O abrandamento da economia europeia e as dificuldades que Portugal enfrentou devido à elevada dependência do crédito e ao elevado peso da dívida pública são das principais consequências da subida das taxas de juro por parte do Banco Central Europeu (BCE) que, em julho de 2022, tomou esta decisão de aumento, após 11 anos de estabilidade, de acordo com os economistas contactados pelo Nascer do SOL. Esta quinta-feira voltou a anunciar uma descida dos juros, seguindo a tendência dos últimos meses.
Para Paulo Monteiro Rosa, apesar das medidas prudentes para controlar a inflação, os custos económicos para setores vulneráveis, como famílias com crédito à habitação e pequenas empresas, tiveram impactos notórios. «As famílias com créditos à habitação indexados à Euribor foram das mais penalizadas, enfrentando um aumento expressivo nas prestações mensais», aponta ao nosso jornal.
Mas, por outro lado, lembra que «as contas públicas portuguesas beneficiaram com a inflação, uma vez que o PIB nominal aumentou de forma específica, diminuindo o peso relativo da dívida pública. Além disso, as taxas de juro elevadas para atingir a estabilidade dos preços, um objetivo central das políticas do BCE, surtiram efeito, estando a inflação controlada atualmente».
Também o analista da XTB, Henrique Tomé, refere que neste momento todas as economias da zona euro estão a abrandar o seu ritmo de crescimento, o que no seu entender, «já seria expectável», incluindo a economia portuguesa também. «Empresas e famílias recorrem ao crédito para fazer face às suas necessidades de consumo/investimento. Assim, o aumento das taxas de juro reduziu o rendimento disponível das famílias e baixou o lucro das empresas», afirma ao Nascer do SOL.
E apresenta números: cerca de 90% dos contratos de crédito à habitação tinham taxa variável e Portugal tem uma percentagem de famílias com casas hipotecadas superior à média europeia. Enquanto na União Europeia cerca de 17% das casas estão hipotecadas, em Portugal essa percentagem é de 32%, o que aumenta a exposição das famílias ao aumento das taxas de juro.
Ainda assim, Tomé chama a atenção para o facto de Portugal ter apresentado um melhor desempenho do que os pares europeus, «sendo que a nossa economia conseguiu desenvolver-se a curto prazo, amenizando uma parte desse impacto».
Resposta suficiente?
A decisão da subida de juros tinha como resposta reduzir a taxa de inflação e os economistas ouvidos pelo nosso jornal afirmam que o impacto foi ao encontro do que estava previsto, apesar dos timings terem derrapado.
«A inflação só ficou controlada este ano, assim a decisão de cortar as taxas em 2024 pode ser interpretada como uma resposta equilibrada às condições económicas», explica Paulo Monteiro Rosa. E nota que «é importante lembrar que o mandato principal do BCE é a estabilidade dos preços, enquanto a estabilidade económica e o incentivo ao emprego ocupam um papel secundário», referindo que o organismo «optou por um caminho mais prudente, garantindo que a política monetária não comprometesse nem reanimasse pressões inflacionistas».
Mas chama a atenção para as consequências: «O trabalho do BCE no controlo da inflação foi, em larga medida, bem-sucedido. No entanto, os custos económicos para setores vulneráveis deixaram a sensação de que o impacto da política foi desigual e, por vezes, insuficiente para responder aos desafios específicos de cada país», acrescentando que «o BCE desempenhou uma tarefa hercúlea de equilibrar a estabilidade dos preços com a manutenção do crescimento económico, e, embora tenha conseguido progressos no seu objetivo principal (estabilidade de preços), o processo deixou marcas significativas na economia europeia, incluindo a portuguesa. Se o esforço foi suficiente ou não, só o futuro o dirá».
Também Henrique Tomé diz que a inflação tem baixado a um ritmo mais rápido, mas encontra o reverso da medalha: a economia está a abrandar, tal como seria de esperar. E deixa um alerta: «Entramos neste momento numa fase mais sensível, pois temos os principais blocos europeus – Alemanha e França – a darem sinais de alarme em termos de crescimento económico e em setores vitais, como a indústria e os serviços».
No entanto, o analista reconhece que este combate à inflação ainda não terminou. «Quando olhamos para a taxa de inflação geral vemos que realmente os valores são baixos. Neste momento a taxa de inflação, segundo os dados de novembro está nos 2,3%. Mas quando olhamos para os valores sobre a taxa de inflação subjacente (a medida que exclui as componentes mais voláteis como a energia e a alimentação), vemos que os valores ainda estão em níveis ligeiramente elevados, estando neste momento nos 2,7%», declara.
Mais descidas em 2025
Mais uma vez o BCE decidiu baixar as taxas de juro, algo que já era esperado pelos mercados. «Lagarde não defraudou as expectativas dos investidores», diz Paulo Monteiro Rosa, lembrando que esta foi a quarta descida de um quarto de ponto este ano, desde o valor mais elevado nos 4%. Na opinião do economista, «este movimento reforça a trajetória de descida gradual das taxas de juro ao longo de 2025, com uma redução mais acentuada prevista no primeiro semestre do próximo ano». E refere que na penúltima reunião de 2025, agendada para 30 de outubro, «o mercado projeta uma taxa próxima de 1,5%, o que representa uma descida acumulada de 175 pontos base em apenas 12 meses». Na sua opinião, «este movimento reflete as expectativas de normalização da inflação, um ajuste da política monetária que sinaliza controlo da inflação e necessidade de estímulo ao crescimento económico».
Lembrando que as taxas de juros elevadas dos últimos dois anos foram uma resposta do BCE «às fortes pressões inflacionistas desencadeadas, em grande parte, pela guerra na Ucrânia», o economista do Banco Carregosa acredita que atualmente a inflação na Zona Euro encontra-se controlada, «permitindo uma abordagem mais acomodatícia por parte da autoridade monetária». Assim, a tendência de queda nas taxas ao longo de 2025 «reflete uma visão otimista sobre o controlo gradual da inflação e a urgência de estimular o crescimento económico, particularmente face às dificuldades que afetam as principais economias do bloco europeu».
Mas há dificuldades que é preciso ter em conta. A Alemanha, a maior economia da Europa, «caminha para o seu segundo ano consecutivo de recessão e enfrenta um contexto político delicado com eleições nacionais marcadas para o início de 2025», enquanto a França «enfrenta uma grave crise orçamental, agravada pelo envelhecimento da população, pelo aumento dos custos com saúde e pelo fraco desempenho económico». Refere também que «o crescimento insuficiente da economia francesa não é capaz de gerar receitas fiscais suficientes para sustentar a segurança social e os cuidados necessários à população envelhecida, o que tem criado pressões orçamentais e promete agravar as tensões políticas em França». Estes são fatores que tornam a França «um potencial ‘calcanhar de Aquiles’ para a estabilidade europeia em 2025, com a possibilidade de alterações políticas relevantes no horizonte».