Na passada quinta-feira foi publicada a Resolução do Conselho de Ministros 41-A/2022, de 21 de Abril, a aplicar pela enésima vez a Lei de Bases de Protecção Civil, declarando “na sequência da situação epidemiológica da doença COVID-19, até às 23:59 h do dia 5 de maio de 2022, a situação de alerta em todo o território nacional continental”. Nessa Resolução são mais uma vez suspensos parcialmente ou fortemente restringidos os direitos fundamentais dos cidadãos, sendo de salientar o disposto no art. 6º, nº1, f) do seu anexo que estabelece que “os passageiros dos voos com origem em países considerados de risco no âmbito da situação pandémica provocada pela doença COVID-19, os quais são definidos pelo mesmo despacho, devem cumprir, após a entrada em Portugal continental, um período de isolamento profilático de 14 dias, no domicílio ou em local indicado pelas autoridades de saúde, podendo ser previstas situações de dispensa de obrigatoriedade de isolamento profilático caso seja garantido, pelos passageiros, o cumprimento de um conjunto de medidas de saúde pública definidas pela DGS”.
O isolamento profiláctico imposto a cidadãos de países terceiros por uma autoridade administrativa, sem qualquer controlo judicial, mesmo quando estes possuem teste negativo ao vírus SARS-CoV-2, constitui uma medida que já foi declarada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional no Acórdão 90/2022, de 1 de Fevereiro. Nesse acórdão o Tribunal Constitucional considerou inconstitucional norma idêntica de anterior Resolução do Conselho de Ministros, que estabeleceu que o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras poderia determinar a privação da liberdade pelo período de 14 dias e sem controlo judicial, de qualquer cidadão nacional ou estrangeiro que, sendo ou não residente em território nacional, desse entrada em Portugal em voo com origem em país constante de lista determinada pelos membros do Governo responsáveis pelas áreas dos negócios estrangeiros, da defesa nacional, da administração interna, da saúde e da aviação civil, por violação do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º, por referência ao artigo 27.º, da Constituição da República Portuguesa.
Este acórdão, tirado por unanimidade, não constitui um caso isolado, surgindo na sequência de outras decisões do Tribunal Constitucional, como os acórdãos 729/2020, 673/2021, 88/2022, e 89/2022. Em todos estes acórdãos, o Tribunal Constitucional considerou que as Resoluções do Conselho de Ministros, sendo meros regulamentos do Governo, não podem dispor sobre direitos, liberdades e garantias, que o art. 165º, nº1, b) da Constituição considera matéria da competência exclusiva do Parlamento. Por isso todas estas Resoluções padecem de inconstitucionalidade orgânica, sendo que, apesar disso, o Governo insiste em as aprovar, actuando assim sistematicamente contra a Constituição.
O art. 281º, nº2, da Constituição atribui competência ao Presidente da República, ao Presidente da Assembleia da República, à Provedora de Justiça, à Procuradora-Geral da República e a um décimo dos deputados à Assembleia da República para requererem ao Tribunal Constitucional a declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade de quaisquer normas. Infelizmente, no entanto, nenhuma destas entidades o fez até agora em relação a estas Resoluções do Conselho de Ministros, sendo que estas decisões do Tribunal Constitucional resultaram unicamente da intervenção dos Advogados que, em defesa dos seus constituintes, têm vindo a requerer aos tribunais a providência de “habeas corpus” contra esta claríssima violação dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.
É por isso que temos vindo a defender, inclusivamente na recente cerimónia de abertura do ano judicial, que em futura revisão constitucional seja atribuída à Ordem dos Advogados competência para solicitar igualmente a fiscalização da constitucionalidade das normas. Se ontem comemorámos os 48 anos do 25 de Abril, cuja maior realização foi a aprovação da Constituição e a fundação do actual regime constitucional, é essencial que essa mesma Constituição seja eficazmente defendida e cumprida, o que presentemente não se verifica em Portugal.
Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
Escreve à terça-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990