Ucrânia. Armas no sapatinho

Ucrânia. Armas no sapatinho


Com a oferta dos Patriot, a relação dos EUA e da Ucrânia entrou ‘numa nova fase’. Mas o resto da lista de prendas causa discórdia nos bastidores. 


Será um natal duro e gelado para os ucranianos, que tentam sobreviver à ofensiva do Kremlin contra a infraestrutura elétrica do seu país. E os militares, mesmo estando conscientes das dificuldades enfrentadas pelas suas famílias, procuram uma vulnerabilidade nas linhas russas, esperando quebrá-las antes que lá cheguem ainda mais reservistas recrutados à força pelo regime de Vladimir Putin. Já Volodymyr Zelensky dirigiu-se a Washington, para obter mais armas para as suas tropas.

Quando viajou para a Polónia de comboio, saindo na estação de Przemysl e seguindo numa mota 4×4 branca antes de atravessar o Atlântico numa aeronave militar americana, o Presidente ucraniano levou consigo uma bandeira da Ucrânia, trazida da sua visita ao ponto mais sangrento da linha da frente, Bakhmut, para ser oferecida ao Congresso americano. Já Zelensky, na sua primeira saída da Ucrânia desde o início da invasão russa, também recebeu uma prenda de natal antecipada. Tendo Joe Biden, numa conferência de imprensa conjunta, anunciado o envio de ajuda militar no valor de mais de 1,8 mil milhões de dólares, equivalente a 1,7 mil milhões de euros. Incluindo uma bateria dos ansiados mísseis Patriot, visto como um dos mais capazes sistemas de defesa antiaérea do planeta, cuja entrega foi descrita por Zelensky como «uma nova fase» na já estreita cooperação entre a Ucrânia e os Estados Unidos.

Cada bateria de Patriots, que só costumam ser vendidos aos aliados mais próximos de Washingtom, custa uns mil milhões de euros. Estão montadas em camiões e consistem num sistema de lançamento com oito lançadores contendo até quatro mísseis cada, assim como um radar e uma estação de controlo. Trata-se de um sistema com alcance de até 160 km, dependendo do míssil usado, capaz de cobrir uma área de cerca de 68 quilómetros, segundo informaram à DW as Forças Armadas alemãs, que possuem Patriots. É muito eficaz contra helicópteros, aeronaves, mísseis de cruzeiro ou balísticos, dificultando a capacidade do Kremlin devastar a Ucrânia. Contudo, os Patriot não só precisam de ser manejados por uma equipa de 90 tropas, altamente treinadas, algo que ainda irá demorar, como têm grandes dificuldades contra as vagas de drones iranianos baratos a que os russos têm usado contra a rede elétrica. 

Os Shahed-136 comprados pelos russos, que os rebatizaram de Geran-2, são pequenos e voam muito perto do chão. Tendo os Patriot mostrado dificuldade contra esse género de alvo na Arábia Saudita, que apesar de possuir estas defesas antiaéreas é recorrentemente atingida com outro modelo de drones kamikaze iraniano, os Qased, disparados pelo houthis, um grupo rebelde iemenita aliado de Teerão. Além de cada míssil disparado pelos Patriot custar mais de um milhão de dólares – os modelos mais recentes chegam aos quatro milhões de dólares – e não compensar usá-los para destruir drones que custam umas poucas centenas de dólares cada. 

Os mísseis desta bateria de Patriots enviada pelos EUA deverão ser reservados para alvos prioritários, podendo potencialmente proteger Kiev contra a ameaça do uso de armas nucleares táticas pelo regime de Vladimir Putin. Talvez mais importante ainda, são um sinal de que Washington finalmente ultrapassou as suas reticências em providenciar armamento mais pesado aos ucranianos. Os Patriot faziam parte de uma longa lista de prendas pedidas pela Ucrânia, que inclui F-16, tanques mais avançados ou mísseis de longo alcance, e que foi divulgada pelo Presidente ucraniano no início deste mês. 

No entanto, por trás da pompa, circunstância e demonstrações de união, os comandantes militares de Zelensky e o Pentágono discordam quanto ao que a Ucrânia precisa para derrotar os invasores. Os ucranianos, ansiosos por conduzir novas contraofensivas ainda durante o inverno, pretendem receber tanques M1 Abrams, para conseguir avançar em profundidade caso quebrem as linhas russas, como fizeram no sudeste de Kharkiv, tomando Izyum. Mas os M1 Abrams, que estilhaçaram as formações de blindados soviéticos de Saddam Hussein durante a invasão do Iraque, são demasiado complexos de operar e difíceis de manter para a Ucrânia, garantiram dirigentes do Pentágono ao Washington Post, considerando que as forças ucranianas já possuíam tanques suficientes. 

Outra fonte de discórdia é o que fazer quanto às vagas de bombardeamentos aéreos russos. Os americanos querem criar umas defesa às camadas, com sistemas mais avançados como os Patriot a destruir alvos de alto valor e outros menos dispendiosos a caçar drones. Mas para o Governo de Kiev a única maneira de impedir de vez a devastação é atingir a origem dos bombardeamentos.

O que significa «ataques combinados contra alvos estacionários do inimigo, primeiro contra as pistas das bases de aeronaves de ataque russas, e nas áreas das posições de lançamento de mísseis balísticos e de cruzeiro», escreveu Mykhailo Zabrodskyi, vice-presidente do Comité para Segurança Nacional, Defesa e Inteligência da Ucrânia, num artigo para a agência Ukrinform. Daí que Zelensky tenha pedido o envio de mísseis terra-terra de longo alcance americanos MGM-140 ATACMS. Algo que Biden garantiu que não deixará no sapatinho do seu homólogo ucraniano.

O receio da Casa Branca é que isso provocasse Putin, que já descreve a sua «operação militar especial» como sendo contra toda a NATO. «É bem sabido que o potencial e capacidade militar de quase todos os principais países da NATO está a ser ativamente utilizado contra a Rússia», queixou-se o Presidente russo, enquanto Zelensky se dirigia a Washington, num discurso perante as chefias militares russas. «Apesar disso, os nossos soldados, sargentos e oficiais estão a lutar», garantindo que estão a avançar «passo a passo».

Passo a passo é uma maneira exata de descrever os avanços russos, que ficaram na defensiva em praticamente toda a linha da frente, exceto em Bakhmut, onde lançam bombardeamentos massivos de artilharia e assaltos com pequenos contingentes de infantaria. É uma maneira de capitalizar o fluxo de carne para canhão que vai chegando à linha da frente. Temendo os comandantes ucranianos que, caso não lancem um golpe devastador às forças russas antes da primavera, Putin consiga treinar um novo exército e avançar de novo, vindo de várias direções, a partir do leste, do sul ou até da Bielorrússia, numa repetição do que se assistiu nos primeiros momentos da invasão.

«Os russos estão a preparar cerca de 200 mil tropas frescas», avisou o general Valery Zaluzhny, comandante em chefe das Forças Armadas ucranianas, ao Economist, esta semana. «Não tenho dúvidas de que farão outra tentativa contra Kiev».