Culturismo. “Nos anos 80 não havia saunas. Treinávamos enrolados em plástico”

Culturismo. “Nos anos 80 não havia saunas. Treinávamos enrolados em plástico”


Numa altura em que os ginásios em Lisboa se contavam pelos dedos de uma mão, a imaginação era aliada a quem competia em provas de culturismo. Usava-se plástico para ajudar a perder água nos treinos e a energia conseguia-se com maizena e farinha 33. Assim era o fitness português há 30 anos


Nuno Mendes deixou passar vinte anos desde a sua primeira competição até ter coragem para subir aos palcos novamente. “Aquilo traumatizou-me”, conta ao i. Por “aquilo”, Nuno refere-se à privação que passou para atingir os objetivos a que se propôs. “Privação não, era mesmo fome”, garante, entre risos de quem vê chegar à lembrança os dias em que nem força tinha para levantar halteres de cinco quilos.

É que, ao contrário do que acontece agora, a suplementação desportiva era um luxo a que poucos tinham acesso. Por causa disso, Nuno mantinha-se no plano que o treinador lhe apresenta, ao qual correspondiam níveis baixo de hidratos de carbono e treinos pesados. “Mas até isso mudou”, explica, “há vinte anos tinha-se a ideia de que para ser culturista o treino tinha que ser com pesos altíssimos”. Felizmente já não é assim, até porque Nuno conta pelos dedos de uma mão os atletas que treinavam consigo em 1996 e que hoje se mantêm ativos e sem lesões. 

A evolução dos treinos dita que os mesmos resultados sejam conseguidos com menos peso e mais repetições. “O músculo cresce quando é levado ao extremo e isso também acontece quando é obrigado a fazer o mesmo movimento várias vezes”, refere. Foi com este sistema que no ano passado voltou a competir, mas não sem antes fazer um teste para ver se  era capaz de cumprir o plano traçado. “Durante três meses, treinei e comi como se fosse competir” conta, mas desta vez com níveis de gordura que lhe permitiam não passar fome e ter força para os treinos, também eles menos violentos. Como resultou, inscreveu-se no campeonato nacional de culturismo do ano passado e, na categoria mais de 90 quilos, ficou em 5º lugar.

Saunas improvisadas Nuno garante que nunca teve necessidade de fazer isso, mas lembra-se bem de ver colegas, no verão, fechados dentro do carro enrolados em plástico. Já Pedro Maia, outro culturista old school, não se inibe de falar na primeira pessoa, relembrando os treinos que fazia com bermudas quentes vestidas ou mesmo com a famosa técnica do plástico. “Não havia saunas, tínhamos que improvisar”. 

Esse desenrascanço via-se também no tipo de treino. “As salas de musculação eram o mais parecido com que hoje se vê nas boxes de crossfit”, ou seja, poucas máquinas e muito peso livre. A musculação era feita à base de levantamento de halteres e o cardio cingia-se aos saltos à corda. Com estas condições, é normal que fosse uma espécie de clube onde ‘menina não entra’. “Era quase um tabu. Até certa altura não se viam mulheres no ginásio e, quando começaram a aparecer, ficavam-se pelas aulas de grupo”, salienta.

O Mister Apolo 1982 sabe até de cor  o nome dos ginásios que Lisboa tinha quando começou a treinar. “Era o Tarzan Taborda, o Bodyclinic, o Ginásio Clube Português, o Hércules e, pouco mais”. Talvez pelo nome sugestivo, o primeiro da lista foi o escolhido por Pedro para começar a treinar, inicialmente apenas para perder peso. “Mas entusiasmei-me muito rápido”, admite. E, por isso, poucos meses depois de ter dado início a uma vida mais saudável, tinha já desistido do curso de engenharia para se dedicar ao desporto que já não servia apenas para ser mais magro. “Comecei logo a competir”, refere, mesmo que, nessa altura os campeonatos acontecessem em salas de congresso de hotéis. “Cabiam, no máximo, 200 pessoas. Mas chegava, quase sempre a plateia era feita só com a família dos atletas”, admite.

Papas e leite Ainda a viver dos 500 escudos de mesada dos pais, Pedro sabia que pelo menos metade ia para a mensalidade do ginásio. “Bem sei que é 1,25 euros, mas na altura, não imagina, era caríssimo”, admite. Além disso, sabia que se queria suplementos, só os encontrava em farmácias, vendidas, não para atletas, mas para pessoas doentes e que precisassem de uma dose extra de energia. “Parecia gesso, sem sabor nenhum”, lembra.

O resto da energia era conseguida com papas de farinha 33, Maizena, mais tarde o Nestum e também com papas de bebé. “E bebíamos imenso leite, o que hoje parece uma anedota”. O que não dava tanta vontade de rir eram os desarranjos intestinais. “Leite e treino é uma mistura explosiva”, brinca, seja agora ou em 1980.
 

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