Istambul: As duas caras  de uma metróple exótica

Istambul: As duas caras de uma metróple exótica


Tem perto de três mil anos de História e disputa com Londres o estatuto de urbe mais populosa da Europa. É esta cidade cosmopolita e exótica que o britânico Charles Fitzroy nos ajuda a conhecer melhor através de “A Istambul do Sultão” (ed. Bizâncio), um livro que nos leva de viagem à Turquia de 1750.


Que diferenças encontraria um viajante no tempo se pudesse comparar a Istambul atual com a urbe do Sultão Mahmud I? A Mesquita Azul, a Basílica de Santa Sofia, o Grande Bazar e os famosos banhos turcos estariam lá na mesma. Mas “em 1750 a cidade seria mais pequena, com menos trânsito e muito mais exótica”, revela o lorde Charles Fitzroy, que visitou a metrópole turca pela primeira vez em 1973 e regressou depois por várias ocasiões. Fundador da Fine Art Travel, uma agência de viagens que proporciona visitas privadas a museus e jantares à luz das velas em palácios da aristocracia local, Fitzroy é o autor de “A Istambul do Sultão por cinco kurus por dia” (ed. Bizâncio), um misto de guia de viagem e livro de História, que acaba de ser publicado em Portugal.

Com 14 milhões de habitantes, Istambul disputa hoje com Londres o título de cidade mais populosa da Europa e partilha muitas características com as grandes capitais, mas “permanece uma mistura de ocidentalizado e exótico, com uma influência muçulmana crescente. As pessoas vestem-se com uma grande variedade de estilos”, explica Fitzroy.

A peculiaridade dos vestuários é aliás um tópico que o autor aprofunda no seu livro sobre a Istambul de 1750: “Ao deambular pela rua, o leitor ficará surpreendido com a natureza exótica e a intrigante variedade do vestuário das pessoas. […] Para os turcos, a roupa é uma maneira de proclamar o seu estatuto: quanto mais elevado for, mais sumptuoso será o vestuário”. E dá exemplos: “As pessoas que trabalham exibem muitas vezes trajes característicos, como os trabalhadores do lixo que vestem camisas em pele vermelha. […] Um cavalheiro otomano quer apresentar-se o melhor possível quando aparece em público. Veste uma túnica, debruada em pele no inverno. Por baixo, usa um vestido solto de cores brilhantes, apertado com um cinto ou faixa, contendo muitas vezes documentos, uma bolsa com dinheiro ou uma adaga”.

Situada nas margens do Bósforo, a cidade foi fundada por colonos gregos no século VII a.C. Esteve sob domínio romano e acabaria até por tornar-se a capital do Império Romano do Oriente após a cisão em 395, mudando o nome de Bizâncio para Constantinopla, numa homenagem ao imperador Constantino. Porta de entrada do Oriente, manteve-se sempre na charneira entre a Europa e a Ásia e a sua skyline dá conta da convivência entre estes dois mundos: as cúpulas e minaretes das grandes mesquitas misturam-se com torres de habitação e de escritórios modernas.

Nas suas visitas a Istambul, o lorde Fitzroy sentiu-se sempre bem tratado. Mas noutros tempos, como revela no seu livro, os europeus podiam ser brindados com insultos pouco agradáveis: “Na verdade, os dragomanos [intérpretes] que acompanham os europeus vestem roupa especial e sapatos amarelos para impedir os habitantes de os atacarem. Os turcos chamam-lhes ‘porqueiros’ e Pera [o bairro onde tradicionalmente viviam os europeus] é insultuosamente referida como ‘o bairro dos porcos’”.

Cidade de prazeres

Há 250 anos, se um visitante estrangeiro tivesse a sorte de poder penetrar no círculo restrito da corte do sultão, ficaria seguramente deslumbrado com
o que ia encontrar. No interior do Palácio Topkapi, “o estilo de vida seria inacreditavelmente estranho e exótico para um ocidental”, considera Fitzroy. Composto por uma sucessão de pátios, pavilhões e outros edifícios, o palácio albergava 4000 mil pessoas, entre as quais 400 concubinas. Ciosamente guardadas no harém, “são excelentes dançarinas”. “Um diplomata veneziano, suficientemente afortunado para ver algumas em funções, comentou que eram tão sensuais que ‘seriam capazes de derreter mármore’”.

Com tantos inquilinos ali instalados, é natural que a quantidade de comida consumida fosse prodigiosa. “Calcula-se que, num ano, se come no Topkapi 30 mil bois, 20 mil vitelos, 16 mil cordeiros, 10 mil cabritos e 100 mil perus”. Naquele tempo, embora se tratasse de uma cidade marítima, os habitantes de Istambul preferiam a carne (tirando de porco, evidentemente). “Os dois pratos mais populares são as espetadas de carne (kebab), acompanhadas muitas vezes por couve, pepino, espinafres e cebolas, e o arroz frito (pilau), que coze em caldo de carne. A carne de galinha desfeita em leite também é muito popular”.

E hoje? Segundo Fitzroy, “a comida em Istambul é em geral de alta qualidade, com excelentes restaurantes, especialmente de peixe”. Mas há uma constante que se mantém: as guloseimas. E, para os turcos, que as comiam a qualquer hora do dia, “quanto mais doces, melhor”.