“Não tínhamos ideia de que era um Banksy”. A vida efémera de um graffiti de milhões

“Não tínhamos ideia de que era um Banksy”. A vida efémera de um graffiti de milhões


Uma casa branca, desgastada e cansada. Uma pintura da silhueta de uma criança que chamava à atenção numa das suas laterais. Uma demolição e um erro tremendo. Foi demolida, em Herne Bay, uma casa que servia de tela para uma obra de Banksy.


Surgiu recentemente, na cidade costeira de Herne Bay, na Inglaterra, um novo mural do célebre artista Banksy, no exterior de uma casa abandonada. Mas a obra, que poderia facilmente atingir em leilão um valor na casa dos milhões de euros, teve uma existência efémera. O edifício onde se encontrava pintada foi demolido.

Intitulado Morning is Broken, o mural mostrava a silhueta de um menino – ao lado de um gato numa janela – que abria as “cortinas” feitas com duas chapas de metal dobradas, para se aproximarem do formato real dos cortinados.

Segundo o The Guardian, o trabalho foi confirmado em três fotografias publicadas na quarta-feira na conta de Instagram do artista de rua anónimo. Numa delas, a peça é mostrada numa imagem vertical da propriedade abandonada, pintada de branco já “descascado” pela passagem do tempo e que estava coberta de heras. Na segunda fotografia, o artista fez um close-up da obra de arte, vendo-se apenas a pintura do menino. Já a terceira fotografia mostra o trabalho de demolição, com a escavadora e uma pilha de entulho de tijolos no chão, enquanto um trabalhador observa.

De acordo com o jornal britânico, o local está destinado a dezenas de novas casas e o trabalho de demolição começou sem que os empreiteiros se apercebessem da pintura de Banksy.

Um dos responsáveis pela obra, George Caudwell, confirmou-o ao site KentOnline: “Não tínhamos ideia de que era um Banksy. Senti-me mal ao perceber o que era. Ficámos arrasados”, admitiu.

Banksy no terreno? Mas quem tirou as fotografias que Banksy publicou nas suas redes sociais? Ninguém sabe, até porque ao longo da sua carreira o artista tem escondido sempre ciosamente a sua verdadeira identidade. Porém, segundo escreve o Daily Mail, o grupo de construtores que se encontrava no local, no momento do aparecimento do homem misterioso, acabou por se convencer que seria o próprio.

O homem tinha um chapéu de coco (chapéu duro, de copa redonda e aba bem curvada dos lados, usado pelos homens no fim do século XIX e celebrizado por Charlot e Magritte) na cabeça, vestia um casaco preto comprido e óculos que não deixavam revelar o seu olhar.

Sofia Akin, que testemunhou a sua chegada ao local, afirmou ao Daily Mail que o homem chegou por volta das 9h30 – hora em que três operários continuavam os trabalhos de demolição da casa: “Fui falar com os trabalhadores para pedir mais detalhes sobre a obra. Nesse momento, apareceu um homem com um longo casaco preto, chapéu de coco e óculos. Parecia bastante misterioso”, contou. Segundo a Sofia Akin, ao avistarem-no, os empreiteiros disseram: “Aquele é o Banksy! Vimo-lo ontem! Estava aqui a tirar fotografias do mural”. De acordo com o jornal britânico, o homem terá aparecido mais do que uma vez no terreno.

Apesar das suposições, não há confirmação da sua identidade. Até porque as fotografias do homem misterioso (o Daily Mail partilha também um vídeo do homem a tirar as fotografias, a conversar com os trabalhadores e a abandonar o terreno), foram partilhadas com alguém que afirma conhecer o famoso artista. Por isso, a mesma publicação expressa dúvidas de que o indivíduo na filmagem seja mesmo Banksy.

O que restou da pintura após a demolição já foi retirado do depósito e tentativas foram feitas para reconstituir a obra.

John Brandler, um especialista em Banksy, revelou que adoraria restaurar a peça e exibi-la no museu de Dover. “Podemos restaurá-la. Isto não será um grande desastre se tivermos acesso à propriedade e podermos resolver o problema!”, acredita. “Temos uma grande exposição planeada para o verão. Adoraria emprestá-la ao museu de Dover para a exibirem. A peça em si é maravilhosa. Adoraria tê-la na minha coleção!”, acrescentou.

Interrogado pelo jornal britânico sobre a quantia que valeria a peça de arte destruída, Brandler admitiu que não sabe, mas que “dependeria do quão é recuperável e do valor que seria o original”.

Esta é a quarta peça de Banksy criada no condado do Kent. A demolição ocorre apenas um mês depois de outra das suas obras ter sido retirada sucessivas vezes após aparecer em Margate. O mural, intitulado Rímel do Dia dos Namorados, tem como tema a violência doméstica e o combate à violência contra as mulheres: exibe uma caricatura de uma dona de casa dos anos 50, usando um pinny azul e luvas amarelas de lavar louça, com um olho inchado e sem um dente, que empurra o seu companheiro para dentro de uma arca frigorífica. A obra será transferida para o Dreamland, parque de diversões de Margate, para que se mantenha “acessível a todos aqueles que a queiram ver”.

Arte como resistência No mês passado, a Ucrânia emitiu selos postais com um mural de Banksy para marcar um ano da invasão em grande escala da Rússia. O mural retrata um homem parecido com o Presidente russo, Vladimir Putin, que está a ser derrubado durante uma luta de judo com uma criança.

A obra original está pintada numa casa que foi devastada pelo bombardeamento da cidade de Borodyanka, perto de Kiev. Uma frase com um palavrão abreviado dirigindo-se ao líder russo foi adicionada ao canto inferior esquerdo dos selos: “Cai, Putin!”.

Muitos ucranianos veem o mural do artista como uma metáfora da feroz resistência da Ucrânia à invasão russa, que começou em 24 de fevereiro de 2022. No ano passado, o artista leiloou várias das suas obras em serigrafia para financiar o fornecimento de ajuda humanitária à ao país invadido.

Segundo os meios de comunicação internacionais, na sexta-feira do dia 24 de fevereiro, longas filas se formaram em frente à principal estação de correios em Kiev Holovposhtamt, no início das vendas.

“É um gesto muito bom para que o mundo entenda a Ucrânia, entenda que continuamos no centro das atenções”, disse Maxime, uma das compradoras do selo, à agência de notícias AFP, acrescentando que ficou encantada ao ver um “primeiro selo de uma das obras de Banksy”.

Banksy produziu obras de arte em edifícios em várias cidades ucranianas que estão entre as mais atingidas durante a guerra em curso.

Segundo o The Art News Paper, a Ajax Systems, uma empresa internacional de segurança fundada na Ucrânia, instalou sistemas de alta tecnologia para garantir a proteção 24 horas por dia de quatro murais da autoria do artista na região de Kiev, que estão entre os sete criados durante a guerra.

Os sistemas, que custaram 12 mil euros, incluem vidro à prova de choque e alarmes, após uma tentativa, em dezembro passado, de roubo de um mural que representava uma mulher com uma máscara de gás, em Hostomel, um subúrbio de Kiev (fundamental para afastar as forças russas nos primeiros dias da invasão). As características técnicas dos sistemas de segurança incluem ainda detetores de movimento e sensores de choque e vibração integrados, bem como barreiras transparentes de policarbonato.

Um porta-voz da Ajax disse em comunicado no dia 22 de fevereiro, apenas dois dias antes do primeiro aniversário da invasão russa, que o projeto “foi desenvolvido por iniciativa da administração militar regional de Kiev e da administração local”. Por sua vez, Oleh Torkunov, vice-chefe da Administração Militar Regional de Kiev, afirmou à mesma publicação que “as obras de Banksy têm valor cultural e histórico para o país como um lembrete de que a luz vencerá a escuridão”. “É importante resistir a possíveis tentativas de vandalismo como as que já aconteceram”, frisou.