A unificação italiana é um projecto sem fim. Do ponto de vista político a federação das diversas famílias, à direita e à esquerda, é uma tarefa quase impossível. Para o tentar facilitar foi aprovada em 2017 a enésima reforma da lei eleitoral, localmente conhecida como Rosatellum, inspirada no nome do deputado relator, Ettore Rosato.
A redução do número de membros da Câmara e do Senado foi forçada pelo populismo anti-parlamentar (a grita “menos deputados!” é um traço identitário dos populismos) mas contribui directamente para uma menor fragmentação do sistema partidário. Indirectamente a redução do número de eleitos visa promover as alianças eleitorais, com um mero programa comum (como aconteceu nas eleições do passado domingo) ou com a formalização de coligações pré-eleitorais.
O Rosatellum atribui 37% dos mandatos com recurso a círculos uninominais (com obrigação de os partidos em cada coligação eleitoral apresentarem um só candidato a cada um destes círculos) e os restantes 63% com recurso ao método proporcional. Não por acaso os pequenos partidos (entre os quais se contava então os Fratelli d’Italia…) e o partido anti-sistema (Movimento 5 Estrelas) votaram contra esta tentativa de favorecer governos maioritários e de limitar a existência de pequenos partidos (os círculos uninominais tendem a excluí-los).
De 2017 até ao passado domingo Giorgia Meloni teve tempo para esquecer o desamor pelo Rosatellum e conseguiu federar a direita italiana, tornando os Fratelli d’Italia o partido mais votado (passou de 32 para 119 deputados – 49 eleitos nos círculos uninominais – num contexto em que o número de deputados passou de 630 para 400) e, por consequência, tornou-se o senior partner da coligação de direita, reduzindo a Lega à sua expressão regional (perdeu 59 Deputados, ficando com 66) e mantendo a Forza Italia no limbo criogénico de Berlusconi (também perdeu 59 deputados, ficando com 55). Mais importante foi a queda do M5S, que perdeu 175 deputados, ficando com 52.
A coligação à esquerda foi alegremente boicotada pelo egos de Renzi e Calenda, que fizeram a sua mini coligação a dois e obtiveram 21 deputados, todos, evidentemente, fora dos círculos uninominais. O Rosatellum foi desenhado para forçar coligações partidárias. A esquerda não fez o pleno da coligação possível pelo que o aproveitamento da débacle do M5S operou uma transferência de votos para a direita e não para a esquerda.
Do ponto de vista da genealogia os Fratelli d’Italia remontam à Aleanza Nazionale de Gianfranco Fini, naquilo que foi o aggiornamento do Movimento Sociale Italiano. Fini descrevia a tentativa de sair do gueto político do mezzogiorno como uma passagem do neo-fascismo ao pós-fascismo.
Quem conheceu os Governos de Berlusconi sabia que em 2013 o envio de Fini para Presidente da Câmara dos Deputados depois de ter sido vice-primeiro-ministro e ministro dos Negócios Estrangeiros de Silvio correspondia a uma prudente tentativa de exílio dourado por parte de um primeiro-ministro que lhe invejava a aura de político de direita responsável com quem “a Europa podia falar”.
Fini não se inibiu de expressar uma opinião informada sobre as capacidades de Berlusconi. Caiu-lhe em cima um espinhoso episódio de financiamento partidário, simpaticamente servido pelos diversos serviços da República.
Fini morreu politicamente. Giorgia vive.