Nuno Artur Silva reconheceu, ainda que de apenas de forma implícita, que, segundo o contrato de cessão de quotas das Produções Fictícias ao sobrinho, poderá beneficiar dos contratos entretanto celebrados pela sua ex-produtora com a televisão pública, RTP.
Com efeito, em entrevista ao Público (publicada na edição de sábado), o secretário de Estado reconhece que o preço fixado de transmissão de quotas foi de 180 mil euros e a este poderá acrescer o pagamento de 20 mil euros se o resultado líquido da empresa em 2020 for superior a 40 mil euros.
Inicialmente, em nota enviada às redações pelo gabinete do secretário de Estado e assinada pelo próprio, Nuno Artur Silva desmentiu a notícia do SOL, afirmando que o preço fixado no contrato era de 200 mil euros e baixaria para 180 caso o resultado líquido da empresa fosse inferior a 40 mil euros. Diz o secretario de Estado e humorista na entrevista ao Público – na qual também questiona “O que há de tão duvidoso na venda da Produções Fictícias, tão clara que é?’ – que “de repente tem mais força o parecer do que a realidade de ser”.
A verdade é que o contrato, como o SOL e o i noticiaram, é claro e transparente. Nunca esteve em causa o pagamento de dividendos ao secretário de Estado mas, sim, o recebimento por este de um ‘”preço adicional” de 20 mil euros – previsto expressamente no contrato – associado aos resultados da empresa, diretamente influenciados pelos contratos celebrados com a RTP.
Por outro lado, Nuno Artur Silva fala na impossibilidade de reversão do negócio. Ora, o preço ainda não foi pago o que significa que não precisa de constar do contrato nem em nenhum acordo, ao contrário do que lhe pergunta o jornalista do Público que o entrevista. Decorre da lei: se o preço não for pago, pode o cedente reaver as suas quotas.
Tal como o SOL noticiou, a RTP celebrou nos últimos meses com a Produções Fictícias um contrato de 20 mil euros, por um programa já emitido na TV pública. A RTP está neste momento a avaliar outro contrato com a Produções Fictícias com o valor de 390 mil euros. Haverá ainda um outro projeto em fase de lançamento, realizado por Virgílio Castelo, que envolve valores acima dos 600 mil euros.
Recorde-se ainda que a ligação entre Nuno Artur Silva, a Produções Fictícias e a RTP já foi alvo de comentários na televisão. O advogado e comentador político José Miguel Júdice chegou mesmo a dizer, na SIC, que o caso é um conflito de interesses.
Em declarações ao i, José Miguel Júdice acrescentou: “Estou a basear-me no que li nos jornais. O que li nos jornais é que a empresa tem estado a trabalhar para a RTP, que é do Estado, que os resultados de 2019 e 2010 são relevantes para a determinação do preço de venda da empresa. Ora, sendo assim, acho que há aqui realmente um verdadeiro conflito de interesses. Ou a empresa não trabalhava para entidades públicas ou então o contrato não devia prever uma vantagem para a hipótese de os resultados serem mais positivos”.
À SIC, Júdice falou ainda da ligação ao Inimigo Público: “Se ele não fosse jornalista, humorista e amigo das redações, a primeira página do Inimigo Público na sexta-feira era à volta disto”, ironizou José Miguel Júdice, uma vez que o Inimigo Público é um suplemento humorístico distribuído com o Público nas suas edições de sexta-feira e produzido pela Produções Fictícias. Não foi capa do Inimigo Público, mas sim do Público.
O SOL noticiou no sábado que Nuno Artur Silva não é o primeiro sócio a “trocar” as Produções Fictícias por um lugar no Governo. Em 2008, Pinto Ribeiro vendeu as suas quotas na mesma produtora para assumir o cargo de ministro da Cultura do Governo de José Sócrates.
As relações entre a RTP e a empresa Produções Fictícias, vendida por Nuno Artur Silva ao sobrinho, são objeto de pedido de esclarecimentos da Comissão de Trabalhadores da televisão pública ao Conselho de Administração liderado por Gonçalo Reis.
A Comissão de Trabalhadores é recebida hoje pelo Conselho de Administração da RTP. Além dos contratos com a Produções Fictícias, os trabalhadores vão pedir ainda satisfações sobre outras questões controversas, como a venda de um terreno em Miramar (do antigo emissor da RTP Porto) por 600 mil euros em 2016 e que está agora à venda por mais de 12 milhões de euros.
A promoção da ex-diretora de Informação Maria Flor Pedroso, já depois de ter deixado funções (em dezembro), em quatro escalões é outro dos pontos controversos.