“Sabemos que tem de haver privações, tenho os meus pais a 400 quilómetros e só vão poder conhecer a neta ao vivo, se calhar, daqui a alguns meses, mas porque é que o pai, que tem estado comigo em casa nestes últimos 22 dias, que me vai levar ao hospital e que depois virá comigo para casa, não pode estar presente no parto?”
Rita não esconde a ansiedade, mas a revolta pela falta de respostas também vai ficando maior. Aproxima-se a data prevista para o nascimento da primeira filha e a indicação que tem do hospital privado na zona de Lisboa onde vai ter a bebé continua a ser essa: devido à pandemia, não são permitidos acompanhantes. “O que incomoda mais é perceber que não existe uma orientação geral e que há hospitais onde os acompanhantes podem entrar, noutros não. Cada um parece poder fazer o que quer”.
Num grupo de grávidas que passou a partilhar entre si a ansiedade destes dias vão-se sucedendo os relatos: há consultas e ecografias a serem canceladas pelos hospitais sem propostas de alternativas. Ana recebeu esta quarta-feira uma carta do Centro Hospitalar da Cova da Beira a informar que tinha sido desmarcada a eco do terceiro trimestre, prevista para 20 de abril. “Consegui recorrer a uma clínica privada que ainda está a funcionar, mas nem sequer me sugeriram remarcar. Numa primeira gravidez, tudo é novidade e ficamos completamente desamparados”, diz, explicando que já tinha ouvido a indicação de que as ecografias de terceiro trimestre poderiam vir a ser desmarcadas e substituídas por outro tipo de avaliação, mas que não recebeu qualquer indicação. “Cada caso é um caso e podia ter havido alguma preocupação de ver se tinha ficado alguma coisa por confirmar no relatório da ecografia anterior, por exemplo haver um contacto telefónico. Já sobre o parto, não sei nada, está previsto para junho, não sei se o pai poderá estar; do que tenho lido, não.”
Já em Gaia foram enviados SMS a informar que estavam a ser desmarcados exames agendados para abril, o que apanhou de surpresa grávidas que tinham agendadas ecografias de primeiro e segundo semestre. Ao i, o Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho garantiu, no entanto, que houve um erro informático no envio das mensagens e que não será cancelada qualquer consulta ou ecografia de vigilância da gravidez. “As grávidas serão contactadas telefonicamente”, assegurou ao i fonte hospitalar. No entanto, neste hospital mantém-se por agora a impossibilidade de acompanhante no parto, restrição imposta na maioria dos hospitais nas últimas semanas. “O edifício da maternidade é dos anos 40 e não tem condições para que sejam criados diferentes circuitos de entrada que garantam a segurança”. Os acompanhantes podem fazer uma visita de dez minutos à mãe e ao recém-nascido, mas apenas até às 20h. Se o bebé nascer depois dessa hora, só no dia seguinte, condições que o hospital tenta adaptar ao momento de contingência.
O i sabe que também na Maternidade Alfredo da Costa já foram desmarcadas ecografias inclusive de segundo trimestre e a justificação dada foi não haver pessoal suficiente. Até à hora de fecho desta edição, o Centro Hospitalar Lisboa Central não esclareceu que medidas estão a ser tomadas.
Norma só para covid Esta semana, já depois de uma petição em defesa do direito ao acompanhamento no parto juntar mais de 15 mil assinaturas, a DGS publicou uma orientação sobre gravidez e parto, mas as instruções são apenas para os casos em que as mulheres sejam diagnosticadas com covid-19 ou em que exista suspeita de infeção.
Foram estabelecidos procedimentos e ficou vedada a presença do acompanhante no parto, ainda que as guidelines da Organização Mundial da Saúde sobre a gravidez no contexto da atual pandemia preconizem que esse direito não deve ser negado nem em casos positivos. Na norma, a DGS considera ainda que a separação das mães dos filhos recém-nascidos é um assunto controverso, remetendo no entanto a decisão para as instituições, tendo em conta a vontade da mãe, as instalações disponíveis no hospital e a disponibilidade das equipas de saúde. O contacto pele a pele está desaconselhado, lê-se também na norma.
Além de ser mais restritiva do que as orientações da OMS, a norma acabou por não esclarecer as restantes situações e fez crescer as dúvidas nas outras grávidas. “Explicaram-me que o pai não podia estar na box do parto porque não havia recursos humanos suficientes para desinfetar tudo o que eventualmente tivesse sido tocado. Mas não estão a testar as grávidas que entram em trabalho de parto, avaliam em função da sintomatologia. Depois vou para uma camarata com 30 mães que também não foram testadas”, disse ao i Andreia, que está a ser seguida na MAC. Até aqui, à entrada tem sido apenas pedido que preencha um inquérito sobre sintomas, mas não foi medida a temperatura. Alguns hospitais estão a começar a testar grávidas admitidas nas maternidades e, no São João, o despiste já foi alargado a todos os doentes admitidos para internamento, mas não existe também uma norma geral nesse sentido.
Diogo Ayres de Campos, secretário-geral da Federação das Sociedades Portuguesas de Obstetrícia e Ginecologia e um dos autores da orientação da DGS, sublinha que o documento não visava as grávidas sem suspeitas de covid-19, mas explica que tem havido um trabalho permanente de troca de informação e articulação de procedimentos entre obstetras e ARS. “Sei que o facto de não estar a ser permitida a entrada do acompanhante está a causar mal-estar e inquietação mas, neste momento, o grande fator limitador para as outras grávidas são os equipamentos de proteção”, diz o médico. “Esta semana há um pouco mais de folga, com a chegada aos hospitais do SNS de mais material, mas nas últimas semanas houve dificuldades, tivemos relatos de profissionais a usar as mesmas máscaras vários dias. Foi nessa altura que muitos hospitais tiveram de adotar medidas para mitigar o risco de contágio. Neste momento, o Governo anunciou a chegada de material, mas não se pode pensar só no curto prazo, temos de pensar em como se vão gerir os stocks nas próximas semanas. Havendo material suficiente, vamos voltar a ter os pais dentro das salas de parto, não queremos que percam essa experiência”, sublinha.
Diogo Ayres de Campos dirige o serviço de obstetrícia do Hospital de Santa Maria e diz que, nesta unidade, esta semana já tem sido possível fornecer uma máscara a todas as grávidas admitidas no hospital e a expetativa é que, existindo material de proteção suficiente, a partir da próxima semana possam voltar a ser admitidos acompanhantes no parto. Já a hipótese de testar todas as grávidas que entrem em trabalho de parto dependerá da disponibilidade de testes. “Alguns hospitais têm estado a avançar. Nada contra, mas prioritariamente têm de ser testadas pessoas com sintomas e contactos, e temos de planear a utilização destes recursos”.
No Santa Maria não houve até à data necessidade de cancelar ecografias, mas Ayres de Campos explica que o plano de contingência do hospital prevê que, em caso de necessidade, possam ser canceladas as ecografias de terceiro trimestre, uma vez que nestas ecografias existem alternativas de avaliação dos parâmetros, que devem, no entanto, ser acauteladas.
O i tentou perceber junto da DGS se será emitida uma norma mais abrangente sobre o seguimento de gravidez e parto no contexto da atual epidemia, mas não teve resposta até ao fecho desta edição.