Sheriff. Os moldavos que recusam a Moldávia e disparam em todas as direcções

Sheriff. Os moldavos que recusam a Moldávia e disparam em todas as direcções


O Braga joga hoje em Tiraspol, na República Moldávia Peridniestriana. Se é Moldávia ou não, apesar do nome, está em discussão. A ONU diz que sim.


A Moldávia é um país curioso, muito curioso, vale a pena lá ir, soa a aventuras de Hergé e do seu Tintin, recorda o Ceptro de Ottokar. Desconfortavelmente entalada entre a Ucrânia e a Roménia, foi antes da dissolução da URSS, a República Socialista Soviética da Moldávia e a influência russa ainda é por demais evidente. Num universo de pouco mais de três milhões de habitantes, o número de russos, ucranianos e romenos é elevado, sobretudo depois de uma fase de êxodo dos próprios moldavos que se lançaram na aventura de emigração em bloco, Portugal que o diga.

É, portanto, na Moldávia que o Braga joga, hoje, pelas 17h30 (hora portuguesa) a primeira mão da primeira ronda da fase eliminatória da Liga Europa, frente ao Sheriff. Ou talvez não. Porque Tiraspol é a capital da região da Transnístria (uma estreita faixa de território a Leste do rio Dniestre, auto-denominada por República Moldávia Peridniestriana, já que Transnístria é expressão romena) que, apesar de reconhecida pela ONU como parte integrante da República da Moldávia, sempre se assumiu como independente e, de facto, possui uma autonomia muito particular.

Seria inevitável um forte apoio russo para que a situação se mantivesse como está desde 1990. E essa influência chegou ao futebol quando, em 1997, um grupo de russos resolveu fundar um clube inicialmente chamado Tiras Tiraspol, no ano seguinte rebatizado de Sheriff com um ligeiro toque de livros de Texas Jack. O chefe da banda (talvez lhe chamassem xerife) foi Victor Gusan, um antigo membro do Komitet Gosudarstvennoy Bezopasnosti, mais conhecido por KGB, polícia de segurança da antiga União Soviética, entretanto reciclado em responsável pela estruturação das forças policiais da tal Transnístria que eles não gostam que se chame assim, mas como também não estão a ler este artigo não vão ficar ofendidos.

Poderosos Depois de uma ano na II Divisão do futebol moldavo, o Tiras, já transformado em Sheriff, desatou a disparar em todas as direções e rapidamente tomou conta do panorama nacional. Na Divizia Nationalá (I Divisão), sob as ordens de Ahmad Latifovich Alaskarov, um antigo jogador do Azerbaijão que se tornou treinador e recebeu o grau supremo de Mestre do Desporto da URSS, em 1963, o Sheriff foi campeão. Daí para cá açambarcou 19 títulos de campeão, 10 Taças da Moldávia e sete Supertaças. Uma potência!

Esta época tornou-se o primeiro clube moldavo (moldavo?) a atingir a fase de grupos da Liga dos Campeões e cometeu a proeza de ganhar o jogo inicial ao Shackhtar Donetsk (2-0) para, logo em seguida, espantar a Europa ao ir a Madrid bater o Real por 2-1, com o golo do triunfo a ser marcado pelo luxemburguês Sébastien Thill ao minuto 89. A partir daí só mais um empate, na Ucrânia, mas um pecúlio extremamente aceitável de sete pontos que lhe permitiram manter-se nas provas europeias, caindo para a Liga Europa, com o sorteio a colocar-lhes o Braga no caminho.

Curiosamente, o Sheriff Stadium, com capacidade para 12 700 espectadores, onde os minhotos vão jogar, tem sido palco de muitos dos jogos da selecção da Moldávia. Pelos vistos, os moldavos sentem-se em casa até onde dizem que a casa não é sua e sim da tão singular República Moldávia Peridniestriana. Enfim, tem Moldávia no nome, ao menos isso, depois, quanto ao resto, eles que se entendam.

O atual treinador, Yuriy Nikolayevich Vernidub, russo, antigo defesa-central do Torpedo e do Zenit, construiu uma equipa em cima de uma manta de retalhos com jogadores das mais diversas nacionalidades, desde o ganês Kpozo ao maliano Charles Petro, do avançado brasileiro Pernambuco ao guarda-redes grego Giorgos Athanasiadis, passando por Keston Julian, da Trindade e Tobago, e por Adama Traoré, do Mali. Um grupo heterogéneo que lidera o campeonato com mais dois pontos do que o Petrocup Hincesti, mas com dois jogos em atraso. A caminho de mais um título.