provar isso. E a verdade é que as metas das medidas de combate à fraude foram cumpridas com o nosso governo. Gerou a receita que achavam que não ia gerar. Conhecer o país ajuda e esse foi um dos maiores problemas de ajustamento. Muitas vezes quem desenha estes programas não conhece bem a realidade e as mesmas medidas aplicadas em países diferentes produzem efeitos completamente diferentes. Fiz essa crítica quando eles ainda cá estavam. A presidente do FMI dizia uma coisa oposta ao que os seus técnicos estavam cá a fazer ao mesmo tempo. A flexibilidade era muito pouca. Às vezes era muito frustrante. 

Acha que os erros são a razão de ainda se falar tanto deste período?

Acho normal. Não há plenário da Assembleia da República em que não se discuta esse período. Faz parte da dialética política e da dificuldade tanta que os portugueses sentiram. O que me incomoda é falarmos tanto disso e falemos tão pouco de como o evitar. Não estamos a virar a página.

Não se está a tentar evitá-lo?

Não. Estão simplesmente a dizer ‘isto foi muito mau’ e a tratá-lo como se tivesse sido um desastre natural. No sentido em que não foi responsabilidade de ninguém. Não devíamos ver isso assim. Mesmo pessoas como eu, que veem algumas intervenções das entidades externas como criticáveis, deviam fazer o possível para não nos voltarmos a pôr na dependência delas. O governo que critica tanto os credores não faz por eles não voltarem.

Mas se fizermos para que eles não voltem e não criticarmos o suficiente para eles mudarem, não serve de muito…

Com certeza. Lembro-me da atuação do eurodeputado Nuno Melo quando se discutiu no Parlamento Europeu a suspensão de fundos a Portugal. Aquilo representa exatamente o que o CDS acha disso. Aquilo é o que tem que ser dito e o que tem de ser feito. Mas é muito mais fácil fazer aquilo agora do que no tempo de ajustamento. 

E o governo tem capacidade para ter esse tipo de intervenção tendo em conta o seu apoio por parte de partidos eurocéticos?

As mensagens são um tanto erráticas. Tanto se passa uma mensagem de cumprimento como se fala em reestruturar a dívida. É um bocadinho difícil para o outro lado ver o que Portugal quer. Quando finalmente saímos do período de ajustamento, podíamos deixar essa discussão que é muito penosa para os portugueses. Devíamos parar de estar sempre a discutir a austeridade.

Mas a austeridade ainda está cá ou não?

Está, sob outro formato, mas está. Cativações, impostos indiretos e diretos. Há sempre alguns. 

Então como dar a volta?

Estamos perante uma política europeia com juros muito baixos. 

Que têm subido…

Sim, os juros estão a subir face aos juros de Espanha e Itália, por exemplo. Mas face ao que historicamente têm sido, os juros são baixos. Convinha aproveitar isso para preparar um futuro em que as coisas podem não ser assim. O Banco Central Europeu não vai ter esta política durante dez anos.

Não estamos preparados para isso?

Não estamos a fazer nada para preparar. Devíamos tomar medida para pôr a economia a mexer e a crescer. 

Por exemplo?

A proposta de crédito fiscal que o CDS apresentou esta semana é um exemplo. Mas não revogar uma reforma do IRC logo à partida é outro. Rasgou-se um pacto de regime que havia sido estabelecido com próprio PS. 

Acha que o imposto do património é um entrave a esse crescimento económico?

No sentido da incerteza que cria. Em todo o novo pacote fiscal, a ideia que fica é: algo na economia que esteja a correr bem, algum empreendedor que tenha sucesso, têm de ver a sua tributação aumentada. Isso não produz uma sociedade dinâmica e com mobilidade social. Produz o contrário. 

Está a defender uma liberalização da economia. 

Não. Estou a defender a não penalização da economia que corre bem. Não há nada de errado em ter uma ideia e montar um negócio.

Este governo é hostil para com esse empreendedorismo?

Este governo não aprecia esse tipo de empreendedorismo. É apoiado por um partido como o Bloco de Esquerda que, não sei porquê, tem uma alergia ao empreendedorismo. 

É um problema ideológico?

É, mas também prático. Há duas maneiras clássicas de aumentar a receita do Estado: uma é aumentar os impostos, outra é a economia crescer mais. Se formos mais pelo crescimento da economia conseguimos ter políticas sociais sem estar sempre a discutir impostos.

Mas para o eleitor não é paradoxal a direita ser contra este aumento dos impostos quando o governo da coligação também os aumentou?

Percebo isso perfeitamente. De facto houve um momento em que o CDS disse que estava a governar contra as suas convicções. Esteve. Muitos desses eleitores terão compreendido o que aconteceu e se olharmos para os resultados eleitorais percebemos isso. Foi uma situação de emergência, não foi uma questão ideológica ou vontade. Oiço muito críticas a esse aumento de impostos de pessoas que fazem muito pouco para o reverter. Quando ele foi feito era como se não houvesse um memorando, como se o tivéssemos feito por maldade, mas o facto é que ele continua em vigor e nenhum dos partidos que o criticou fala em revogá-lo agora. 

Eu perguntava pelo eleitor, não pelos outros partidos.

Para o eleitor eu percebo perfeitamente. Os anos foram extraordinariamente difíceis. Também tenho família. A minha mãe e o meu avô tiveram as reformas cortadas, sei o quão a vida deles mudou e o quão isto foi penoso para as pessoas. 

Acha que este governo não faz o suficiente para que não volte a acontecer?

O CDS é vigoroso na crítica mas também construtivo. O crescimento económico desapareceu da agenda política. As reposições não deram em crescimento. O governo diz ‘isto não funciona e vamos voltar às exportações’, mas as políticas continuam as mesmas. No Orçamento anterior, eu vi uma lógica e discordei dela. Neste Orçamento, só vejo manterem o que é necessário para o Bloco e o PCP apoiarem e o PS continuar no poder. É uma das maiores oportunidades que já perdemos. 

Este governo mostra uma preferência pelos impostos indiretos.

Sim, são uma espécie de anestesia. É um efeito estudado nos livros. Quando as pessoas pagam mais um bocadinho em cada coisa têm menos perceção do que estão a pagar em impostos e até podem estar a pagar mais. São também impostos mais injustos na medida em que são regressivos. No nosso salário pagamos de acordo com aquilo que recebemos, no IMI de acordo com aquilo que temos. No supermercado, não é assim. A comida pode ter um IVA reduzido, mas bens como a pasta de dentes tem IVA a 23% e não é exatamente um bem de luxo. Não vamos deixar de levar os dentes (risos). Quando aumentámos o imposto do gás e da eletricidade foi uma medida muito difícil, mas este governo não o reduz. Qual é a justiça social de reduzir o IVA da restauração em vez deste? 

Faria mais sentido do ponto de vista da justiça social?

Porque é um imposto a que as pessoas não podem fugir. Podem poupar, mas não podem fugir. 

As propostas que o partido apresentou a semana passada vão de encontro a essa justiça social?

Não só. Os partidos pagarem IMI tem a ver com o modo como os partidos se relacionam com a sociedade. A gestão florestal tem a ver com a prevenção para os incêndios. Há propostas viradas para a economia e que não custam dinheiro. Muitas vezes fazer a economia crescer não tem a ver com subsídios do Estado nem com incentivos fiscais. É importante simplificar a atividade económica. 

O governo atual fez uma volta pelo país inteiro em busca de propostas nesse sentido.

Em busca de sugestões em linhas gerais. Tem algumas propostas com que concordo, outras com que não concordo, outras que não são novidade e aparecem como sendo. São sobretudo propostas para a relação do cidadão com o Estado, o que sendo sensato e importante, não é tão difícil quanto a simplificação da atividade económica ao nível da regulamentação ambiental, de trabalho, etc. 

E essas propostas no atual contexto parlamentar?

Depende do nosso trabalho e das condições para passar, coisa que não cabe muito a mim falar. As propostas têm um caminho a fazer e se não passarem desta vez e forem justas hão de passar. Quando o CDS começou a falar de agricultura, fomos gozados porque era um setor que não tinha lugar no Portugal moderno. Hoje em dia, não vejo ninguém que se atreva a negar o importantíssimo papel da agricultura na economia portuguesa. As ideias fazem caminhos e os primeiros passos são difíceis. 

Fazer política também é isso?

Eu sou do Porto mas cresci no Vale do Ave. Nessa altura também se dizia que o têxtil e o calçado iam deixar de existir, hoje em dia já ninguém diz isso. Lutar pelas ideias é importante, mesmo com alguma solidão.

Há pouco dizia que o PS está bem longe da matriz comum à oposição. Acha que estão longe demais para se voltarem a aproximar?

O PS neste momento tem várias correntes e o que parece estar a fazer na Assembleia é seguir um caminho de radicalismo, muitas vezes simbólico.

Por exemplo?

O novo impostos sobre o património. Tivemos um mês de debate sobre o imposto e sabe-se lá quantas casas não foram vendidas por causa dele.

Acha que muitas pessoas não venderam a casa só por se falar nesse imposto?

Qualquer pessoa sensata esperaria para ver o que sai dali (risos). Acabamos com uma declaração ideológica que praticamente só trouxe problemas. Por causa de uma ideia radical da esquerda sobre justiça acabamos com algo incoerente. Quem tem dificuldade em pagar o seu IMI ainda tem que pagar mais imposto?

É injusto?

É uma coisa feita à pressão e com muita falta de noção. Acabou a ser em muitos casos benéfico para entidades offshore. Não tem lógica. Podíamos discutir o imposto ideologicamente, mas na prática ele não tem mesmo sentido. 

Vê o PS muito pressionado?

Acha que o PS cede em matérias simbólicas para depois ter o aval destes partidos no essencial. Dizem que são contra a Europa mas quando chega a hora de votar nas opções para cumprir as regras europeias e o Tratado Orçamental votam que sim. 

E a visão europeia do CDS? 

Não faz sentido sair do projeto europeu ou da moeda única. Quem o propõe devia explicar muito bem o que isso significa. 

Ficaríamos mais pobres?

Todas as soluções têm vantagens e desvantagens. Esta solução teria mais desvantagens. Portugal dentro da Europa deve ter duas posições: somos um país que precisou de ajuda mas cumpriu com os critérios dessa ajuda, logo, temos deveres mas também temos direitos e deve ser tratado em pé de igualdade com os outros. Devemos dizê-lo e exigi-lo. A Europa tem que perceber que o tratamento entre países tem que ser igualitário. Não faz sentido aplicar sanções a Portugal. 

Que contributo devemos dar?

Razoavelmente. Descentrar a Europa exclusivamente das questões financeiras e regulamentares. Esta é uma opinião pessoal: cada vez mais há uma hiper-regulamentação da atividade económica. 

Está a dizer que é uma Europa muito estatista?

Não. Estou a dizer que é uma Europa que entra demasiado em setores que não devia entrar. É uma questão diferente de estarmos numa moeda única e não poderem haver défices díspares. Aí, têm que haver regras.

O superavite alemão não implica uma disparidade igualmente prejudicial à Zona Euro? 

Digo o mesmo que já disse. As regras quando existem têm que ser cumpridas por todos, incluindo a Alemanha. 

Se “não há segundo resgate” e temos hoje um escrutínio muito mais acentuado por parte de Bruxelas, como é que se regressa ao poder?

Essa conversa de Portugal viver entre haver ou não segundo resgate não tem sentido. Eu quero muito mais para Portugal. Nós podemos ser muitíssimo mais que isso. Não temos que nos conformar com estar na linha de trás. Eu não me conformo. 

Não vai haver eleições, então?

Eu vejo estabilidade com algumas encenações cíclicas. Percebe-se que já está tudo combinado. Não me parece que vá haver eleições para perto. Veremos. 

Ler Mais

Os comentários estão desactivados.


Especiais em Destaque

iOnline
×

Pesquise no i

×
 


Ver capa em alta resolução

iOnline