Quatro décadas de trabalho dedicadas a “uma das atividades culturais mais complexas e importantes do planeta”. A definição vem delas próprias: Yvonne Farrell e Shelley McNamara, o duo que conquistou este ano o Pritzker, a derradeira distinção da arquitetura. A dupla sucedeu assim ao arquiteto japonês Arata Isozaki e, à 41.a edição, levou o “Nobel” da arquitetura para a Irlanda, país de onde são originárias e onde mantêm o seu espaço de trabalho: o ateliê Grafton. O anúncio chegou na terça-feira, com o júri a destacar “a integridade na forma como encaram os seus projetos e a sua profissão” e a “responsabilidade em nome da sustentabilidade” – característica, aliás, que fizeram questão de levar para cima da mesa na última Bienal de Arquitetura de Veneza, em 2018, que comissariaram. Na edição de 2012, a dupla tinha recebido no mesmo certame o Leão de Prata com a exposição A arquitetura como nova geografia.
Foram as participações em Veneza que as catapultaram para os círculos alargados da arquitetura, mas há muito que vinham honrando, projeto a projeto, “a História, enquanto demonstram mestria no desenvolvimento urbano e artesania na construção”, refere o comunicado do júri do prémio, este ano presidido pelo americano Stephen Breyer. “Equilibrando força e delicadeza e confirmando uma reverência pelos contextos locais, as suas instituições académicas, civis e culturais, assim como as suas casas, resultam em trabalhos modernos e impactantes que nunca repetem ou imitam, mas são decididamente a sua voz na arquitetura”, nota.
Um caminho a par e passo Yvonne Farrell (1951) e Shelley McNamara (1952) começaram a construir a sua relação dentro da academia: conheceram-se enquanto estudantes na Escola de Arquitetura da Universidade de Dublin, lê-se na biografia das laureadas partilhada na página oficial do Pritzker.
Abriram o ateliê Grafton Architects em 1978, juntamente com outros três arquitetos, dois anos depois de se terem licenciado. Escolheram dar ao ateliê não a costumeira designação dos nomes próprios dos seus associados, mas o nome da rua em que se situava, como forma de “darem prioridade à existência do espaço acima da individualidade”. Mais tarde, os outros três sócios saem e a dupla continua nos Grafton Architects.
Pela altura da inauguração do espaço já lecionavam há dois anos na Universidade de Dublin, tendo ali permanecido como docentes nas décadas seguintes. Em 2015 tornaram-se professoras adjuntas da instituição e, segundo a biografia partilhada na página do Grafton Architects, deram também aulas em Lausanne e em Mendrisio, na Suíça.
As duas arquitetas contaram, no comunicado, que sentiram o apelo da arquitetura ainda crianças. “O meu despertar para a experiência da arquitetura deu-se ainda em criança, quando visitava uma casa enorme do séc. xviii na bonita rua principal da cidade de Limerick, onde a minha tia morava. O marido dela tinha uma linda farmácia revestida a mogno no piso térreo e a minha tia tinha uma pequena escola Montessori numa sala do outro lado do hall de entrada (….). Lembro-me perfeitamente da sensação do espaço e da luz”, recordou McNamara. Já Farrell contou que uma das suas primeiras memórias arquitetónicas advém de Tullamore, no centro da Irlanda, onde cresceu, “uma cidade de ruas e praças, armazéns de pedra, casas artesanais e um canal que corta uma maravilhosa paisagem”. “Havia uma floresta de carvalhos na periferia da cidade que, todas as primaveras, fazia um tapete de campainhas. A natureza parecia muito próxima”, resumiu.
Na faculdade, depois de terem tido mestres racionalistas, fundiram a sua visão da arquitetura em alguns trabalhos icónicos, muitas vez plasmados em estabelecimentos de ensino – como a universidade milanesa Luigi Bocconi ou a Universidade de Engenharia e Tecnologia (UTEC) em Lima. E um dos mais recentes trabalhos do duo é, precisamente, uma universidade: o novo edifício da London School of Economics, cuja construção deverá terminar no próximo ano.