Pequeno e despido


Devemos entender que é pela fé que na linguagem simbólica os sinais sensíveis dos mistérios inteligíveis constituem um caminho que nos conduz até eles.


Muito antes de uma grande maioria saber ler e escrever, as histórias sagradas eram fixadas pelas pinturas, pelos vitrais, pelos azulejos, pela arte… Porém, o vazio e o despojamento também nos falam, também nos ensinam.

Visitei recentemente o Convento dos Capuchos em Sintra e fiquei maravilhado. Pela austeridade, pela simplicidade, pela harmonia, pela singularidade e originalidade do lugar.

Este convento é pequeno, muito pequeno. Demasiado pequeno para o comum dos mortais. A vida que ali se adivinha é despida de qualquer luxo ou, melhor, é simplesmente despida. Completamente nua. Mas, quem ousaria nos dias de hoje sujeitar-se a tal carisma? Um louco, talvez.

Os poucos frades que ali viveram em comunidade dormiam no chão de pequenas celas, totalmente despojadas, apertadas, sem cobertores, sem colchão. Restavam-lhes os hábitos que tinham no corpo para se protegerem do frio. Nas paredes, uma cruz, também ela totalmente despida.

A entrada de cada um destes quartos era tão pequena que para a transpor era necessário ao frade ajoelhar-se – posição de penitência e devoção a que a regra os obrigava.

Praticava-se silêncio, abstinência e o isolamento era total. Os que conhecem o Portugal dos Pequenitos facilmente conseguem imaginar este convento, lugar onde se ensinava a grandeza de se ser pequeno.

O Convento dos Capuchos situa-se no coração da serra de Sintra. Isolado. Aliás, propósito indiscutível de quem o idealizou e materializou. Sente-se ali um contraste evidente com a exuberância e luxo a que Sintra nos convida. É genial. É um pórtico que nos transporta para a realidade do sagrado que, por si, evoca muito mais do que o respeito pelo religioso. Por isso, dependendo de cada cultura religiosa, somos sempre levados a viajar pelos símbolos, pelos efeitos, pelas regras da geometria, pela acústica, pela ótica. O sagrado é a dimensão para a qual o ser humano viaja e na qual se pode conhecer e encontrar.

Despertada pelos sentidos, pelas emoções e sensações provocadas por cada símbolo, por cada forma, pelo silêncio, pela luz, pelas sombras, pela presença e pela ausência a humanidade sacraliza o que está fora para depois despertar o que está dentro. Assim sendo, devemos entender que é pela fé que na linguagem simbólica os sinais sensíveis dos mistérios inteligíveis constituem um caminho que nos conduz até eles.

Que simples parece ser esse caminho. Um caminho despido, um caminho de solidão, um caminho que, embora pareça vazio, que se encontra pleno daquilo que não se vê, mas se sabe que existe. Os frades desta comunidade queriam ser os mais pequenos, os últimos.

Ensinamento que de facto contrasta com a realidade que se apoderou do nosso quotidiano. Acreditamos que o mais importante é ser-se grande… o primeiro… o maior.

 

Professor e investigador