02/06/2023
 
 
Francisco Lufinha Um vício chamado adrenalina
Fez parte do treino  passar 36 horas em cima de uma prancha

Francisco Lufinha Um vício chamado adrenalina

Fez parte do treino passar 36 horas em cima de uma prancha João Ferrand Raquel Carrilho 30/06/2015 20:19

Em 2013 bateu o recorde mundial ao ligar o Porto a Lagos, noAlgarve, em kitesurf. Mas como esse bicho da adrenalina não o deixa em paz, Francisco Lufinha quer quebrar o seu próprio recorde.

É de olhos postos no rio Tejo, ali do Cais das Colunas, que Francisco Lufinha deita contas aos dias, à espera do vento. É dali que irá partir para a maior aventura da sua vida, a Kitesurf Odissey, de Lisboa a Machico, local onde, em 1419, chegaram pela primeira vez navegadores, portugueses. No total, e se tudo correr bem, serão 40 horas e  mil quilómetros durante os quais o atleta de 31 anos estará em cima de uma prancha de kitesurf.

O local para a partida é simbólico, mas inusitado. Afinal é proibida a prática de kitesurf no rio Tejo. Até porque por ali raramente há o vento necessário para a prática da modalidade. “Era mil vezes mais fácil sair da Caparica. O vento ali vem da praça, é o que se chama vento sujo, tanto pode ser fortíssimo como logo a seguir não haver nada. Espero que as pessoas marquem presença para me ver partir, apesar de ter a certeza que vou cair logo no arranque.” Mas a verdade é que “fácil” é uma palavra que não consta do vocabulário de Francisco Lufinha. Basta ver que são precisos apenas os dedos de uma mão para contar os atletas que fazem o que ele faz: kitesurf oceânico.

A preparação deste projecto arrancou em Agosto do ano passado e desde dia 20 que Lufinha tem tudo pronto para partir, ultrapassados que estão os problemas com o barco de apoio - “cheguei a testar 15”.

Só falta o vento. “Agora não há nada a fazer sem ser esperar e olhar para as previsões, à espera de três dias de vento ao longo do percurso que vou fazer.” Enquanto vê os minutos, as horas e os dias passarem, a ansiedade vai crescendo. Vai ficando “enorme”, a roçar o “pânico”. Mas depois, quando arrancar, já só terá uma ideia em mente: bater o recorde mundial, que actualmente já lhe pertence, de 574 km em kite, desafio que venceu em 2013 ao ligar o Porto a Lagos, noAlgarve. E chegar à Madeira, onde, depois dos abraços e das celebrações, Lufinha será submetido a tratamentos de recuperação que envolvem banheiras cheias de cubos de gelo e massagens, mas que não evitarão que nos dias seguintes não consiga andar.

Para se preparar para esta odisseia, como o próprio lhe chama, Lufinha treina várias horas diariamente, logo a partir das 6h30. “De manhã faço uma hora de corrida ou de bicicleta estática, uma hora de natação, uma hora de exercícios de fortalecimento de pernas. À tarde, se houver vento, faço duas, quatro, seis horas de kitesurf. E depois ainda faço mais exercícios específicos para a estabilidade.” Como parte do treino esteve 36 horas em cima de uma prancha da piscina oceânica.

Mas por muito que treine nada será como, por exemplo, estar no meio do oceano em plena noite cerrada, iluminado por pouco mais que a lua. “É claro que à noite há mais medo, mas isso faz que haja mais adrenalina. Além disto, o sol cansa muito mais, por causa do calor e dos reflexos.” Ainda assim, é à noite que um dos grandes medos de Francisco Lufinha ganha proporções maiores: “O pior que pode acontecer são os contentores que caem dos navios, que, ao contrário do que as pessoas pensam, não vão ao fundo, flutuam. Se eu ou o barco de apoio batermos num contentor…”

No barco de apoio – que “não pode mesmo falhar, porque se falhar não sou só eu que corro risco, é toda a equipa” – seguem “um skipper, um coordenador de logística que também é skipper, um mecânico que também é skipper, um cirurgião, um fotógrafo e uma ou duas pessoas de vídeo”, com quem vai falando via rádio e a quem irá pedir que contem anedotas quando se sentir cansado. E seguem também 64 mini-refeições preparadas em vácuo, para que o atleta possa comer de 45 em 45 minutos, e água suficiente para que beba um litro e meio a cada duas horas.

“Não posso sequer chegar a sentir sede pois isso significa que os músculos já estão a desidratar e logo de seguida chegam as cãibras e acaba tudo.” E se está a questionar-se sobre como o atleta irá à casa de banho, é simples: Lufinha leva um fato desenvolvido especialmente por uma marca australiana para solucionar esses problemas. De resto, será Lufinha, o oceano, uma banda sonora a atirar para o épica que inclui clássicos comoVangelis, e muitas horas a rezar o terço e a falar com a avó, que já morreu. Tudo para ignorar o cansaço e as dores. E chegar à Madeira.

Os pais são os grandes responsáveis pelo amor ao mar. Afinal Lufinha tinha apenas 15 dias quando entrou num barco. Curiosamente, o percurso que agora quer fazer em kite, já o fez com os pais em barco à vela.

Aos 11 anos já fazia vela de competição. Daí passou para o windsurf e quando ouviu falar de kitesurf pela primeira vez passou um ano a juntar dinheiro – “200 contos!” - para comprar o primeiro kite. Seduziram-no o vento forte e a adrenalina, mas também a logística, bem mais simples que no windsurf. Não tardou que arrumasse o fato e a gravata que usava diariamente como consultor de engenharia, em que se licenciou, e hoje em dia o kitesurf já é a sua principal fonte de rendimento, juntamente com as palestras motivacionais.

Toda a sua vida gira em torno do mar e da adrenalina. Até as férias são passadas em barcos e facilmente abdica de uma jantarada com amigos pelo kitesurf. Talvez não seja assim tão difícil de entender se tivermos em conta que, para Lufinha, “o mar resolve tudo”. 

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