A falta de confiança a nível global, mesmo que se entendida numa espécie de diálogo aporético, é a crua realidade do sistema internacional neste início de 2024. No mundo em geral, mas muito em particular no Médio Oriente e claro na Europa. Tal como destacou o atual presidente do WEF Børge Brende, nunca em edições anteriores o cenário geopolítico global foi tão complexo. E sim, nunca as sombras dos riscos geopolíticos e as tensões entre Estados emergiram de forma tão visível e ameaçadora, como por estes dias. Alcançar a segurança e a cooperação num mundo fraturado foi necessariamente um dos temas base para a discussão alargada. A segurança e cooperação são objetivamente um alvo prioritário ao alcance das diplomacias políticas mundiais e dos grandes atores internacionais. Por isso Volodymyr Zelensky procurou aproveitar da melhor maneira o palco e o espaço global que lhe foi facultado, não obstante ter fracassado a possibilidade de encontro com o primeiro-ministro chinês, Li Qiang.
Neste Fórum económico, onde o topo da elite financeira e dos negócios, da indústria e da economia mundial se apresentam, o combate dirigido à recessão económica e à inflação, que decorre muito das sombras geopolíticas que se vão projetando, assume especial protagonismo. Preservar e estimular as regras do comércio mundial e garantir projetos inovadores para o futuro, são incentivos à cooperação internacional e a novos modelos de desenvolvimento. De igual forma a consagração de estratégias próprias e adequadas para as questões do clima, do ambiente e das novas energias. E concomitantemente, os desafios do futuro que na realidade já começaram, e que estão interligados: a inteligência artificial (IA), a informação e a desinformação, as questões do emprego e as migrações. Enfim, o mundo visto na sua atual complexidade pelos muitos e heterogéneos participantes no encontro anual do WEF.
Enquanto decorria esta magna reunião dos poderes globais, Israel, Gaza, Irão, Turquia, Síria, Iraque, Iémen, Líbano, Paquistão, só para falar no Médio Oriente, mantinham em lume vivo o drama do “círculo de fogo”. Os ataques continuados dos Houthis à navegação no Mar Vermelho e a resposta dos Estados Unidos e do Reino Unido. Os ataques do Irão, em Erbil na capital do Curdistão Iraquiano, atingindo com mísseis um eventual centro de espionagem israelita, a destruição de duas bases no Paquistão do grupo sunita Jaish al-Adl, pertencente à comunidade de etnia Baluchi, e os mísseis lançados contra milícias do Estado Islâmico na Síria, fizeram alargar o espaço dos conflitos existentes. De volta o Paquistão retaliou, atingindo algumas partes do Sul do Irão, justificando-se também com a atividade de grupos rebeldes. Sendo que, e de entre todas as disputas regionais, a Faixa de Gaza e o Hamas continuam a ser nesta fase, o centro de gravidade e uma parte muito contributiva para a instabilidade regional. Apenas e para já, a Arábia Saudita veio falar em possibilidades de paz!
Neste momento são quatro os grandes conflitos que vão preocupando a comunidade internacional de uma forma global. As duas guerras, em modelo clássico e devastador, a que infelizmente nos vamos habituando, na Ucrânia e em Gaza. Mas também os dois conflitos que se arrastam há décadas: a disputa entre a China e Taiwan, geradora de litígios inconciliáveis, e entre a Coreia do Norte e a Coreia do Sul, pela constante provocação regional e a ameaça de utilização de armas nucleares, protagonizada sistematicamente pela Coreia do Norte.
Mas podemos colocar a seguinte questão: o que existe de comum entre todos eles, até pelo seu alcance e perigosidade para o mundo, numa perspetiva de análise geopolítica? A resposta poderá surgir de forma imediata. Na verdade ela recai sobre os Estados Unidos, na sua qualidade de potência global e com interesses diretos aos diferentes níveis, em todos estes conflitos. São os EUA o verdadeiro “pivot geoestratégico.” Possuem o poder, os meios e a capacidade de influência junto dos atores envolvidos. E com a possibilidade de atuarem em conjunto e de forma articulada com outras potências, de modo direto ou indireto. Detêm por isso a capacidade de estimular ou alcançar a paz, ou em sentido contrário, de determinar a guerra ou gerar meios de coação para a evitar. O seu eventual regresso, como potência global a situações geoestratégicas de natureza puramente isolacionista, não deixará de criar vazios e gerar ou defraudar expetativas, nos modelos de resolução das crises internacionais e na gestão de conflitos.
Os conflitos sem aparente solução à vista, onde predomina o impasse político, diplomático e militar, são também eles, por vezes, focos geradores de novas conflitualidades. E por isso conducentes a uma perspetiva de desordem no complexo sistema internacional em que vivemos. Mas estes são e serão sempre os desafios da ordem internacional que se vão reinventando, na complexidade da geopolítica global.
E assim, voltando ao início e agora em modo conclusivo, podemos sempre dizer que sim; que é realmente necessário e urgente “Reconstruir a Confiança” do mundo geopolítico. E claro dos seus cidadãos.
Eduardo Caetano de Sousa – Coronel e especialista em geopolítica