A Europa a jogar à defesa


Entre 3 de Setembro de 1939, data da declaração de guerra do Reino Unido e da França à Alemanha, e 10 de Maio de 1940, início da invasão da Bélgica, Holanda, Luxemburgo e França pela Alemanha, viveu-se a “drôle de guerre”, “phoney war” ou “Sitzkrieg”.  


Então como hoje havia guerra: invasão da Polónia pela Alemanha a partir de 1 de Setembro, guerra russo-finlandesa (a guerra do Inverno), invasão de parte da Noruega pela Alemanha e, sobretudo, houve, como agora, uma corrida aos armamentos. A “phoney war” referia-se à frente ocidental onde o conflito tardou em ser desencadeado. A expressão alemã, ao aglutinar dois conceitos, aparentemente contraditórios, numa só palavra (Sitz – assento, e Krieg – guerra) descrevia a guerra estática, uma guerra em crescendo de possibilidade. 

Desde 24 de Fevereiro a Europa está em guerra, numa guerra por procuração, com a Federação Russa. Com enorme ajuda dos EUA os europeus fornecem, em crescente quantidade, armas, munições, combustíveis, dinheiro, treino militar, comunicações e intel à Ucrânia. Durante quase meio século as guerras por procuração permitiram manter a temperatura da Guerra Fria, afastando do continente europeu os pontos em ebulição. Tal aconteceu porque as rules of engagement eram claras em função do Tratado de Tordesilhas saído de Ialta. Dentro das respectivas esferas de influência EUA e URSS tinham rédea solta para gerir as rebeliões, sendo que estas ocorreram maioritariamente em zonas controladas pelos soviéticos. Houve alguns equívocos (guerra civil grega, revolta húngara em 1956, acompanhada no mesmo ano pelo Outubro polaco, Primavera de Praga e, em Portugal, a deriva do PREC) rapidamente controlados. Nem os EUA desencadearam a III guerra mundial para saciar a fome de liberdade de húngaros, polacos e checo-eslovacos nem a URSS apoiou militarmente os comunistas gregos ou portugueses. Outros tempos, certamente terríveis na supressão das liberdades dos indivíduos e dos povos, mas que deram saudinha à humanidade como um todo.

Para além da necessidade de alimentar uma narrativa política interna (a grandeza da mãe Rússia) Putin invadiu a Ucrânia em defesa da lógica das esferas de influência herdada da guerra fria. A fronteira do império russo foi encolhendo mas, no entender do Kremlin, ainda inclui a Ucrânia e a Bielorússia. Não deixa de ser irónica a simultânea reivindicação de garantias internacionais de segurança por parte da Ucrânia (contra a Rússia) e da Rússia (contra a NATO). Uma hipotética neutralidade da Ucrânia – inspirada pelo modelo da Finlandização, modelo que morreu no dia 24 de Fevereiro deste ano – será uma neutralidade (muito) armada dificilmente aceite pela Rússia. E será difícil convencer o parlamento ucraniano a aprovar um estatuto de neutralidade duradouro (algumas décadas) sem fortes garantias internacionais de segurança, próximas dos mecanismos de legítima defesa colectiva (de que é arquétipo o artigo 5º do Tratado do Atlântico Norte). A maioria dos membros da NATO não está disponível para dar tais garantias, equivalentes a uma adesão da

Ucrânia à NATO. Tal adesão, assumida ou equivalente, é inaceitável para Moscovo.

Sob o mote “vêm aí os russos” vai-se gastar muito dinheiro na Europa mas não é certo que melhorem significativamente as capacidades de defesa. Pela Lusitânia o orçamento da defesa também crescerá em 2023, felizmente para incluir algum investimento em meios modernos. Deseja-se uma alteração da base tecnológica das indústrias de defesa, com subida na escala de valor e uma forte aposta em programas multinacionais, tecnológicos e de formação, a decorrer em solo português.

A Europa a jogar à defesa


Entre 3 de Setembro de 1939, data da declaração de guerra do Reino Unido e da França à Alemanha, e 10 de Maio de 1940, início da invasão da Bélgica, Holanda, Luxemburgo e França pela Alemanha, viveu-se a “drôle de guerre”, “phoney war” ou “Sitzkrieg”.  


Então como hoje havia guerra: invasão da Polónia pela Alemanha a partir de 1 de Setembro, guerra russo-finlandesa (a guerra do Inverno), invasão de parte da Noruega pela Alemanha e, sobretudo, houve, como agora, uma corrida aos armamentos. A “phoney war” referia-se à frente ocidental onde o conflito tardou em ser desencadeado. A expressão alemã, ao aglutinar dois conceitos, aparentemente contraditórios, numa só palavra (Sitz – assento, e Krieg – guerra) descrevia a guerra estática, uma guerra em crescendo de possibilidade. 

Desde 24 de Fevereiro a Europa está em guerra, numa guerra por procuração, com a Federação Russa. Com enorme ajuda dos EUA os europeus fornecem, em crescente quantidade, armas, munições, combustíveis, dinheiro, treino militar, comunicações e intel à Ucrânia. Durante quase meio século as guerras por procuração permitiram manter a temperatura da Guerra Fria, afastando do continente europeu os pontos em ebulição. Tal aconteceu porque as rules of engagement eram claras em função do Tratado de Tordesilhas saído de Ialta. Dentro das respectivas esferas de influência EUA e URSS tinham rédea solta para gerir as rebeliões, sendo que estas ocorreram maioritariamente em zonas controladas pelos soviéticos. Houve alguns equívocos (guerra civil grega, revolta húngara em 1956, acompanhada no mesmo ano pelo Outubro polaco, Primavera de Praga e, em Portugal, a deriva do PREC) rapidamente controlados. Nem os EUA desencadearam a III guerra mundial para saciar a fome de liberdade de húngaros, polacos e checo-eslovacos nem a URSS apoiou militarmente os comunistas gregos ou portugueses. Outros tempos, certamente terríveis na supressão das liberdades dos indivíduos e dos povos, mas que deram saudinha à humanidade como um todo.

Para além da necessidade de alimentar uma narrativa política interna (a grandeza da mãe Rússia) Putin invadiu a Ucrânia em defesa da lógica das esferas de influência herdada da guerra fria. A fronteira do império russo foi encolhendo mas, no entender do Kremlin, ainda inclui a Ucrânia e a Bielorússia. Não deixa de ser irónica a simultânea reivindicação de garantias internacionais de segurança por parte da Ucrânia (contra a Rússia) e da Rússia (contra a NATO). Uma hipotética neutralidade da Ucrânia – inspirada pelo modelo da Finlandização, modelo que morreu no dia 24 de Fevereiro deste ano – será uma neutralidade (muito) armada dificilmente aceite pela Rússia. E será difícil convencer o parlamento ucraniano a aprovar um estatuto de neutralidade duradouro (algumas décadas) sem fortes garantias internacionais de segurança, próximas dos mecanismos de legítima defesa colectiva (de que é arquétipo o artigo 5º do Tratado do Atlântico Norte). A maioria dos membros da NATO não está disponível para dar tais garantias, equivalentes a uma adesão da

Ucrânia à NATO. Tal adesão, assumida ou equivalente, é inaceitável para Moscovo.

Sob o mote “vêm aí os russos” vai-se gastar muito dinheiro na Europa mas não é certo que melhorem significativamente as capacidades de defesa. Pela Lusitânia o orçamento da defesa também crescerá em 2023, felizmente para incluir algum investimento em meios modernos. Deseja-se uma alteração da base tecnológica das indústrias de defesa, com subida na escala de valor e uma forte aposta em programas multinacionais, tecnológicos e de formação, a decorrer em solo português.