Jornada: Amnistia só para jovens gera dúvidas

Jornada: Amnistia só para jovens gera dúvidas


Constitucionalistas dividem-se sobre a constitucionalidade da lei de amnistia aprovada em Conselho de Ministros, no âmbito da vinda do Papa à JMJ, prever perdões apenas aplicáveis a cidadãos com menos de 30 anos de idade.


A proposta de lei para perdoar penas e multas a jovens entre os 16 e os 30 anos, por ocasião da vinda do Papa Francisco a Portugal, durante a Jornada Mundial da Juventude, está a levantar dúvidas. A razão prende-se com o limite etário definido no diploma para esta amnistia, podendo estar em causa o princípio da igualdade dos cidadãos previsto na Constituição.

As opiniões dos constitucionalistas contactados pelo Nascer do SOL também divergem – o certo é que ninguém está seguro da constitucionalidade da proposta de lei que foi aprovada na passada segunda-feira em Conselho de Ministros.

«As amnistias são um ato político que, de acordo com os critérios que são adotados, têm sempre uma diferenciação entre os que são abrangidos e os que não são. Aqui o que se pode questionar é o critério da idade. O Governo escolheu os jovens por se tratar da Jornada Mundial da Juventude», explica um antigo juiz do Tribunal Constitucional que quis manter o anonimato.

O jurista diz estar convencido de que o Tribunal Constitucional não irá pronunciar-se pela inconstitucionalidade do diploma, «dada a natureza do ato que é político e que por esse razão envolve sempre uma certa diferenciação dos abrangidos», acrescentando que, neste caso, a idade «parece um critério razoável tendo em conta o motivo da amnistia».

Paulo Otero tem outro entendimento: «Não pode haver discriminação em função da idade, ou seja, ninguém pode ser beneficiado por ser jovem e, por isso, estar amnistiado e ninguém pode ser prejudicado por ter mais idade e, tendo cometido os mesmos ilícitos, não ser objeto de amnistia», defende.

Na ótica do constitucionalista, «não faz sentido que alguém por ser jovem passe a estar amnistiado de uma multa, ou por exemplo de uma infração de trânsito, e uma pessoa com mais idade em igualdade de circunstâncias também não esteja quando se tratam de crimes neutros quanto à dimensão etária de quem os pratica».

Paulo Otero também tem dúvidas quanto à justificação da diferenciação etária. As medidas de clemência propostas pelo Governo têm como destinatários os jovens uma vez que se inserem no quadro da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude.

«Não me parece que esse seja um argumento atendível, isto é, trata-se de uma discriminação arbitrária porque o fundamento não é atendível», contesta o professor catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.

Em comunicado, a Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso (APAR) também alertou para uma eventual inconstitucionalidade do diploma.

Apesar de congratular a iniciativa do Governo, a APAR manifestou o seu «desagrado» por nenhuma organização de defesa dos reclusos ter sido ouvida sobre esta matéria e pela restrição etária (30 anos) determinada para os presos que possam ser alvo do perdão de penas, considerando que tal pode ofender o princípio da igualdade dos cidadãos.

«A proposta aprovada contém normas que estabelecem distinções que não respeitam os limites constitucionais da igualdade de todos perante a lei e, por isso mesmo, não podem ser aplicadas pelos tribunais», argumentou a associação, demonstrando a sua discordância face a «uma proposta que não contemple todos os cidadãos reclusos».

No entender da APAR, a aprovação do diploma na sua atual redação poderá levar a «interpretações díspares e com graves e irreparáveis consequências para os cidadãos».

O diploma admite o perdão de um ano para todas as penas de prisão até oito anos atribuídas as jovens entre os 16 e os 30, até ao dia 19 de junho deste ano. E um regime de amnistia para as contraordenações cujo limite máximo de coima aplicável não exceda os mil euros e as infrações penais cuja pena não seja superior a um ano de prisão ou a 120 dias de pena de multa. De fora fica quem tiver praticado crimes de homicídio, infanticídio, violência doméstica, maus-tratos, ofensa à integridade física grave, mutilação genital feminina, ofensa à integridade física qualificada, casamento forçado, sequestro, contra a liberdade e autodeterminação sexual, extorsão, discriminação e incitamento ao ódio e à violência, tráfico de influência, branqueamento ou corrupção.