Depois de uma derrota nas últimas eleições vai voltar a candidatar-se às eleições da Ordem dos Contabilistas Certificados (OCC)…
Concorri há quatro anos, mas só cheguei aos 47,5%. Em democracia é assim: por um voto se ganha, por um voto se perde. Avaliado o estado atual em que está a profissão, a Ordem e a contabilidade achei que era meu dever, até por respeito às pessoas que votaram em mim nas últimas eleições e, pelo estado a que chegámos, que se justificava ir a votos novamente e melhorar a qualidade de vida dos contabilistas que se agravou drasticamente nos últimos tempos.
A qualidade de vida foi degradada devido à pandemia?
Temos uma duplicidade: primeiro, a pandemia veio demonstrar à economia e à sociedade em geral a importância que os contabilistas podem ter na avaliação, na determinação dos melhores caminhos e na ajuda à economia. E esse é o papel dos contabilistas: ajudar as empresas e as instituições – sejam elas públicas, privadas ou do setor social ou corporativo – a irem ao encontro dos seus objetivos. Isso vem demonstrar naturalmente a importância que os contabilistas podem ter se os agentes o entenderem nesse processo de criação e geração de valor. Em segundo lugar, a pandemia veio agravar drasticamente a situação dos contabilistas, na medida em que foram criadas condições que levaram a que fossem matéria humana e gratuita para servir o Estado, sem qualquer contrapartida.
Os contabilistas foram uma espécie de bombeiros para ajudar na aplicação dos apoios?
Exatamente. Por um lado, os contabilistas puseram de lado as suas obrigações normais que já são muito sobrecarregadas – temos um calendário fiscal apertadíssimo, em que o Estado exige cada vez mais e mais das empresas e dos cidadãos em termos de qualidade, quantidade e frequência da informação – por outro lado, houve a necessidade de apoiar as empresas e os cidadãos a recorrerem aos apoios, o que veio agravar ainda mais essa situação, uma vez que foi pedido que pusessem as contas e as suas obrigações naturais de lado para ajudar as empresas e quando regressaram às suas obrigações naturais não tiveram a ajuda do Estado relativamente à questão dos prazos. E sabe Deus em que condições é que muitas dessas obrigações foram cumpridas. Por exemplo, em 2020 houve um adiamento de prazos da entrega das declarações de modelo 22 e da Informação Empresarial Simplificada (IES). A IES que é a obrigação mais complexa teve de ser entregue, este ano, até 15 de setembro. Se em 2020 adiaram o prazo então porque é que em 2021 com o problema da pandemia em pleno exercício, com a dificuldade de circulação das pessoas e dos documentos que era maior mantiveram os prazos do ano anterior? Não faz sentido. Quando precisaram dos contabilistas usaram, quando os contabilistas precisaram de ajuda ficaram entregues a si próprios. Por outro lado, o Estado exige informação que me parece redundante e que também nos consumiu imenso tempo, porque os apoios que foram criados tinham como elemento de decisão a informação que o Estado já tinha.
Como por exemplo?
É o caso dos apoios por cessação de atividade. O Estado tem os CAE e se mandou fechar essa atividade então já tem essa informação. Além disso, o Governo decidiu os apoios tendo em conta a redução da percentagem de faturação, que é uma coisa com que não posso concordar porque a percentagem de faturação não significa coisa nenhuma e quem percebe minimamente de contabilidade e de fiscalidade percebe o que estou a dizer. Por exemplo, se fizer um adiantamento a um fornecedor ou se receber um adiantamento do cliente, o Estado obriga-me a emitir uma fatura, mas isso não significa rendimento, significa recebimento, porque pode nunca concretizar-se. O que deveria ter sido usado era o volume de negócios. O Estado já recebe todos meses a comunicação por parte dos contribuintes, das empresas e através dos contabilistas a faturação até ao dia 12 não percebo porque é que andaram a pedir novamente a certificação, ainda por cima, de quebras de faturação e de elementos de faturação que o Estado já lá tinha. No que diz respeito aos apoios relacionados com os salários, o Estado também tinha essa informação e até tem em duplicado: do lado da Autoridade Tributária (AT) a declaração mensal de remuneração e do lado da Segurança Social, em que todos os meses são comunicados os salários. Se era uma questão de apoios aos salários então deveriam ter usado a informação que já tinham, produziram internamente os apoios e depois as empresas e os contabilistas o que tinham de fazer era validar a informação. E não ao contrário, em que pediram para voltar a enviar toda a informação com a complexidade legal que entretanto surgiu.
Acha que a atual liderança da OCC deveria ter tido outra atuação perante estes problemas?
Em absoluto. Não só não se bateu pelos nossos interesses como nos conduziu a este processo. Fomos conduzidos para ‘vamos lá apoiar as empresas’ a todo o custo, sem qualquer tipo de oposição, sem salvaguardar os nossos interesses e as nossas necessidades atendendo à informação que o Estado já tinha. Depois andou a fazer formação que, na verdade, foi um serviço público mas que devia ter sido feita pelo Estado. Até podemos dizer que a instituição tem utilidade pública e que tinha essa missão mas, ao menos, que o fizesse para os contabilistas e não em canal aberto do Youtube. Por outro lado, vimos uma bastonária a fazer muito de consultora, de conselheira e de formadora mas pouco a desempenhar as funções que realmente pretendemos que é a de bastonária. Ou seja, de intervir junto do Estado, no sentido de defender os nossos interesses, de orientar com vista a simplificar o processo burocrático que é exagerado e que nos tem causado bastantes problemas, por exemplo, na atração de investimento estrangeiro. É um problema que temos de resolver. Temos de combater este excesso de burocracia e na era do digital já não se justifica. Claramente a Ordem deveria ter tido uma posição diferente.
Mas, muitas vezes, os lóbis não ajudam nesta tarefa…
Os contabilistas por estarem organizados numa associação pública têm o dever de salvaguardar o interesse público. Este tem de estar em primeiro lugar e, enquanto Bastonário era isso que faria. Neste caso, evitar que o Estado andasse a pedir informação redundante porque cria complexidade, atrasa os beneficiários porque quem precisa dos apoios tem um processo burocrático a enfrentar, quando tudo poderia ser facilitado. Além disso, não nos podemos desviar daquilo que são as nossas funções principais que é salvaguardar aquilo que é a qualidade da informação económica, financeira e fiscal das empresas e dos cidadãos na sua relação com o Estado. É para isso que serve a Ordem, não é para andar a fazer o preenchimento de pedidos de apoios, isso é complementar. Não é a nossa função principal e por isso digo que deveria ter havido uma defesa dos interesses da economia geral e dos contabilistas em particular para evitar estas redundâncias. Por exemplo, somos os interlocutores privilegiados entre o Estado, os cidadãos e as empresas e, no entanto, não temos um canal próprio para fazer essa comunicação. Quando entregamos uma declaração, quando pedimos uma informação fazemo-lo pelos canais de qualquer cidadão comum, isso não é compatível com esta relação de intermediação que o Estado exige.
Devia haver uma espécie de via verde?
Exatamente. Por exemplo, os advogados têm o Citius para comunicarem com o processo judicial. Os contabilistas também deveriam ter um canal próprio para comunicar com a AT e com a Segurança Social, não podemos estar subordinados a um sistema geral, onde poderão estar milhares de cidadãos a cumprir as suas obrigações ou a obter informações que sobrecarrega o sistema. O Estado deveria ter criado condições para exerceremos este papel de intermediação para garantir a qualidade do serviço. Neste momento, quando precisamos de esclarecimentos somos remetidos para o atendimento geral: ‘Se tiver dúvidas faça a marcação e venha daqui a um mês’. Deviam ser criados canais próprios e, enquanto Bastonário, é para isso que vou lutar.
O ideal seria existir outra relação entre a Ordem e a AT?
Claramente. A AT e o Governo não nos podem ver como mão-de-obra barata e, neste caso gratuita, de elevada qualidade. Temos de ser vistos como parceiros nesta relação e, enquanto parceiros, temos de ter direitos e obrigações. Temos de nos focar no que o nosso empregador precisa e o nosso empregador não é o Estado são as empresas. Claramente esta relação com o Estado tem de mudar profundamente.
Essas são algumas das propostas que tem na candidatura?
Defendemos grandes pilares que queremos desenvolver: a ideia de profissão, em que temos um projeto para curto, médio e longo prazo. O primeiro é recuperar a qualidade de vida porque os contabilistas têm ao longo destes anos sacrificado muito a sua vida pessoal em detrimento da profissional. Há um desequilíbrio errado, que tem consequências gravosas e que coincidiu com o burnout que a bastonária finge não existir. Não podemos ignorar esse facto porque as pessoas foram obrigadas a estar horas e horas, dias, noites e fins de semana a trabalhar para cumprirem as suas obrigações porque depois as coimas são pesadíssimas pelo não cumprimento. Isto não é como outras profissões que se não fizer hoje faz amanhã. Temos de alterar esta situação e exigir os meios adequados para podermos trabalhar e para cumprir com qualidade, com tempo e rigor a nossa função. Além disso, é preciso aumentar a sua notoriedade junto das organizações, nomeadamente nas empresas para recentrar o papel do contabilista no apoio às atividades, aos negócios, à rentabilidade, às margens, à otimização dos custos, ou apoiar as empresas do setor social ou do setor público a cumprir as suas obrigações de informação e de transparência. Não estarmos focados apenas em preencher declarações e enviar dados e dadinhos. Temos de garantir que temos tempo para nos dedicarmos àqueles que nos contratam e quem nos contrata não é a administração tributária. E depois aumentar a notoriedade, dando maior qualificação e preparando a profissão para um mundo mais digital porque preparar a profissão para um mundo mais digital é algo que temos de fazer e garantir nos próximos quatro a cinco anos, com medidas imediatas. Ainda está tudo um bocadinho agarrado ao papel, mas até a pandemia veio reforçar esta mudança, mas isso não se faz de um dia para o outro, faz-se com um plano e ações concretas e com os apoios devidos, porque o Estado ao longo dos anos tem vindo a transferir para as empresas e para os contabilistas os custos de contexto. Tem-se desmaterializado, mas somos nós que fazemos os investimentos em tecnologia, em formação e em preparação para cumprir todas as obrigações que o Estado quer. Os ganhos têm de ser para os dois lados, não podem ser apenas para o Estado.
E como vê as declarações da bastonária a dizer que a prestação de contas vai mudar radicalmente?
Isso e não só. É preocupante o que a bastonária está a afirmar porque o que está dizer é que vai acabar com a contabilidade e que é um caminho que está a seguir ao andar de braço dado com o secretário de Estado Adjunto dos Assuntos Fiscais contra as empresas. Isso não é favorável às empresas.
Em que sentido?
Tem feito da Ordem quase uma subsecretaria de Estado dos Assuntos Fiscais. A fiscalidade está a tomar conta de tudo o que são instrumentos de comunicação de informação e a bastonária está a colaborar com o secretário de Estado, nesse sentido. Está contra a contabilidade e contra os contabilistas. Não há, em termos dos organismos internacionais de contabilidade, nenhum projeto em curso para substituir o modelo de prestação de contas. O que há é uma preocupação em disponibilizar informação adicional relacionada com os aspetos ambientais, sociais, dos trabalhadores, dos direitos humanos, o combate à corrupção como informação complementar ao relato financeiro tradicional. De acordo com os dados publicados no portal das Finanças, em 2019, foram entregues 510 158 declarações de IRC, deste total só 9281 empresas é que têm um volume de negócios acima dos cinco milhões de euros e são a estas empresas que se dirigem este tipo de preocupações. Estamos a falar de 1,82% das empresas em Portugal. Há aqui uma confusão entre dimensões de empresas e aquilo que é o relato financeiro e o caminho que devíamos estar a trilhar e a desenvolver as nossas preocupações relacionadas com as prestações de contas. Além de que, qualquer mudança a este nível no futuro, implicaria naturalmente mais custos de contexto para as empresas. Então e o que acontece com as outras 500 mil empresas que representam 98% do tecido empresarial? Estas questões não são relevantes porque não se vai exigir a uma micro ou pequena empresa este tipo de informação. Sem esquecer que a Ordem não reagiu a duas declarações gravíssimas do secretário de Estado Adjunto dos Assuntos Fiscais em abril deste ano, no Parlamento, ao afirmar que quer simplificar o IRC. Tenho um método para isso que é eliminar a maior parte das correções feitas ao resultado contabilístico e usar a contabilidade e verificar a aplicação das normas contabilísticas. Isso é que deveria promover. Agora criar um IRC simplificado com base na contabilidade é uma coisa que tem de ser explicada e que não representa um bom sinal para as empresas. E depois ainda disse uma coisa mais perigosa: o futuro é o reporte dos dados à AT em tempo real, isso é uma coisa absolutamente assustadora. A bastonária devia estar preocupada com isso e não em assustar as pessoas com alterações que não existem e que só existem no imaginário dela.
Está a criar alguma apreensão junto dos contabilistas?
Sim, não só da parte dos contabilistas que, neste momento é o mais grave, como também junto das empresas porque estas não têm de estar preocupadas em alterar o seu processo de prestação de contas. Isso não faz sentido nenhum. As empresas têm de estar preocupadas em como é que vão fazer a sua recuperação económica, como vão ser eficientes e em como vão reduzir custos.
Nas últimas eleições teve quase 48% dos votos. Está à espera de melhores resultados?
Estou à espera de, pelo menos, 51%. Se não fosse para ganhar não estava nisto. Sou contabilista certificado n.º 5 porque estou desde a origem da criação da Ordem, enquanto era jovem contabilista. Sempre tive muito dedicado às associações profissionais e à regulamentação da profissão. Era jovem licenciado em auditoria e bacharel em contabilidade e já andava no Parlamento a mover influências para a regulamentação desta profissão. Esta regulamentação foi conseguida, mas a forma como está a ser utilizada aumentou a reputação e a notoriedade da profissão, mas desviou o sentido pretendido que era o apoio às empresas, à economia, à segurança jurídica e isso está desvirtuado. Quero sair da profissão deixando uma profissão melhor do que aquela que me entregaram há 30 anos. Esse é o meu grande objetivo e para isso precisamos de preparar os jovens, de lhes dar guias de orientação em termos éticos e deontológicos, em termos técnicos e de salvaguarda da responsabilidade, o que denominamos de um manual de contabilidade para integrar os jovens contabilistas na profissão. Também é preciso alterar o regime de acesso porque temos de acolher potenciais profissionais e não fazer uma segunda avaliação académica, isso não faz sentido. Se já tiraram os seus cursos não faz sentido estarmos a voltar a avaliar as competências académicas que já comprovaram nas faculdades. Se as faculdades não o fizeram é outra questão e isso é uma coisa que temos de resolver com as faculdades. Aliás, a relação com o ensino tem de ser forte e em três níveis: antes na preparação, durante o acesso e depois nas pós-graduações e nas especializações que a profissão pretende e que o ensino tem de estar preparado para dar a devida correspondência. A relação com a academia tem de ser forte e intensa. Isto para integrar os jovens na profissão e depois é preciso combater as baixas avenças. Isto é desastroso o que está a acontecer. Há uma concorrência desleal.
Desleal como?
A Ordem desregulou. Esta bastonária das primeiras medidas que tomou há quase quatro anos foi acabar com o controlo de qualidade e não substituiu por nenhum mecanismo semelhante. Se aquele não estava adequado então é preciso substituir por um que seja, mas a profissão tem de se auto regular. Tem de garantir que haja ética e deontologia cumprida e que não há um arrastar dos preços para baixo, que torna a concorrência completamente desleal. E sobre essa matéria temos propostas concretas para resolver o problema das baixas avenças e das baixas remunerações dos contabilistas que tem degradado a sua qualidade de vida. É preciso preparar a profissão para se valorizar e também para criar valor para as empresas. Depois temos que preparar a classe para novas funções que têm de estar num estado mais evoluído da profissão e que terá de confluir com aquilo que são os colégios de especialidade. Há outra coisa que me preocupa muito é que no último ato eleitoral com cerca de 69 mil contabilistas inscritos apenas 15 mil é que votaram. Estamos a falar de uma participação baixíssima face aquilo que é a vida de uma instituição com tanta gente, isso é uma responsabilidade de quem dirige porque quem dirige é que tem ter a condição de poder atrair, envolver e interagir com todos.
É uma profissão que atrai menos jovens?
Perdemos dois mil contabilistas de 2017 para 2021. Estavam inscritos 69 mil já só estão inscritos 67 mil. Isso é preocupante sobretudo pelo facto de haver muita gente a abandonar a profissão e por não estar a ser suficientemente atrativa para os recém-licenciados. Temos de voltar a criar essa atratividade porque a economia precisa das pessoas que tenham essas competências para desenvolver as atividades económicas e financeiras do país.
O combate à evasão e à fraude fiscal continuam a ser um desafio?
Enquanto existirem pessoas e empresas haverá fraude e evasão fiscal. É uma guerra sem fim, mas temos de diminuir o espetro e garantir que haja um país mais justo Mas acho que os meios que o Estado está a usar para fazer esse combate são os errados porque o que faz ao pedir todas as informações que pede representa uma intromissão indevida na vida privada das pessoas e das empresas.
Mas o IRS está agora mais controlado com o aumento de benefícios?
Dar benefícios fiscais permite criar incentivos a quem pede fatura e integra na economia alguns setores que eventualmente andavam por fora. Mas isso é paliativo, o que importa verdadeiramente é fazer a fiscalização no terreno e a verdade é que o Estado não só não faz a fiscalização no terreno, como quer cada vez mais informação sobre aqueles que já cumprem. Os que já cumprem não promovem a fraude e a evasão fiscal, podem-se atrasar, podem cometer erros, mas não são estes que promovem a fraude e a evasão fiscal. Por exemplo, em 2000, as multas e as coimas de receita do Orçamento do Estado andavam à volta dos nove milhões de euros, de há cinco anos a esta parte andam à volta dos 200 milhões de euros por ano. Não acredito que as pessoas tenham sido mais incumpridoras, o que há é que há cada vez mais obrigações e, por isso, maiores penalidades para aqueles que já cumprem. Isso não me parece estrategicamente o caminho certo porque penaliza aqueles que cumprem, o que temos é de ir à procura daqueles que não cumprem e isso faz-se com fiscalização no terreno, com a verificação da aplicação das normas contabilistas, entre outros, não é estar no gabinete a analisar dados daqueles que cumprem.
E como veem medidas como o IVAucher?
Acho que foi uma medida com pouca eficácia. E isso vai no sentido da tendência de criar incentivos fiscais para haver maior controlo, mas acabou por ser um beneficio sobretudo para o consumidor e não para a atividade económica.