Tem sido muito comum no discurso político tentar elidir o que todos no sistema judiciário há muito sabem: não está a haver investimento no combate à corrupção em Portugal, razão pelo qual esse combate está clamorosamente a falhar, conforme tem sido reconhecido, quer pela Transparency International, quer pela Comissão Europeia.
O Governo procura, no entanto, atirar areia para os olhos das pessoas com propostas de alterações legislativas que prejudicam esse combate. É assim que o Governo propõe substituir o Conselho de Prevenção da Corrupção, que tem funcionado de forma eficaz, por um novo Mecanismo Anti-Corrupção, cujo modelo de funcionamento proposto garante a sua total ineficácia.
E é assim também que o Governo se propõe consagrar na lei acordos de sentença em processo penal que, a pretexto de procurar quebrar os pactos de silêncio entre corruptos, vêm no fundo garantir que, após uma negociação com o Ministério Público os mesmos deixem de ser punidos com o rigor da lei que violaram. Isto quando as instituições internacionais criticam precisamente o escasso número de condenações e o excesso de penas suspensas nos casos de corrupção em Portugal, situação que só tenderá a agravar-se se estas medidas forem instituídas.
Mas, como a verdade vem sempre ao de cima, o Director do Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) veio pôr os pontos nos ii, referindo que o DCIAP não tem meios, não tem assessores, nem tem peritos que lhe permitam investigar a corrupção e os crimes económico-financeiros. Na verdade, trata-se de um Departamento fundado há mais de vinte anos que nem sequer umas instalações tem.
Dos quase 250 milhões do Plano de Recuperação e Resiliência para a área da Justiça, apenas um milhão de euros ou seja, 0,4% serão investidos na Procuradoria-Geral da República e no DCIAP. Isto quando são necessários peritos financeiros, peritos económicos e peritos informáticos para descobrir os crimes subjacentes ao branqueamento de capitais.
Como exemplo da sua escassez de meios, o Director do DCIAP referiu mesmo que a simples organização de uma conferência sobre criminalidade fiscal e aduaneira só tinha sido possível devido ao apoio da Autoridade Tributária, pois o DCIAP nem sequer possui meios para organizar uma conferência sobre esta temática. Consequente acabou por concluir que “assim, sinceramente, não se combate o crime”.
Mas se esta situação existe no DCIAP, que dizer do que se passa nos órgãos de polícia criminal? Ainda há dias surgiu a informação de que a Polícia Judiciária está sem Directores em três dos seus principais Departamentos: na Directoria de Lisboa e Vale do Tejo, na Directoria do Norte e na Unidade de Informação Financeira (UIF), sendo que esta última Directoria tem precisamente como função a investigação dos crimes de branqueamento, financiamento do terrorismo e dos crimes tributários, que naturalmente fica prejudicada com a falta de liderança da unidade.
Para além disso, a Associação Sindical dos Funcionários de Investigação Criminal da Polícia Judiciária (ASFIC/PJ) denuncia o facto de que a escassez de inspectores nesta polícia está a levar muitos inspectores a trabalhar fora de horas sem receber, o que igualmente prejudica o combate ao crime.
Perante esta situação dramática, a ministra da Justiça limita-se a dizer que a Polícia Judiciária vai ser reforçada em número de inspectores, esperando ter mais 200 no final de 2022, quando ainda nem sequer foi cumprida a reserva de recrutamento prevista no Orçamento de Estado para 2020.
O país assiste assim perplexo ao colapso total da nossa investigação criminal, no momento em que o aumento da criminalidade económico-financeira exigiria pelo contrário o reforço desse combate. É por isso que a actual estratégia de combate à corrupção tem que ser integralmente revista, abandonando-se propostas legislativas sem sentido e reforçando-se o DCIAP e os órgãos de polícia criminal com os meios humanos e financeiros necessários para combater o crime.