Elizabeth Holmes. A queda da bilionária que odiava agulhas

Elizabeth Holmes. A queda da bilionária que odiava agulhas


Prometeu revolucionar a indústria mundial das análises ao sangue, ao dispensar agulhas no exames, chegou a ser considerada a self made woman número 1 dos EUA e comparada a Steve Jobs, mas denúncias de irregularidades nos seus métodos e processos judiciais por alegada fraude rapidamente destruíram este império que está agora reduzido a nada.


Elizabeth Holmes, a empreendedora que prometia revolucionar a indústria mundial das análises ao sangue ao criar uma startup em 2003, a Theranos, e que  chegou a ser considerada a “próxima Steve Jobs” – comparação reforçada pela sua imagem, nunca deixada ao acaso, e da qual fazia sempre parte uma camisola de gola alta preta, tal como o fundador da Apple – acabou por se tornar num dos maiores escândalos de alegada fraude da comunidade tecnológica.

Chegou a integrar, em 2015, a lista das self made women da “Forbes” com uma fortuna avaliada em 4,5 mil milhões de dólares. Com apenas 30 anos, foi a primeira e a mais jovem mulher a conseguir uma fortuna superior a mil milhões de euros apenas fruto do seu trabalho. Mas assim como subiu também caiu. E hoje está sem nada. “A ‘Forbes’ reviu em baixa a sua estimativa da fortuna de Elizabeth Holmes para nada”, afirma a própria revista norte-americana. Os argumentos são simples: a Theranos não é cotada em bolsa, os investidores privados compraram participações na empresa em 2014 a um preço que implica uma avaliação de 9 mil milhões, as vendas anuais são inferiores a 100 milhões de dólares, e o património não vale hoje praticamente nada.

Mas como tudo começou? Como tinha medo de tirar sangue, Elizabeth Holmes quis acabar com o desconforto de o fazer. E, desta forma, revolucionar o mercado: através de uma  picada no dedo tirava a gota de sangue que iria para um mini tubo. E as vantagens não ficavam por aqui, pois seriam precisas apenas quatro horas para ter os resultados, sendo que, com essa pequena colheita, era possível fazer mais de 200 tipos de análises diferentes e o objetivo era chegar às mil. O preço era outra das vantagens apontadas. Cada teste realizado pela Theranos custava aproximadamente menos 50% do que é pedido por outros laboratórios. Os preços praticados pela empresa variavam entre os dois e os 300 dólares, valor pedido para as análises mais complexas.

A empresa foi crescendo e Elizabeth Holmes chegou a negociar a sua tecnologia com grupos hospitalares. E para mostrar não só a importância da sua inovação, mas acima de tudo credibilidade, chamou nomes conhecidos para compor a administração da Theranos. Foi o caso dos antigos secretários de Estado norte-americanos Henry A. Kissinger e George Shultz ou Larry Ellison, fundador da Oracle. À data, Kissinger não poupou elogios à empresária. “Não posso compará-la a outra pessoa, porque nunca vi ninguém com os seus atributos especiais. Ela tem uma vontade de ferro e uma forte determinação. Mas nada de dramático. Não há qualquer encenação com ela. Nunca vi qualquer sinal de que os ganhos financeiros são do seu interesse. Ela é como um monge. Não é vistosa. Não entraria numa sala e ganharia as atenções dos presentes. Mas iria consegui-lo se o tema de conversa fosse do seu interesse.”

Mas a inovação que parecia uma mina de ouro, rapidamente tombou. As dúvidas sobre a precisão dos resultados, muitas vezes incorretos, as queixas feitas pelos pacientes, que deram origem a inúmeros processos de investigação pelas autoridades norte-americanas, e a falta de um mercado ditaram a queda do império Theranos.

O artigo que saiu no “Wall Street Journal”, em outubro de 2015, acabou por dar mais um empurrão para o abismo. O jornal fez um trabalho de investigação e concluiu que a tecnologia usada pela Theranos afinal sempre tinha funcionado sem escrutínio científico. O principal diretor era um dermatologista e entre os administradores não havia ninguém com formação médica. A empresa começou a ser investigada pela autoridade de supervisão dos mercados norte-americanos. E um mês depois, foi a vez do “Washington Post” denunciar tráfico de influências.  A Theranos, que se tornou na maior ameaça aos laboratórios americanos, ao abrir em 2013 42 centros para recolha de sangue na zona de Phoenix, dois na Califórnia e um na Pensilvânia, acabou por ficar reduzida a nada.

Depois das notificações dos reguladores, chegaram as dos tribunais. Em 2016, a Theranos é alvo de vários processos judiciais por alegada fraude, oriundos de investidores e parceiros que se sentiram enganados por Holmes. Só a cadeia de farmácias Walgreens — a grande parceira da Theranos para a comercialização dos testes — processou a empresa em 140 milhões de dólares. Já o fundo de investimento Partner Fund Management, que tinha investido 96,1 milhões de dólares, processou a empresa, acusando-a de “uma série de mentiras, distorções materiais e omissões”.

O processo mais recente é já deste ano com o estado do Arizona a acusar a Theranos de estar por detrás de um “esquema de longa duração de atos danosos e falsas declarações”, num processo de alegada “fraude aos consumidores”.

Foi com apenas 19 anos que Elizabeth Holmes desistiu dos estudos e aplicou o pouco dinheiro que tinha na criação desta empresa. Em 2003, abandona então a Universidade de Stanford, onde estava a estudar engenharia química para criar a sua própria empresa. Em simultâneo desafiou o seu professor, Channing Robertson, para se juntar ao projeto. Depois de várias tentativas finalmente conseguiu os empréstimos para avançar e é nessa altura que nasce a Theranos, sediada em Silicon Valley. Foi o seu discurso assertivo que convenceu  o professor Robertson que ao início não percebia porque é que aquela jovem queria abandonar os estudos tão cedo, mas a promessa de criar tecnologia totalmente nova e que se destinasse a ajudar a humanidade em todos os níveis, independentemente da geografia ou etnia, idade ou cativou o professor. “Apercebi-me que estava a olhar nos olhos de um Steve Jobs ou de um Bill Gates”, confessou. Pelos vistos estava enganado.