A designação “Cancro de Cabeça e Pescoço” engloba todos os tumores malignos que têm o seu ponto de partida nas mucosas do tato aerodigestivo superior, ou seja da cavidade oral, orofaringe, hipofaringe e laringe e, ainda, os da cavidade nasal, seios paranasais e rinofaringe. Em 2018, o cancro de cabeça e pescoço foi o sétimo mais frequente em todo o mundo, representando 3% de todos os tumores malignos, de acordo com dados da GLOBOCAN.
Classicamente é diagnosticado em doentes de estrato etário tardio, entre os 65 e 80 anos, sendo relacionado com consumo intenso de tabaco e álcool ao longo da vida. No entanto, pode estar associado a vírus, como é o caso do carcinoma indiferenciado da rinofaringe (Vírus de Epstein-Barr), e, ao que tudo indica, de determinados tipos de cancro orofaríngeo (certos tipos de Papiloma Vírus Humano – HPV), afetando uma população mais jovem. Em qualquer dos casos a infeção teria ocorrido muitos anos antes, não estando ativa aquando do aparecimento do tumor.
Localizando-se numa região anatómica responsável pela emissão de voz e com importância primordial na respiração e deglutição, é natural que os sintomas de apresentação estejam relacionados com estas funções. Assim, as alterações persistentes da voz e/ou da deglutição, associadas ou não a dor local, e a obstrução nasal prolongada (principalmente se unilateral) associada e fetidez e hemorragia, são queixas frequentes.
É comum o sintoma inicial ser uma tumefação (gânglio) no pescoço de crescimento progressivo, que por vezes é a única queixa referida pelo doente. Este achado, bem como a rouquidão com duração superior a 3 semanas, a dor lingual ou faríngea com ou sem aparecimento de sangue na saliva, as úlceras linguais ou amigdalinas que não cicatrizam em poucos dias, bem como o aparecimento de manchas brancas na boca, são sinais de alerta frequentes, embora por si só não signifiquem presença de cancro.
O diagnóstico precoce é fundamental e o autoexame pode ser o garante da sua deteção em tempo útil: a vigilância ativa, nomeadamente adotando o hábito da autoinspeção periódica e sistemática da cavidade oral, associada a palpação do pescoço, é uma imperiosidade. Em caso de dúvida ou suspeição, o doente deverá recorrer ao médico assistente, que o saberá orientar para o centro de referência mais adequado.
A especialidade de Otorrinolaringologia é a que tradicionalmente enquadra a maioria destas situações. Após cuidadosa observação, que pode incluir uma endoscopia sob anestesia local, é necessário efetuar uma biópsia para caracterizar a lesão, seguindo-se exames de TAC ou Ressonância Magnética para complementar a avaliação diagnóstica.
A sobrevivência expectável depende em grande medida da extensão da doença. Os tumores de menor dimensão e sem disseminação nos gânglios do pescoço estão associados a melhor e maior sobrevivência.
O tratamento requer frequentemente o recurso a equipas multidisciplinares experientes e coordenadas, estando constantemente a ocorrer ensaios clínicos para melhorar sobrevivências e reduzir o impacto negativo dos tratamentos, procurando também, sempre que possível, a preservação de função dos órgãos atingidos. A cirurgia transoral LASER a as novas modalidades de Radioterapia de Intensidade Modulada, por vezes associada a quimioterapia sensibilizadora, são exemplos de opções de tratamento frequentemente utilizadas. A abordagem cirúrgica do pescoço no sentido de retirar o tumor e/ou os gânglios potencialmente atingidos é também prática frequente.
Em fases avançadas de doença os tratamentos podem ser mais agressivos e com impacto importante na qualidade de vida, nomeadamente implicando uma traqueotomia (orifício no pescoço destinado a assegurar a respiração). Ensaios clínicos vêm estudando também o papel da imunoterapia, nomeadamente em situações que escaparam ao controlo com os métodos tradicionais.
Como mensagem final, seria importante reter que este cancro é frequente e não atinge apenas pessoas com hábitos alcoólicos e tabágicos. A atenção aos sintomas iniciais e o autoexame regular da cavidade oral e do pescoço muito contribuem para o diagnóstico precoce. Quando diagnosticado em fases iniciais, é possível obter boas sobrevivências com tratamentos menos agressivos.
Eduardo Breda é Otorrinolaringologista no Instituto CUF Porto – Unidade de Cancro de Cabeça e Pescoço