Chegou o canal para todos os portugueses
O novo canal de televisão para cães promete uma programação alternativa à crise na Grécia, e uma forma de nos libertar do consumo recorde de ansiolíticos.
“O meu cão toma ansiolíticos. A DOGTV pode ser um bom substituto?” faz parte da lista das perguntas mais frequentes no site do canal. Diz a resposta: “A DOGTV é pensada para providenciar aos cães conteúdos estimulantes e relaxantes com o objectivo de lhes melhorar a vida e reduzir o seu nível de stresse e ansiedade quando estão em casa sozinhos. Contudo, deve consultar o veterinário antes de parar ou alterar a medicação prescrita.”
Num país onde o consumo de antidepressivos e companhia não pára de aumentar, contagiando pelos vistos os pobres animais domésticos, e a programação da televisão humana revela uma esquizofrenia total em redor do caso da Grécia, a notícia de que a partir de dia 23 de Julho nos podemos sentar em frente da DOGTV 24 horas por dia, sete dias por semana, é digna de primeira página.
Os criadores deste canal souberam estudar a saúde mental de um mundo onde os pobres cães são obrigados a comportamentos humanos para satisfazer as carências emocionais dos seus donos, que não hesitam, entre outras coisas, em fechá-los em casas pequenas de mais para o seu porte, imaginando que são pessoas (sob o eufemismo de “melhores amigos”), a quem servem hábitos que, já agora, não contribuem para a saúde e a felicidade nem de uns nem de outros.
E animais obrigados contra a sua natureza a ser “humanos” ficam doentes, como lhe dirá qualquer veterinário honesto e com dois dedos de testa. Sofrem, pelos vistos, de depressão, ansiedade de separação (que alegria inconfessada sentirão os donos quando o animal gane desesperado ao vê-los partir para o trabalho, deixando-o com a sensação de que é indispensável a alguém!), e outras perturbações que tais, a serem medicadas sem o “consentimento informado” de quem é sujeito aos seus efeitos.
Nada que a DOGTV não cure. Alegando “estudos científicos”, e anos de investigação, propõem programas em ciclos de relaxamento, estimulação e “conteúdos que põem o cão em contacto com a rua” (a rua, imagine-se!), também com a função didáctica de “reforçar os comportamentos positivos”. As imagens dos cães deitados em sofás, a contemplar a programação que corre no iPad que o dono lhes emprestou, convencem-nos de que o animal, ou devo dizer antes, o melhor amigo, está a aprender a ir procurar a bola com mais rapidez, e a somar ossos – não, ossos não, quadradinhos de ração.
Bem, mas o que importam são os resultados, e a DOGTV, embora ressalvando que cada cão é um cão, e a reacção aos programas pode variar muito conforme raça, peso e idade do animal, garante que os seus serviços tornarão o seu filho, ai desculpe, o seu cão, uma criatura “mais confiante, feliz, com menos probabilidades de desenvolver stresse, ansiedade de separação e outros problemas relacionados”. E acima de tudo, dizem, ao assinar este canal faz “uma promessa aos nossos tão amados melhores amigos de que nunca mais se voltarão a sentir sozinhos”.
É claro que o problema não está na DOGTV, que não faz mais que aproveitar o enorme mercado que tem nos EUA e na Europa — em Portugal, são 1315 mil os lares com cães (34%, mas nem todos, felizmente, com cães e donos deprimidos). Mercado, aliás, que vem substituir o das crianças, que entre nós não chega aos 100 mil por ano, para tristeza, certamente, de canais como a BabyTV, que tem menos um milhão e tal de potenciais clientes.
Mas atenção, se tem um gato, e imaginava sentá-lo com umas fish and chips frente ao ecrã, desengane-se: a programação é para canídeos, e o pobre pode engasgar-se com as espinhas a ver tantos cães. Mas em breve haverá certamente uma CATTV; afinal são 657 mil os lares portugueses com gatos. E se tem periquitos e canários, não desanime: com 487 mil lares com pássaros (o dobro dos lares com crianças até aos 2 anos), em breve a BIRDTV dará à costa. Sinceramente, o mundo está um lugar perigoso!
Jornalista e escritora
Escreve ao sábado