Metro de Lisboa. As entrelinhas do protocolo

Metro de Lisboa. As entrelinhas do protocolo


Até ser lançado o concurso de expansão do Metro de Lisboa, o percurso foi longo e conturbado. Apesar de a Agência Portuguesa do Ambiente ter dado luz verde, há inúmeras questões que não podem ser esquecidas, desde a segurança do Aqueduto das Águas Livres ao impacto nos residentes e alunos das zonas que vão obras.…


Engenheiros contra a linha circular

Em abril de 2018, um debate na Ordem dos Engenheiros sobre a expansão do metro fez exaltar os ânimos. De um lado, Ricardo Machado, diretor coordenador do Metropolitano de Lisboa, insistiu que a melhor opção seria transformar a Linha Verde numa linha circular – com a criação das estações da Estrela e Santos. Segundo o representante do Metro de Lisboa, esta seria a opção mais viável e, recorde-se, este plano de expansão foi aprovado em 2009. No entanto, a opinião sobre as vantagens desta opção não é unânime. Engenheiros presentes no debate afirmaram que a linha circular seria “um erro” e ressalvaram o facto de o projeto abranger menos pessoas do que, por exemplo, uma extensão da linha até Alcântara, que daria resposta à população que utiliza a Linha de Cascais. Além disso, vozes como Fernando Nunes da Silva defenderam que o projeto irá beneficiar uma zona essencialmente turísticas, que já está bem coberta de transportes e tem inúmeros problemas de construção. 

Duas grandes obras em simultâneo

O projeto de construção dos túneis de drenagem para prevenir cheias na capital já foi aprovado e vai mesmo avançar este ano. É por isso expectável que esta obra coincida com a da expansão do metro. No ano passado, a propósito da sobreposição destas duas intervenções, a comissão de avaliação requeriu, “para o prosseguimento do processo de Avaliação de Impacto Ambiental” um esclarecimento quanto a esta questão. O Metro de Lisboa informou que “relativamente às infraestruturas em si, nomeadamente o túnel do Metro em análise e os dois túneis previstos no Plano de Drenagem de Lisboa, […] verifica-se que a distância que os separa é superior a 500 m, o que permite afirmar que não se prevê qualquer interferência entre eles”. A empresa admite, no entanto, que “caso as obras venham a ser efetuadas em simultâneo, poderá haver um impacto cumulativo ao nível da mobilidade, especificamente ao nível da circulação na rede viária, na zona ribeirinha, pelo eventual corte/desvio de algumas vias”.

Desvio das linhas de comboio

Antes de a obra estar finalizada, várias zonas da cidade – umas mais do que outras, e nem todas à superfície – vão ficar prejudicadas.  Em agosto do ano passado, o presidente da Câmara de Cascais, Carlos Carreiras, lamentou que exista, “mais uma vez”, uma dupla injustiça sobre os utilizadores da Linha de Cascais. “São penalizados na sua mobilidade pela ausência de obras na Linha e são penalizados pelas obras noutras infra estruturas. Esta situação é insustentável num dos maiores eixos pendulares do país”.  A construção da linha circular do Metropolitano de Lisboa vai obrigar à deslocação da linha de comboio entre Santos e Cais do Sodré durante um período de 44 meses, de acordo com a Declaração de Impacto Ambiental (DIA). “É proposto o desvio da linha de comboio, sendo uma das vias desviada para Norte (Av. 24 de Julho) e a outra via para Sul (Rua Cintura do Porto de Lisboa)”, lê-se no documento. 

Impacto ambiental

O estudo elaborado pela Matos, Fonseca e Associados revela que será necessário conviver diariamente com obras durante três anos e meio. Ainda assim, “a duração das atividades críticas em termos de ruído, vibrações e poeiras, terá uma duração de 1,5 anos em cada frente de obra”, diz o documento. O aumento de ruído deve-se sobretudo “à realização de trabalhos à superfície, envolvendo operações e equipamentos ruidosos”, a par de “nos edifícios mais próximos das frentes de obra” se poderem fazer sentir vibrações percetíveis pelos seus ocupantes. Os impactos negativos centram-se também na qualidade do ar, “em resultado das movimentações de terras e da circulação de viaturas e maquinaria”. A zona da Escola Secundária Pedro Nunes será uma das mais afetadas devido à construção de um poço de ventilação/saída de emergência e, por isso, considera-se a possibilidade, se assim se justificar, de deslocarem as “salas de aula para contentores localizados nas traseiras do edifício principal”.  

Aqueduto e Jardim da Estrela

A Declaração de Impacte Ambiental identificou alguns pontos mais sensíveis do trajeto alvo de obras durante os meses de expansão do Metro. O Aqueduto das Águas Livres, o Jardim da Estrela e a zona do Museu Nacional de Arte Antiga são alguns dos monumentos que podem ficar em risco “devido às vibrações inerentes à escavação”, diz o documento consultado pela Lusa. A Agência Portuguesa do Ambiente (APA) emitiu um parecer favorável ao projeto, mas com algumas salvaguardas, sobretudo em relação à “não afetação direta de bens imóveis classificados ou em vias de classificar”.  Em relação ao Jardim da Estrela, esta é uma área considerada “sobremaneira sensível e frágil”, pelo que é aconselhado que seja evitada “qualquer intervenção de construção no jardim por forma a manter as condições biofísicas atuais”.  Segundo a declaração, será também necessário destruir grande parte da Avenida 24 de julho – recentemente alvo de um intervenção, pelo que é necessário repô-la com as mesmas condições.   

Trabalhadores contra alterações

A Comissão de Trabalhadores do Metropolitano de Lisboa considera que o projeto de criação de uma linha circular “não corresponde às necessidades da empresa, da cidade, nem da área metropolitana de Lisboa”. Pediu, por isso, à Agência Portuguesa do Ambiente que chumbasse o projeto – facto que não se realizou. Num comunicado emitido em agosto de 2018, a Comissão de Trabalhadores denunciou que durante as obras poderão vir a ser suspensas as estações de metro do Campo Grande e Cais do Sodré. “Recordem-se os impactos financeiros avultadíssimos que a empresa teve de suportar no passado, nomeadamente nas obras da Baixa Chiado e extensão até Santa Apolónia, além dos enormes atrasos da obra e impacto negativo para a cidade, moradores e comerciantes”, diz o comunicado. A questão dos gastos também preocupa a Comissão de Trabalhadores, que considera que “os elevados custos desta expansão não parecem ter um reflexo racional no benefício futuro que se pretende obter”. 
 

Petição para alargar o metro até Loures

Em julho de 2017, o município de Loures lançou uma petição para alargar a rede do metro ao concelho de Loures. No total, foram 31 314 pessoas que afirmaram ser uma boa alternativa alargar a linha do metro até ao concelho. O presidente da Câmara de Loures, Bernardino Soares, chegou mesmo a ser ouvido na Assembleia da República na sequência da petição e sublinhou, na altura, que “a expansão do Metropolitano está prometida há muito tempo e só trará vantagens, desde ambientais, financeiras, até ao fluxo rodoviário”. A autarquia exigia a expansão do serviço através de Santo António dos Cavaleiros, Loures e Infantado, assim como pela Portela e Sacavém. “Da ligação do lado de Odivelas, precisávamos de 6 ou 7 estações, que iriam abranger milhares de pessoas”, disse Bernardino Soares. Estas reivindicações surgiram na sequência do anúncio feito pelo governo de que o Metropolitano de Lisboa iria ter mais duas estações até 2022, o que agora se confirma.  
 

Sete rios. Vender para financiar

Em 2003, a Câmara Municipal de Lisboa, na altura presidida por Santana Lopes, assinou um protocolo com o Metro de Lisboa que permitia a cedência de utilização de parte dos terrenos de Sete Rios à CML. A solução foi considerada vantajosa tanto para o Metro de Lisboa, que valorizou terrenos que estavam praticamente inutilizados, como para a autarquia, que na altura viu o terminal de autocarros do Arco do Cego encerrado para obras. No local das antigas oficinas do metropolitano viria a ser instalado o terminal rodoviário da Rede Expressos. O objetivo da operação, à época, seria a constituição de um fundo de pensões “visando garantir parte das suas responsabilidades com complementos de reforma dos seus trabalhadores”, diz o protocolo a que o i teve acesso. Entretanto foi transmitido pela empresa aos trabalhadores que as verbas seriam canalizadas para financiar parte das obras de expansão da rede do metro. Em agosto, a Comissão de Trabalhadores ameaçou que, caso a empresa não use as verbas para criar os fundos de pensões, partirão para greve.