Paris, 3 de julho de 1971. Na banheira de um apartamento no número 17 da Rue Beautreills jazia James Douglas Morrison, conhecido pelos amigos como Jim Morrison e pelos fãs mais obcecados como o Rei Lagarto.
A data que, este sábado, assinala 50 anos, está envolta em mistério, uma vez que nunca foi efetuada uma autopsia quando o seu corpo foi encontrado, visto que a lei francesa não o exige.
O relato mais comum é que o músico não resistiu a uma insuficiência cardíaca, provocada pelo consumo excessivo de álcool, mas o círculo mais próximo de Morrison atribui o fim da sua vida a uma overdose de heroína.
O que andava Jim a fazer em Paris? Depois de anos na ribalta como uma das estrelas mais brilhantes do mundo da música, de excessos, de concertos selvagens e tantos outros comportamentos que um mero mortal, provavelmente, não suportaria, o Rei Lagarto decidiu que estava na altura de entrar num período de hibernação.
Tinha acabado de gravar o sexto disco dos Doors, L.A. Woman, com os seus companheiros Ray Manzarek, Robby Krieger e John Densmore, um trabalho que deixou todos bastante satisfeitos – e que a crítica, mais tarde, também iria louvar (o disco apenas seria lançado após a inesperada morte de Morrison). Portanto, o vocalista bem merecia um descanso da atribulada vida em Los Angeles.
Todos acharam uma boa ideia, os membros dos Doors concordavam que estava na hora de fazer uma pausa. Acompanhado pela sua namorada, Pamela Courson, Jim Morrison voou para Paris, onde o casal alugou o apartamento número 17 da Rue Beautreills. Ali iria viver os últimos meses da sua vida.
Uma infância nómada e um lugar no topo do mundo
Douglas James Morrison nasceu a 8 de dezembro de 1943, em Melbourne, na Florida.
O seu pai era o tenente George Stephen Morrison, um dos responsáveis pelo início da Guerra do Vietname, comandante das Forças Navais americanas quando, em agosto de 1964, aconteceu o incidente do Golfo de Tonquim, que motivou o Presidente Lyndon B. Johnson a enviar as tropas para o país no sudeste asiático.
Devido à carreira militar do Morrison mais velho, a família estaria constantemente a mudar de residência, tendo passado por cidades como San Diego, Albuquerque, Texas e a Virgínia.
Como seria de esperar de um homem do exército, George Morrison era um homem severo e exigente, o que fez com que tivesse uma relação complicada com o seu filho mais velho, Jim, algo que jornalistas citam frequentemente para justificar o comportamento “rebelde” e “provocador” do músico ao longo da sua carreira.
Mas George Stephen era também um ávido pianista e sempre encorajou os seus filhos a apreciarem música. Ainda assim, nunca apoiou a carreira e as escolhas de Jim. Segundo o Business Insider, o tenente ficava “perplexo” sempre que via afixados pósteres do seu primogénito nas paredes dos quartos dos filhos dos seus amigos.
Tanto por a família estar sempre a mudar o local de residência como por causa da complicada relação com o pai, Jim tornou-se um rapaz isolado.
No entanto, na solidão, encontrou novos companheiros: Friedrich Nietzsche, Arthur Rimbaud, William S. Burroughs, Jack Kerouac, Allen Ginsberg, Louis Ferdinand Celine, Lawrence Ferlinghetti, Charles Baudelaire, Molière, Franz Kafka, Albert Camus, Honoré de Balzac ou Jean Cocteau.
A literatura passou a ocupar um espaço importante na vida do jovem e levou-o a começar a escrever e a dedicar-se à poesia.
No entanto, apesar do amor às letras, em 1964 Morrison decidiu estudar cinema, na Universidade da Califórnia, Los Angeles (UCLA), onde viria a conhecer Ray Manzarek, colega de curso, teclista e membro fundador dos Doors.
A história que se segue é já bastante conhecida.
Acompanhados ainda pelo guitarrista formado em flamenco, Robby Krieger, e o baterista com escola de jazz, John Densmore, e com o nome inspirado no livro As Portas da Percepção de Aldous Huxley, formaram uma das mais importantes bandas dos anos 1960 e da geração psicadélica, paz e amor. Os Doors só não marcaram presença no festival Woodstock porque o vocalista pensava que o festival ia ser apenas uma “imitação duvidosa” do Monterey Pop Festival.
inesperado adeus
Os Doors tornaram-se um dos maiores sucessos comerciais e de popularidade nos Estados Unidos depois do lançamento do seu primeiro disco, homónimo, em 1967, e, mais tarde, com discos como Strange Days (1967), Waiting for the Sun (1968), The Soft Parade (1969) e Morrison Hotel (1970).
No entanto, os controversos concertos, onde Morrison surgia inúmeras vezes alcoolizado e incapaz de cantar (por vezes, sentava-se no chão e deixava a secção instrumental tratar dos concertos) e as alegações polémicas do vocalista, sem papas na língua a insultar o público, levaram que a sua reputação sofresse um forte abalo. Arrastá-lo para o palco podia ser uma dor de cabeça para os outros elementos da banda, e tinha comportamentos erráticos, como um certo jantar em que voaram garrafas de bebidas pelo ar.
A gota de água terá sido o infame concerto no Dinner Key Auditorium, em Miami, na Florida, em março de 1969, quando o Rei Lagarto perguntou à audiência “querem ver o meu pénis?”.
Existem diversos relatos do que realmente aconteceu, pessoas do público e a polícia alegam que o músico efetivamente mostrou as suas partes íntimas e simulou sexo oral a Krieger, acusações que a banda sempre negou.
A verdade é que o músico, que nesta fase da vida, de forma a contrariar aqueles que apenas mostravam interesse na sua aparência em vez da sua arte, engordou e deixou crescer uma farta barba, chegou ao concerto uma hora atrasado, alcoolizado e apresentou comportamentos agressivos contra os espectadores.
Esta atitude levou a que o músico fosse detido, dando lugar a uma das “mugshots” mais famosas da história, e obrigado a comparecer a tribunal.
Todo o processo criou uma pressão sem igual sobre o músico, que gastou dezenas de milhares de dólares em advogados e em multas para poder escapar à prisão.
Enquanto Morrison enfrentava os problemas legais, os Doors fizeram uma pausa e, dado o estado psicológico do vocalista, a banda tinha dúvidas se alguma vez seria possível um regresso.
A resposta surgiria na forma de L.A. Woman, o sexto disco da banda, que este ano celebrou o seu 50º aniversário, e um regresso às origens do som dos Doors, com o blues a voltar a inundar os ensaios e as sessões de gravação.
Este álbum, que contém algumas das mais emblemáticas músicas dos Doors, como Riders on the Storm ou Love Her Madly, foi uma lufada de ar fresco e parecia abrir um novo capítulo para a banda, tendo o próprio Morrison prometido, quando já estava a viver em Paris, que estava a pensar em música para um hipotético sétimo álbum.
A capital francesa devia ter servido como uma clínica de reabilitação para Jim e, de certa forma, estava a funcionar. O músico perdeu peso, desfez a enorme barba e aproveitava o seu tempo para passear pelas ruas da cidade e arredores enquanto escrevia no seu caderno.
Contudo, a sua passagem coincidiu com uma época em que a capital francesa estava a ver as suas esquinas a serem invadidas por heroína.
Amigos do músico sugerem que este terá inalado heroína por engano, pensando que se tratava de cocaína, e o seu coração não terá resistido.
Jim Morrison morreu aos 27 anos, entrando no infame grupo que inclui ainda Brian Jones, Janis Joplin, Jimi Hendrix, que morreram antes de Morrison, e, mais tarde, se viriam a juntar também Nick Drake, Kurt Cobain e Amy Winehouse.
A inesperada morte do músico foi difícil de digerir, muitos sugeriam (e continuam a sugerir) que se trata de uma conspiração, que poderá até ter tido o envolvimento do FBI, e que Morrison continua vivo.
“O Jim foi enterrado num caixão fechado em Paris, por isso existem milhares de teorias da conspiração. O nosso agente naquela altura, que era só um miúdo, foi ver se Jim estava realmente morto e só encontrou o caixão fechado no seu apartamento. Ele nunca pediu para ver o corpo de Jim! E esse caixão foi enterrado no Cemitério Père Lachaise. Então, quem sabe! Quem sabe!”, chegou a sugerir Ray Manzarek.
Cinquenta anos depois da morte do Rei Lagarto, a sua vida e morte continuam a dar azo a mitos que inspiram fãs e conhecidos a tentar imaginar uma resposta definitiva para o que aconteceu no dia em que Morrison partiu.
Será que o músico ia conseguir reunir material para um sétimo disco dos Doors? Iria dedicar o resto da sua vida à literatura e à poesia? Recentemente, na antologia, publicada em junho, The Collected Works of Jim Morrison: Poetry, Journals, Transcripts,…, com textos inéditos do artista, era possível encontrar o guião para um filme em que Morrison estaria a trabalhar. Iria finalmente dar uso aos ensinamentos que apreendeu no curso de cinema?
Estas são perguntas a que, efetivamente, será quase impossível responder de forma satisfatória. E a única pessoa que poderia fazê-lo (dependendo da paciência que o leitor terá para as teorias da conspiração) já não se encontra entre nós.