Há quem reserve este período para se divertir, assumir outras identidades, comer muito e beber ainda mais. Mas muitos não conhecem a sua origem. De onde vêm as tradições e de que forma se foram alterando com o passar do tempo? Afinal, quem inventou esta celebração e qual o objetivo? Existem várias teses sobre o assunto.
Associamo-lo ao Brasil. Aos grandes desfiles, aos fatos exuberantes, brilhantes e coloridos. Aos carros alegóricos megalómanos pensados e construídos ao detalhe. Associamo-lo, por isso, a festa, a música, calor e a felicidade. «A vida são dois dias e o Carnaval são três», ouvimos dizer. É comemorado por todo o mundo e de várias formas diferentes. Há quem o aguarde o ano inteiro e comece a prepará-lo com meses de antecedência – os fatos, as coreografias, os carros… Por outro lado, há quem não o suporte e revire os olhos só de pensar nesta altura do ano. Mas qual a sua origem? De que forma nasceu esta festividade e de que maneira se foi transformando? A verdade é que tanto a origem da festa, como a do nome é desconhecida e, desde sempre, gera alguma polémica já que existem várias teses sobre o assunto.
Tudo ao contrário
Há quem diga que remonta ao Antigo Egito, quando festejos pagãos «expulsavam» o inverno e celebravam o início da primavera, com homenagem às divindades na expectativa de boas colheitas.
De acordo com a revista Galileu, citando o investigador Jackson Raymundo, especialista no tema, os egípcios celebravam os chamados «cultos agrários», para festejar as boas colheitas e fazer adoração aos deuses. E práticas parecidas existiam na Grécia com as festas dionisíacas – em homenagem a Dionísio, deus do vinho – e no Império Romano, nas saturnálias – em tributo a Saturno. Há quem diga que foi quando Alexandre, o Grande, conquistou o Egito, que os gregos adotaram o festival. Não demorou muito para que os romanos também o fizessem, adaptando a festa para uma exaltação a Saturno, o deus da agricultura. Recorde-se que nas sociedades agrícolas da Antiguidade, o final do inverno e o início da primavera, que representava o começo de um novo ciclo agrícola, era um motivo de celebração.
O que elas tinham em comum? Todas elas eram uma celebração com exageros alimentares, consumo de bebidas e orgias. Além disso, escreve a mesma publicação, as pessoas tinham maior liberdade e esse momento era fortemente caracterizado pela inversão de classes e pela mistura delas. Durante as festas, diz-se que as escolas fechavam, as pessoas dançavam livremente e os escravos eram soltos.
Na Babilónia, por exemplo, existiam as Saceias, festividades que duravam onze dias e onde um escravo era posto no lugar do rei. Havia então uma troca temporária de papéis – o rei era tratado como escravo e vice-versa -, e a entrega aos prazeres físicos, dado que era permitido ao escravo deitar-se com as esposas do rei e provar de sua comida e bebida. Porém, no fim, o prisioneiro era torturado e depois enforcado ou empalado – inserção de uma estaca que atravessava o corpo do torturado, até à morte.
Outro ritual era realizado pelo rei no período próximo ao equinócio da primavera, um momento de comemoração do ano novo na Mesopotâmia: este ocorria no templo de Marduk (um dos primeiros deuses mesopotâmicos). Nesse período, o rei perdia o seu poder e era humilhado em frente da estátua de Marduk. Essa humilhação servia para mostrar a submissão do rei à divindade. Logo de seguida, voltava a assumir o trono.
O Carnaval e o Cristianismo
Segundo um artigo publicado pela Porto Editora, em 590 d. C. a religião católica decidiu incluir esta tradição pagã nas celebrações religiosas da Páscoa. Na verdade, a Igreja não as via com bons olhos, já que as pessoas se entregavam aos prazeres mundanos. Vários especialistas explicam que, nessa conceção do cristianismo, havia a crítica da «inversão das posições sociais»: para a Igreja, ao inverter os papéis de cada um na sociedade, invertia-se também a relação entre Deus e o demónio. Além disso, de acordo com vários historiadores, para a Igreja Católica, nesse período recorda-se o momento no qual Jesus esteve no deserto e foi «tentado pelo demónio».
A Igreja Católica procurou então alterar o significado das celebrações. Durante a Idade Média foi criada a Quaresma – período de 40 dias antes da Páscoa caracterizado pelo jejum (as pessoas deixavam de comer carne). Assim, os três dias antes de se iniciar a Quaresma passaram a ser conhecidos como «carnis levale» ou «carnem levare» que quer dizer «Abstenção de Carne». Há quem acredite que foi esta esta expressão latina que deu origem à palavra portuguesa «Carnaval». A Igreja pretendia, dessa forma, manter uma data para as pessoas cometerem os seus excessos, antes do período da severidade religiosa. Ou seja, de domingo a terça, tolerava-se quase tudo. Depois, voltava-se à normalidade da vida enquanto se preparava a celebração da Ressurreição do Senhor, a Páscoa.
Voltando atrás, nas comemorações romanas, existia algo parecido com os atuais carros alegóricos. Em formato de navio, estes levavam homens e mulheres nus em desfiles pelas ruas, e eram chamados de «carrum navalis», que significa «carro naval». Para outros investigadores, foi aí que nasceu a palavra «Carnaval».
Tal como acima referido, há quem defenda que esta tradição remonta ao festival egípcio “Navigium Isidis”, ou «a barca de Ísis», celebrado no Antigo Egito, em honra à deusa Ísis. No entanto, neste caso, tratava-se de um barco de verdade, que liderava o cortejo pelo rio Nilo, orando à deusa por proteção aos navegantes e ao povo como um todo.
A tradição de se mascarar
Acredita-se que a celebração da quaresma teve as suas primeiras experiências ainda no século IV. E, a partir do século XI, três dias antes de dar início à quaresma, eram realizados variados festejos, chamados de «dias gordos». Foi somente após o Renascimento Comercial e Urbano, que se processou no decurso do século XII, que passaram a ser organizados bailes de máscaras durante as celebrações do carnaval.
E porque é que nos mascaramos nestas celebrações? Desde o início da sua comemoração, no Carnaval, as pessoas podiam esconder ou trocar de identidade. Ao se inverterem os papéis das classes sociais e, já que era permitida a convivência entre ricos e pobres, usavam-se máscaras e roupas para ocultar a verdadeira identidade de quem as vestia. Muitas vezes, os servos faziam de senhores e os senhores faziam de criados. De acordo com o jornal digital Jornalíssimo, havia mesmo um ditado latino associado a estes dias: «Semel in anno licet insanire» – qualquer coisa como «Uma vez por ano é lícito perder o juízo».
Espalhar a festa
Claro que, com a expansão do Cristianismo, outras nações europeias acabaram por adotar a tradição e dar-lhe a roupagem que bem entenderam.
A história conta que, durante o Renascimento, nas cidades italianas, surgiu a commedia dell’arte, teatros improvisados cuja popularidade ocorreu até o século XVIII. Em Florença, por exemplo, foram criadas músicas para acompanhar os desfiles, que contavam ainda com carros decorados, os chamados «trionfo». Já em Roma e Veneza, os participantes usavam a «bauta» – uma capa com capuz negro que encobria ombros e cabeça, além de chapéus de três pontas e uma máscara branca.
No Brasil, estas comemorações iniciaram-se no período colonial. Uma das primeiras manifestações carnavalescas foi o «entrudo» que chegou ao Brasil juntamente com os portugueses, em 1641, à cidade do Rio de Janeiro [ver págs 18-19]. Este ficou caracterizado pela realização de brincadeiras em locais públicos ou privados, com destaque para lançar água, ovos e farinha sobre as pessoas. Além disso, as pessoas usavam as chamadas «bexigas de cera», feitas de sumo de limão: eram preenchidas com água ou com algum líquido malcheiroso. Com o tempo, os brasileiros transformaram o Carnaval à sua medida, sendo considerados, neste momento, os «reis» desta festa.