
Ministro tinha antecipado sinais de recuperação para a execução de setembro. Dívida baixou dois milhões
“Já em setembro serão visíveis os esforços enormes de pagamentos adicionais e recuperação do que está a ser feito.” A garantia foi dada a 27 de setembro pelo ministro da Saúde Adalberto Campos Fernandes no parlamento numa audição sobre o aumento dos pagamentos em atraso nos hospitais do Serviço Nacional de Saúde – que cresceram 50% desde o início do ano. Os dados da execução orçamental de setembro confirmam a nota de melhoria, mas ainda não parecem refletir enormes esforços: os pagamentos em atraso nos hospitais diminuíram quando desde o início do ano têm estado a crescer a um ritmo médio de 20 milhões de euros/mês. Mas a descida foi de apenas dois milhões face a agosto, isto quando o ministro tem insistido que o objetivo é terminar o ano com um cenário igual ou melhor do que o final de 2015. Em setembro, os pagamentos em atraso dos hospitais totalizavam ainda 711 milhões de euros, o que significa que as instituições têm de liquidar 260 milhões nestes três meses para ficar no patamar dos 451 milhões, o stock de faturas vencidas há mais de 90 dias que se verificava no fim do ano passado.
Como? No último mês o ministro da Saúde foi duas vezes ao parlamento para dar explicações na comissão da saúde sobre dificuldades financeiras do SNS.
A primeira audição, a 27 de setembro, foi requerida pelo CDS por causa do aumento dos pagamentos em atraso.
Nesta audição, o ministro lembrou as responsabilidades do governo anterior na trajetória das contas: quando foi preparado o orçamento deste ano, as contas de Paulo Macedo apontavam para um défice de 279 milhões de euros no SNS em 2015, bastante acima dos -30 milhões projetados inicialmente. Mas o fecho das contas revelaria um buraco ainda maior, de -372 milhões. “As dívidas só acontecem porque acontecem défices”, ironizou Adalberto Campos Fernandes, lembrando uma das máximas do seu antecessor.
Ressalvando que o aumento das despesas resulta este ano do reforço do capital humano no SNS e que existe margem para poupança mas também um problema de sub-orçamentação, Campos Fernandes não chegou a revelar na audição de setembro um plano concreto para reduzir as dívidas até ao fim do ano.
O que leva à segunda audição. A 28 de setembro, um dia depois da ida ao parlamento, o ministério emitiu um despacho que obriga todas as instituições do SNS a submeter qualquer investimento, mesmo a reposição de ‘stocks’ de medicamentos, à autorização da tutela para que seja garantido o cumprimento dos objetivos no orçamento para este ano. A notícia sobre este despacho, destinado a controlar as contas e nunca referido na audição sobre esse tópico no dia anterior, motivou a segunda chamada ao parlamento, que aconteceu na semana passada. O ministro rejeitou qualquer condicionamento da atividade dos hospitais e falou de uma “orientação prudencial”, mas não revelou se existe ‘plafond’ de investimentos a autorizar.
E ao mesmo tempo que tornou a insistir que tudo está a ser feito para que os prazos de pagamento no final do ano estejam melhores ou pelo menos iguais a 2015, não foram anunciadas medidas concretas para esse fim. Ontem, perante os dados da execução orçamental, o i procurou esclarecimentos da tutela, mas não foi possível obter uma resposta até à hora de fecho.
Se do lado dos pagamentos em atraso se aguarda para saber se as dívidas ficarão ou não controladas, do lado do saldo do SNS é mais claro que o objetivo de terminar o ano com um défice de -179 milhões pode ser alcançado. Segundo Campos Fernandes este será um valor histórico.
Em setembro, o saldo do SNS – ou seja as receitas menos as despesas, excluindo os pagamentos em atraso que são contabilizados como dívida – totalizou 111,2 milhões de euros negativos, uma melhoria de 42,3 milhões de euros face ao mesmo mês do ano passado.
Nesta última ida ao parlamento, o ministro já tinha revelado que os dados da execução trariam boas notícias e que apenas num mês (agosto), os resultados foram piores do que em 2015. Tirando, então, a subida da dívida ao longo do ano, o reforço das receitas provenientes dos jogos sociais e uma poupança de 10,4% com produtos farmacêuticos contribuem para o equilibrar de contas. Isto num ano em que centros de saúde e hospitais estão a gastar mais 5% em pessoal. Mesmo que o défice deste ano venha a dar menos dívida no futuro, o governo anterior tinha outros chavões quando falava desta ginástica financeira crónica: dívidas são impostos futuros.
Três perguntas ao economista Pedro Pita Barros, da Nova School of Business and Economics
A redução da dívida em dois milhões de euros em setembro é bom sinal?
É melhor sinal do que se tivesse aumentado, mas não é sinal suficiente para se poder falar numa inversão de tendência. Já houve outros meses de quase estabilização da dívida e depois voltou a crescer.
É expectável que a meta do governo até ao final do ano venha a ser cumprida?
Não. O esforço exigido será grande e requere uma redução da dívida a um ritmo bem mais elevado do que esta redução de 2 milhões de euros.
O orçamento para 2017 permite pensar num ano mais folgado ou, estando previsto um aumento das despesas com pessoal de 220 milhões, será mais do mesmo?
Com a informação que tenho disponível neste momento (que é sempre menor que a do Ministério da Saúde), tudo aponta para que seja “mais do mesmo”. Será bom sinal se eu vier a estar enganado.