Uwe Seeler. A Senhora da Gadanha não perdoou nem ao rapazinho gordo

Uwe Seeler. A Senhora da Gadanha não perdoou nem ao rapazinho gordo


Goleador temível – sobretudo de cabeça apesar do seu 1,70m – figura maior do Hamburgo, ainda resolveu jogar e marcar seis anos depois de terminar a carreira.


Desta vez, a mais canalha das senhoras, a Senhora da Gadanha, resolveu levar consigo Uwe Seeler (no passado dia 21 de Julho). O primeiro jogador de futebol a receber a Grande Ordem de Mérito da República Federal da Alemanha.

Seeler foi dos mais prolíficos avançados-centro do mundo mas, quem olhasse para ele, não veria muito mais do que um homenzinho encorpado (assim até para o gordote) com apenas um metro e setenta. Ninguém imaginaria, quando começou a jogar nos jovens do Hamburgo (o clube da sua vida), que poderia voar sobre centrais da mesma maneira que o Rui Veloso cantou. O pai já também fora jogador do clube, embora sem grande fama e sem qualquer proveito. Uwe estreou-se pela equipa principal num jogo da Taça da Alemanha, no início da época de 1954, frente ao Holstein-Kiel. Vitória fácil por 8-2, mas o moço com físico de barril de cerveja não esteve pelo ajustes e não se acanhou: marcou quatro golos e mostrou ao que vinha.

Contrariamente às leis da física, Seeler tinha uma capacidade extraordinária no jogo aéreo, uma das suas principais características como goleador, também na seleção da RFA com cuja camisola jogou quatro fases finais de campeonatos do mundo, em 1958, 1962, 1966 e 1970. Nunca ganhou o título, mas esteve na final de 1966, perdida para a Inglaterra, em Wembley (2-4), e em duas meias-finais (1958 e 1970). Para compensar, e bem a seu jeito, marcou golos em todas essas fases finais, tendo somado um total de 21 jogos.

Ao longo da sua longa carreira, que se prolongou desde 1954 a 1972, assinou 137 golos em 239 jogos da Budesliga e, a par do seu irmão, Dieter, foi uma daquelas figuras eternas do Hamburgo que o clube e os seus adeptos endeusaram ainda e vida. Em troca, foi-lhes fiel. Recusou diversos convites vindos dos grandes clubes de Espanha e de Itália e só teve uma ligeira experiência fora de casa, já depois de ter pendurado as botas, no Cork City. Um episódio curioso como poucos na história cheia de curiosidades deste desporto que encanta o mundo. Com o seu antigo colega do Hamburgo, Franz-Josef Hönig, também já retirado, aceitou fazer um jogo pelo clube irlandês em troca do pagamento de um bastante razoável patrocínio. Um jogo: um jogo apenas, contra o Shamrock Rovers, em 1978. Calhou que, por acaso ou talvez não, o jogo valesse para a Liga Irlandesa e Uwe, que não perdera a ânsia das balizas, marcou dois golos. E, portanto, seis anos após o fim da carreira, somou mais dois pontapés certeiros aos 444 oficiais que marcara pelo Hamburgo. Por isso, não se deve ter importado muito que o Cork Celtic tenha sido goleado por 2-6.

 

O pé gigante

Em 2005, Uwe Seeler resolveu escrever as suas memórias. Tinha 69 anos (nasceu no dia 5 de novembro de 1936) e passara dois anos e meio complicados na presidência do Hamburgo (de 1995 a 1998), envolvido num terrível escândalo financeiro pelo qual assumiu total responsabilidade. Aqueles que muitos tratavam por Uns Uwe (o Nosso Uwe), ou como dizem os ingleses, the boy next door, manteve a humildade que lhe valeu o carinho de todo o mundo do futebol, e não só em Hamburgo e na Alemanha. O livro intitulou-se Danke, Fußball e, uma semana antes, foi descerrada em frente ao estádio uma estátua em sua honra: representa um pé direito de tamanho gigante. Algo de irónico porque Seeler tinha uns pés pequenos e era mais conhecido pelos seus golos de cabeça, como o que marcou á Itália no Mundial do México, nas meias-finais de 1970, num embate terrível que terminou 4-3 para os italianos com Beckenbauer a jogar a maior parte do tempo com um ombro deslocado e o braço amarrado ao peito.

Agora que partiu para continuar a marcar golos nas balizas da saudade eterna, fica a sua mágoa, que nunca escondeu, e é bem revelada nas suas memórias – jogou os quatro mundiais que a Alemanha não ganhou entre 1954 e 1974. O rapaz gorducho de Hamburgo tinha uma tristeza por dentro…