A questão dos animais
As entrevistas de André Silva mostraram uma pessoa um pouco nervosa e tímida com a atenção que lhe estão a dar, o que cria empatia e interesse.
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A eleição de um deputado do PAN, o Partido Pessoas-Animais-Natureza, André Silva, foi inesperada. Nem as sondagens vagamente previram que tal pudesse acontecer. As entrevistas de André Silva a Ricardo Araújo Pereira, na TVI, ao i e ao Observador mostraram uma pessoa um pouco nervosa e tímida com a atenção que lhe estão a dar, o que cria empatia e interesse.
A reacção à presença da cadela de Ricardo Araújo Pereira, que cumprimentou com uma festa vigorosa e alegre, fez-me pensar na necessidade de termos activistas dos direitos dos animais que não pareçam loucos varridos que desistiram dos seres humanos e que se viraram para cães e gatos porque não são capazes de comunicar com ninguém.
Fiquei agradavelmente surpreendida com a atitude saudável de André Silva nas entrevistas, o que significa que, na verdade, apesar de defender o mesmo do que o PAN no que respeita aos direitos dos animais, tenho uma opinião pouco favorável no que respeita aos activistas da causa que considero ser necessária e nobre. Somos todos feitos de contradições. Ou há pessoas mais interessadas em fazer amigos do que eu.
A importância de ter uma pessoa com uma atitude saudável relativamente ao que defende é essencial, sobretudo quando se fala de “pessoas não humanas”.
Há um ano, o estatuto era concedido aos golfinhos na Índia, que assim viu proibidos os espectáculos com golfinhos de que as crianças costumam gostar e que sempre me pareceram tristes. Não deixa de ser intrigante que um país em que mulheres são abusadas, violadas, casadas à força e mortas sem parecer haver consequências para os agressores, se preocupe com questões como as de “deixar os animais em paz e não os torturar nem matar com sofrimento”.
Nenhum activista sério dos direitos dos animais pode aceitar esta diferença de tratamento e por isso gostei muito de ouvir André Silva numa entrevista ao Observador a fazer uma relação que pode parecer estranha e talvez soe como uma vaga ofensa, mas que faz sentido.
Disse o deputado do PAN que os subsídios estatais para as touradas, cuja abolição defende – e que, apesar da dificuldade, deveria ser uma prioridade, mais do que o uso de animais em circos –, deveriam ser canalizados para gabinetes de apoio às vítimas de violência doméstica.
A relação entre os direitos dos animais e os direitos das mulheres não é fácil de explicar e pode chocar pessoas pouco atentas à maneira como as mulheres têm sido descritas ao longo da História. Persiste ainda hoje a expectativa de que não falem e aceitem a condição imposta de serem criaturas “sem alma”, “de mente estúpida”; como se fossem animais. A comparação parece insultuosa para as mulheres, mas reflecte apenas o que durante milhares de anos se pensou e disse sobre elas. E que gente como Donald Trump repete em público.
A eleição de André Silva é uma boa notícia e é um óptimo sinal que o PAN ocupe um lugar no parlamento ao centro, entre o PSD e o PS. É assim mesmo.
Escreve à segunda-feira