Uma investigação conjunta do Channel 4 e do jornal The Sunday Times revelou, pela primeira vez, detalhes sobre as origens das vastas fortunas pessoais do rei Carlos III e do seu filho, o príncipe William. Por meio das propriedades dos Ducados de Lancaster e Cornwall, ambos arrecadam milhões de euros anualmente, utilizando complexas estruturas financeiras e aproveitando privilégios fiscais exclusivos.
Segundo a investigação, Carlos e William arrecadaram cerca de 60 milhões de euros em lucros anuais provenientes do arrendamento de terras para hospitais públicos, escolas, prisões, instalações militares, portos e margens de rios. Além disso, também geram receita pelo uso das suas terras para cabos elétricos, tubagens de combustível e parques eólicos.
Este valor é amplificado pelas isenções de impostos sobre ganhos de capital e sobre empresas, assim como pela proteção contra expropriações para obras públicas.
Grande parte das terras sob controlo da família real britânica remonta à conquista normanda de 1066. Apesar de o governo britânico gerir a vasta Crown Estate – composta por milhares de hectares urbanos e rurais – e entregar uma percentagem dos lucros anuais à monarquia (cerca de 157 milhões de euros previstos para 2025), os Ducados de Lancaster e Cornwall permanecem sob administração direta dos Windsors.
Esses ducados, que cobrem aproximadamente 728 quilómetros quadrados em Inglaterra e no País de Gales, foram mantidos pela monarquia desde a decisão do Parlamento britânico de conceder-lhes gestão própria. Nos anos 1960, os rendimentos dessas propriedades somavam cerca de 6 milhões de euros anuais; atualmente, esse valor ultrapassa 30 milhões.
Dos hospitais às instalações militares
A investigação revelou que nem mesmo hospitais e escolas escapam às obrigações financeiras à Coroa. Por exemplo, o Hospital Guy’s and St Thomas, em Londres, paga quase 1 milhão de euros anualmente para estacionar ambulâncias em terras pertencentes à família real.
A prisão de Dartmoor desembolsa 1,8 milhão de euros anuais de aluguer para acomodar 640 presos de perigo mais reduzido. Na área da educação, escolas como a Princetown Community Primary School (380 mil euros por ano) e Farrington Gurney, em Bath (71 mil euros), também pagam aluguer pelas terras dos ducados.
Até mesmo instalações militares contribuem para os cofres reais. O Ministério da Defesa paga 1 milhão de euros anuais pelo uso da Escola Naval Real de Dartmouth e 12 mil euros para reabastecer submarinos nucleares em Plymouth.
Embora Carlos III e o príncipe William afirmem pagar voluntariamente o imposto de rendimento à taxa máxima de 45%, o acesso a dados detalhados permanece restrito. A última informação publicada, referente a 2022, indicava que o então príncipe de Gales havia pago 7 milhões de euros em impostos – apenas 25% dos rendimentos do Ducado de Lancaster naquele ano, após deduções legais.
A investigação revelou igualmente que 14% das casas arrendadas pelo Ducado de Cornwall e 13% pelas propriedades do Ducado de Lancaster possuem uma classificação energética F ou G. Desde 2020, é ilegal para os proprietários arrendarem imóveis com classificação inferior a E, de acordo com as regulamentações de Padrões Mínimos de Eficiência Energética. Segundo o The Guardian, o Ducado de Lancaster afirmou: «Mais de 87% de todas as propriedades arrendadas pelo ducado possuem classificação E ou superior. As restantes estão a aguardar obras de melhoria programadas ou estão isentas de acordo com a legislação britânica».
A investigação de cinco meses, que analisou mais de 5.410 ativos imobiliários dos ducados, trouxe à tona a escala da fortuna acumulada pelos Windsors. Segundo a lista de milionários do The Sunday Times, a fortuna pessoal do rei Carlos ultrapassa os 720 milhões de euros.
A revelação aprofunda o debate sobre a transparência e os privilégios fiscais da monarquia britânica, especialmente em contraste com outras famílias reais europeias. Enquanto o orçamento oficial da Casa Real espanhola não chega a 8,5 milhões de euros, a monarquia britânica continua a beneficiar de uma combinação de tradição, vastas propriedades e privilégios fiscais exclusivos.
Como consequência, membros do Parlamento britânico estão a pedir uma investigação e sugerem que os dois ducados sejam integrados no Crown Estate, cujos lucros vão para o governo. Este é um vasto conjunto de propriedades e ativos financeiros pertencentes à Coroa Britânica, mas que não são propriedade pessoal do monarca. Em vez disso, são geridos de forma independente pelo governo britânico, com a receita gerada usada para financiar os custos oficiais da monarquia.
Além de propriedades imobiliárias, o Crown Estate também possui ativos financeiros, como ações, e até participa no mercado de energia renovável, gerando lucros com projetos como parques eólicos. A diversificação dos seus ativos ajudou a aumentar o rendimento ao longo dos anos. O Crown Estate inclui uma grande variedade de propriedades, tanto urbanas quanto rurais, espalhadas pelo Reino Unido.
Tal abrange terras agrícolas, edifícios comerciais, lojas e até áreas costeiras. As propriedades mais conhecidas incluem grandes porções do centro de Londres, como Regent Street, e vastas áreas de terras agrícolas e florestas em todo o país. O Crown Estate é administrado por uma organização independente chamada The Crown Estate Commissioners, uma entidade pública sem fins lucrativos.
Os seus lucros são entregues ao Tesouro Britânico e, em troca, o governo concede à monarquia uma parte desses lucros por meio do Sovereign Grant, que cobre os custos das atividades oficiais da família real. O Crown Estate gerou, em 2023, cerca de 478 milhões de euros de lucro, dos quais uma percentagem é transferida para o governo britânico. Isso ajuda a financiar a monarquia sem que esta dependa diretamente dos impostos pagos pelos cidadãos, ao contrário de outras monarquias europeias, onde a família real é totalmente financiada pelo Estado.
Outros casos semelhantes
Muitas famílias nobres na Europa ainda possuem grandes propriedades e beneficiam de privilégios históricos. Em França, por exemplo, algumas famílias aristocráticas que remontam ao Antigo Regime continuam a deter castelos, terras agrícolas e florestas, gerando rendimento com arrendamentos e turismo. Na Alemanha, a família Hohenzollern, ex-monarcas do Império Alemão, procura recuperar propriedades confiscadas após a Segunda Guerra Mundial. Embora argumentem que os bens foram tomados injustamente, críticos apontam que muitos desses recursos foram acumulados durante períodos de exploração imperial.
A monarquia do Mónaco, liderada pela família Grimaldi, acumula riqueza significativa por meio de imóveis de alto valor e pela ausência de impostos sobre fortunas no principado. O modelo económico atrai milionários e empresas, fortalecendo as finanças do pequeno Estado. No entanto, há questionamentos sobre a concentração de poder económico e o impacto na acessibilidade para moradores locais.
A Casa de Saud, que governa a Arábia Saudita, detém uma vasta fortuna estimada em centenas de milhões de euros. Grande parte dessa riqueza provém do controlo das reservas de petróleo do país, administradas pela estatal Saudi Aramco, mas a família também beneficia de propriedades e recursos naturais. Apesar de o petróleo ser uma fonte pública de receita, os membros da família real têm acesso privilegiado a uma parcela significativa desses recursos. Semelhante ao caso britânico, há críticas relacionadas com a falta de transparência nos gastos pessoais da família e à sobreposição de bens públicos e privados.
Embora o Japão tenha uma monarquia constitucional limitada, a família imperial ainda possui propriedades significativas, incluindo o Palácio Imperial de Tóquio, que está situado num dos terrenos mais caros do mundo. Apesar de os recursos para o sustento da família serem oriundos do orçamento público, há críticas à falta de transparência em relação ao património histórico e cultural que geram receita por meio de turismo e doações.
Embora não sejam monarquias, há elites na América Latina que possuem vastas extensões de terras e concentram riqueza herdada de sistemas coloniais. No Brasil, por exemplo, grandes propriedades rurais acumuladas desde o período colonial continuam nas mãos de poucas famílias, muitas vezes associadas à monocultura e à exploração de recursos naturais. Essas elites, como os Windsors, também beneficiam de isenções fiscais e incentivos governamentais, levantando debates sobre desigualdade e justiça social.