João Semedo. “O PS prefere estar ao lado da direita”

João Semedo. “O PS prefere estar ao lado da direita”


Depois de três anos longe da política ativa por razões de saúde, o médico e ex-coordenador do BE regressa com um objetivo: levar o partido a sentar-se pela primeira vez na câmara.


Em 2013, José Soeiro não foi além dos 3,60% (4.166 votos) nas eleições para a Câmara Municipal do Porto e o BE ficou de fora da vereação. Quais são as metas que estabeleceu para a candidatura em 2017? Ter mais votos e maior percentagem do que a alcançada por José Soeiro há quatro anos? Acredita que será eleito vereador?

Crescer. Ter mais votos, maior percentagem, mais mandatos tanto na Assembleia Municipal como nas freguesias da cidade e, claro, pela primeira vez, levar o Bloco ao executivo da Câmara. 

Parto muito confiante que alcançaremos estes objectivos. A cidade ganha com a presença da esquerda socialista na vereação. Seguimos um caminho diferente, aliás, contrário, ao do PS: vamos disputar estas eleições com a nossa identidade socialista, a nossa alternativa de esquerda. O PS prefere concorrer com a direita, misturado com o CDS na lista de Rui Moreira.

Como interpreta o papel do eleitorado da cidade entre as autárquicas de 2013, em que deu os tais 3,60% ao BE e, apenas dois anos passados, brindou o partido com 11,35% e 15.222 votos no concelho, decisivos para a eleição de cinco deputados pelo círculo do Porto?

São eleições diferentes. É natural que os eleitores façam opções diferentes. Confirma mais uma vez que os partidos não são donos dos votos.

Cada eleição, cada voto. É certo que nas autárquicas há algumas tendência para a presidencialização do voto. Não raras vezes os eleitores votam a pensar na eleição do presidente. Acredito que não tem de ser assim: as propostas programáticas, se forem dirigidas ao que realmente faz a diferença na vida das pessoas, podem determinar as escolhas.

O eleitorado não confia nos candidatos autárquicos do BE?

Não se trata de confiar ou não confiar, são escolhas determinadas por muitos outros factores que não apenas o da confiança ou mesmo da avaliação do mérito dos candidatos. Há o passado, a fidelização do voto nos eleitos, há os eleitores que valorizam a continuidade e a estabilidade, há a diferença de meios e recursos à disposição dos candidatos, há a demagogia eleitoral e as propostas eleitoralistas que geram muitas ilusões e acabam por distorcer ou mesmo inviabilizar o conhecimento e o debate de propostas alternativas. Enfim, tudo isso determina as escolhas dos eleitores. Tudo isso leva tempo a ultrapassar.

O que vai fazer para aproximar a votação autárquica da votação para legislativas?

Responder com clareza, bom senso e verdade aos problemas sentidos pelos portuenses e aos desafios que a cidade enfrenta hoje. Ser construtivo e mobilizar os portuenses em torno de propostas que contribuam para uma vida melhor e para o desenvolvimento da cidade.

Quais as linhas gerais da candidatura do BE para a disputa das autárquicas no concelho do Porto?

Em conjunto com uma equipa de bloquistas, socialistas e independentes de esquerda estamos agora a começar a sistematizar o nosso programa em torno de algumas ideias fortes: transparência e ética na governação municipal, políticas para a coesão social, responder ao défice habitacional, promover a economia a pensar nas pessoas e no emprego com direitos, melhorar os transportes, o trânsito e a mobilidade na cidade, dar qualidade à vida no Porto.

Como vê a gestão do independente Rui Moreira à frente da câmara: defeitos e virtudes.

Tem virtudes e defeitos, como é natural. Por um lado, a Câmara está mais próxima da população, da cidade, das suas instituições, dos seus agentes. Quando olhamos para o mandato anterior percebe-se bem essa mudança. Mas a política não é só forma, é o seu conteúdo concreto. 

Quer concretizar melhor essa ideia?

A verdade é que essa aproximação não foi e não é suficiente para ultrapassar velhos problemas – pobreza, habitação, perda de população, transportes, trânsito, estacionamento, idosos – e enfrentar os novos desafios, sobretudo, aqueles que resultam do boom turístico e que pressionam a cidade, inflacionam o preço das casas, empurram os portuenses para fora das suas casas e do Porto, esvaziam o centro, descaracterizam a cidade. 

Mais turismo é mau?

Mais turismo não pode é querer dizer menos pessoas a viver na cidade. A cidade não pode evoluir ao sabor dos mercados. A câmara tem de fazer valer o interesse das pessoas. Com demasiada frequência vimos Rui Moreira a comportar-se na câmara da mesma forma que os partidos e os políticos que tanto criticou antes de ser eleito. Nesse ponto e noutros, Rui Moreira ficou muito aquém das expectativas que alimentou durante a campanha e das promessas que foi fazendo.

Foi obrigado a suspender a vida política por razões de saúde que tornou públicas. Esta candidatura é, só por si, uma enorme alegria pessoal?

A intervenção e a disputa políticas sempre me animaram e motivaram, são parte integrante da minha vida e da minha alegria de viver. Hoje não é diferente do que era anteriormente. Ainda por cima tratando-se do Porto, a minha cidade. Mas, claro, reconheço que estar bem de saúde, ter superado os problemas graves que tive, dão mais sabor a estes momentos. Mas só muito raramente me lembro do que ficou para trás.    

Como é que se sente o antigo coordenador do Bloco a voltar ao primeiro plano da política nacional?

Sinto-me como peixe na água, a fazer aquilo que gosto de fazer: contribuir para melhorar a sociedade e a vida das pessoas. 

E  como avalia o desempenho da sua antiga ‘parceira’ de liderança à frente do partido?

Acho que a Catarina tem estado muito bem, tem conduzido com mestria o Bloco, num momento único, muito difícil e delicado, da história da esquerda portuguesa. Chapeau!