O problema dos incêndios não surgiu na Califórnia ou em Monchique e não deixou de arder na Austrália.


Quando se vê e lê sobre notícias de incêndios na Austrália, no Chile, nos EUA ou em Espanha ouvimos logo o facilitismo dizer que “Afinal, isto dos fogos não é um mal só nosso” ou “eles também têm problemas e não somos só nós” e ainda a ideologia bacoca que fala em mesas de café…


É impossível ignorar a catástrofe ambiental que se abateu sobre a Austrália. Os incêndios florestais destas últimas semanas, dizem os cientistas e administradores do território, irão demorar décadas para ser compensados ambientalmente e necessitarão de fortes políticas ambientais assim como de um grande apoio financeiro.

Estima-se, assustadoramente, que se tenham perdido perto de um bilião de animais. Estima-se. Apenas são contas que qualquer excel ou calculadora pode fazer. Isto porque este número parte de um estudo rigoroso e científico que avaliou por cada hectare (daquele território) a existência de perto de 150 animais vertebrados. Nunca saberemos o que o mundo perdeu e se pensarmos que arderam 10 milhões de hectares, sendo honestos, chegaremos à conclusão que é “simpático” afirmar só 1 bilião de perda animal.

Infelizmente, tornou-se uma “tradição” muito triste nesta altura do ano naquele continente. Na Austrália, com uma média de temperaturas a rondar os 40ªC, a média mais alta que a história ali registou, com os ventos fortes que favoreceram a propagação rápida das chamas, foi impossível controlar as chamas nas áreas florestais do estado de Nova Gales do Sul e muitos outros incêndios que destruíram parte da vida em Queensland, Victoria ou a costa sul e leste.

Houve perda de famílias também. Perderam-se vidas na Austrália. Igualmente, milhares de casas foram evacuadas e dezenas destruídas. Os números são horríveis.

Sobre este descontrolo de fogos também temos de relembrar a Califórnia. Em 2018, com um surreal número total de 8.527 incêndios, a costa oeste norte-americana viu arder que 7.664,394 km² de área. Foi a maior área queimada alguma vez registrada na Califórnia segundo o Departamento Florestal e de Incêndios Americano.

Entre 3 e 10 de Agosto do mesmo ano, em 2018, também tivemos descontrolo de fogos em Portugal. Do topo mais alto do Algarve, na serra de Monchique, o nosso pequeno país viu os grandes 27 mil hectares (pertencentes aos concelhos de Monchique, Portimão e Silves) arderem descontroladamente. Infelizmente não foi novidade para aquelas gentes algarvias porque já em 2013 tinham ocorrido dois grandes incêndios que queimaram 90% do território de Monchique e levaram 41 mil hectares de floresta.

Este problema não é de agora.

Se queremos ter resultados diferentes dos que tivemos já neste curto início de 2020 na Austrália, 2018 nos Estados Unidos da América ou 2013 em Portugal, temos de construir processos diferentes.

Os incêndios, naturalmente, também são por si só um resultado de erros conceptuais que exigem um debate sério e novas soluções. Entre técnicos especializados, agentes dos meios de combate, decisores políticos e proprietários de terrenos florestais como também agricultores e profundos conhecedores de cada centímetro dessas terras nos 12 meses do ano.

A dimensão deste sério problema dos incêndios rurais pode ver-se nos mais de 3,5 milhões de hectares queimados desde 1980. Este problema tem sido combatido apenas com tentativas. Tentativas de toda uma sociedade portuguesa  para “apenas” controlar as suas consequências e o respetivo impacto dos muitos fogos que temos tido.

Menosprezámos, todo este tempo, a prevenção e o conhecimento técnico para gestão de operações preventivas. Optámos por aumentar meios de combate e recursos empregues a cada momento de pânico em que toda a certeza vive rodeada de chamas e labaredas.

Nas últimas décadas não houve estratégia correta, investimentos apropriados e políticas ambientais para fazer frente às frentes de fogo. Não é hoje que se diz. São décadas de estudos suportados em análises técnicas de quem lida com esta matéria que o deduzem.

Esta estratégia errática, repetida insistentemente desde há mais de três décadas, levou Portugal a uma perda crescente de valor da floresta. Este custo ambiental, mas também social e económico, em virtude deste sistema instalado é totalmente insustentável.

Em meados de 2003 reconheceu-se publicamente – e ao nível do Estado – a ineficácia de soluções baseadas apenas no combate e virámos olhos e vontades para a prevenção. E bem!

Em 2005 houve um esfriar de vontade em prevenir os incêndios e voltou-se a apostar no reforço aos meios de combate, e a história mostra que os anos consequentes atrasaram o processo que se iniciara apenas em 2003.

Aliás, os incêndios de 2013 foram evidentemente uma consequência desta política de desprezo à prevenção durante quase uma década.

O problema causado pelo claro abandono da propriedade (agrícola e florestal), ou a relação dos portugueses com a floresta não se revolveram nem se resolvem sozinhos. Não crescem por geração espontânea e muito menos florescem debaixo das pedras.

Não é discutível o forte e claro empenho das organizações de combate a incêndios, a quem devemos ser gratos por cada combate hercúleo que travam contra fortes incêndios de norte a sul de Portugal, mas é um caminho político de consequência e reação. Jamais poderá ser uma medida política que vá corrigir os erros de várias décadas sem prevenção. Não é resposta para evoluir, é apenas aposta para corrigir.

Transformarmos e recriarmos o sistema ambiental português é difícil. Focarmos as energias na prevenção está demonstrado que custa mais do que parece à vontade política. Mas é tão difícil quanto inevitável. O claro desastre ambiental que, cada vez mais recorrentemente, assistimos por todo o mundo é a prova provada de que as receitas políticas de reforço apenas no combate estão esgotadas.

Os portugueses sabem que os fogos não têm de ser uma fatalidade sem solução. Sabem que a prevenção é o melhor remédio mas, talvez por não saberem como fazê-lo, vão-se resignando ao combate do momento.

Temos sempre, a cada mau momento, uma desculpa. Quando se vê e lê sobre notícias de incêndios na Austrália, no Chile, nos EUA ou em Espanha ouvimos logo o facilitismo dizer que “Afinal, isto dos fogos não é um mal só nosso” ou “eles também têm problemas e não somos só nós” e ainda a ideologia bacoca que fala em mesas de café em tons de “se os países ricos e organizados também não conseguem controlar os fogos…”.

Não podemos aceitar. Justificamos sempre a nossa incompetência em governar um pequeno território. Pequeno território esse, de 92 mil quilómetros quadrados que, proporcionalmente, arde muito mais do que as equiparáveis regiões desses países que foram enumerados anteriormente.

Não podemos, em primeira instância, comparar o incomparável. As diferentes temperaturas. A organização da proteção florestal e civil, por exemplo, dos Estados Unidos da América ou da Austrália, que têm sistemas próprios de prevenção que mitigam danos de propriedade agrícola e florestal (e, obviamente, residencial) porque isolam preventivamente áreas próximas de zonas de maior perigo de incêndio. Aliás, para os mais desconfiados (e para os atentos que queiram ver formas de atuar preventivamente) basta vermos o programa Fire-Wise (www.firewise.org). Temos logo aqui uma grande diferença e um grande atraso de Portugal.

Como pilar deste processo preventivo está uma sociedade informada e dinâmica. Uma sociedade atenta que pressiona as entidades públicas a resolverem os problemas florestais. Uma sociedade que atua proactivamente para que se adoptem soluções equitativas e racionais a nível municipal e regional. No somatório destas vontades surgem as administrações públicas que maximizam a eficiência dos recursos, encontrando na participação cientifica e popular o conhecimento técnico fundamental para suportar as suas decisões políticas mais difíceis.

Em Portugal temos de procurar investir e olhar para a prevenção. Não basta cortar mato e aplicar coimas aos proprietários mais desatentos. Politicamente temos de ter consciência de que combater apenas não resolve os problemas das florestas e aglomerados populacionais mais isolados e vulneráveis a fogos.

Temos de ter consciência do que isto representa. Falamos de 65% do território português. De território responsável por 3,1% do PIB e ainda por 12,3% das nossas exportações. Não é brincadeira ou “coisa pouca”.

O caminho para um resultado diferente terá forçosamente de passar por processos muito diferentes. E, acima de tudo, pela prevenção.

Carlos Gouveia Martins

O problema dos incêndios não surgiu na Califórnia ou em Monchique e não deixou de arder na Austrália.


Quando se vê e lê sobre notícias de incêndios na Austrália, no Chile, nos EUA ou em Espanha ouvimos logo o facilitismo dizer que “Afinal, isto dos fogos não é um mal só nosso” ou “eles também têm problemas e não somos só nós” e ainda a ideologia bacoca que fala em mesas de café…


É impossível ignorar a catástrofe ambiental que se abateu sobre a Austrália. Os incêndios florestais destas últimas semanas, dizem os cientistas e administradores do território, irão demorar décadas para ser compensados ambientalmente e necessitarão de fortes políticas ambientais assim como de um grande apoio financeiro.

Estima-se, assustadoramente, que se tenham perdido perto de um bilião de animais. Estima-se. Apenas são contas que qualquer excel ou calculadora pode fazer. Isto porque este número parte de um estudo rigoroso e científico que avaliou por cada hectare (daquele território) a existência de perto de 150 animais vertebrados. Nunca saberemos o que o mundo perdeu e se pensarmos que arderam 10 milhões de hectares, sendo honestos, chegaremos à conclusão que é “simpático” afirmar só 1 bilião de perda animal.

Infelizmente, tornou-se uma “tradição” muito triste nesta altura do ano naquele continente. Na Austrália, com uma média de temperaturas a rondar os 40ªC, a média mais alta que a história ali registou, com os ventos fortes que favoreceram a propagação rápida das chamas, foi impossível controlar as chamas nas áreas florestais do estado de Nova Gales do Sul e muitos outros incêndios que destruíram parte da vida em Queensland, Victoria ou a costa sul e leste.

Houve perda de famílias também. Perderam-se vidas na Austrália. Igualmente, milhares de casas foram evacuadas e dezenas destruídas. Os números são horríveis.

Sobre este descontrolo de fogos também temos de relembrar a Califórnia. Em 2018, com um surreal número total de 8.527 incêndios, a costa oeste norte-americana viu arder que 7.664,394 km² de área. Foi a maior área queimada alguma vez registrada na Califórnia segundo o Departamento Florestal e de Incêndios Americano.

Entre 3 e 10 de Agosto do mesmo ano, em 2018, também tivemos descontrolo de fogos em Portugal. Do topo mais alto do Algarve, na serra de Monchique, o nosso pequeno país viu os grandes 27 mil hectares (pertencentes aos concelhos de Monchique, Portimão e Silves) arderem descontroladamente. Infelizmente não foi novidade para aquelas gentes algarvias porque já em 2013 tinham ocorrido dois grandes incêndios que queimaram 90% do território de Monchique e levaram 41 mil hectares de floresta.

Este problema não é de agora.

Se queremos ter resultados diferentes dos que tivemos já neste curto início de 2020 na Austrália, 2018 nos Estados Unidos da América ou 2013 em Portugal, temos de construir processos diferentes.

Os incêndios, naturalmente, também são por si só um resultado de erros conceptuais que exigem um debate sério e novas soluções. Entre técnicos especializados, agentes dos meios de combate, decisores políticos e proprietários de terrenos florestais como também agricultores e profundos conhecedores de cada centímetro dessas terras nos 12 meses do ano.

A dimensão deste sério problema dos incêndios rurais pode ver-se nos mais de 3,5 milhões de hectares queimados desde 1980. Este problema tem sido combatido apenas com tentativas. Tentativas de toda uma sociedade portuguesa  para “apenas” controlar as suas consequências e o respetivo impacto dos muitos fogos que temos tido.

Menosprezámos, todo este tempo, a prevenção e o conhecimento técnico para gestão de operações preventivas. Optámos por aumentar meios de combate e recursos empregues a cada momento de pânico em que toda a certeza vive rodeada de chamas e labaredas.

Nas últimas décadas não houve estratégia correta, investimentos apropriados e políticas ambientais para fazer frente às frentes de fogo. Não é hoje que se diz. São décadas de estudos suportados em análises técnicas de quem lida com esta matéria que o deduzem.

Esta estratégia errática, repetida insistentemente desde há mais de três décadas, levou Portugal a uma perda crescente de valor da floresta. Este custo ambiental, mas também social e económico, em virtude deste sistema instalado é totalmente insustentável.

Em meados de 2003 reconheceu-se publicamente – e ao nível do Estado – a ineficácia de soluções baseadas apenas no combate e virámos olhos e vontades para a prevenção. E bem!

Em 2005 houve um esfriar de vontade em prevenir os incêndios e voltou-se a apostar no reforço aos meios de combate, e a história mostra que os anos consequentes atrasaram o processo que se iniciara apenas em 2003.

Aliás, os incêndios de 2013 foram evidentemente uma consequência desta política de desprezo à prevenção durante quase uma década.

O problema causado pelo claro abandono da propriedade (agrícola e florestal), ou a relação dos portugueses com a floresta não se revolveram nem se resolvem sozinhos. Não crescem por geração espontânea e muito menos florescem debaixo das pedras.

Não é discutível o forte e claro empenho das organizações de combate a incêndios, a quem devemos ser gratos por cada combate hercúleo que travam contra fortes incêndios de norte a sul de Portugal, mas é um caminho político de consequência e reação. Jamais poderá ser uma medida política que vá corrigir os erros de várias décadas sem prevenção. Não é resposta para evoluir, é apenas aposta para corrigir.

Transformarmos e recriarmos o sistema ambiental português é difícil. Focarmos as energias na prevenção está demonstrado que custa mais do que parece à vontade política. Mas é tão difícil quanto inevitável. O claro desastre ambiental que, cada vez mais recorrentemente, assistimos por todo o mundo é a prova provada de que as receitas políticas de reforço apenas no combate estão esgotadas.

Os portugueses sabem que os fogos não têm de ser uma fatalidade sem solução. Sabem que a prevenção é o melhor remédio mas, talvez por não saberem como fazê-lo, vão-se resignando ao combate do momento.

Temos sempre, a cada mau momento, uma desculpa. Quando se vê e lê sobre notícias de incêndios na Austrália, no Chile, nos EUA ou em Espanha ouvimos logo o facilitismo dizer que “Afinal, isto dos fogos não é um mal só nosso” ou “eles também têm problemas e não somos só nós” e ainda a ideologia bacoca que fala em mesas de café em tons de “se os países ricos e organizados também não conseguem controlar os fogos…”.

Não podemos aceitar. Justificamos sempre a nossa incompetência em governar um pequeno território. Pequeno território esse, de 92 mil quilómetros quadrados que, proporcionalmente, arde muito mais do que as equiparáveis regiões desses países que foram enumerados anteriormente.

Não podemos, em primeira instância, comparar o incomparável. As diferentes temperaturas. A organização da proteção florestal e civil, por exemplo, dos Estados Unidos da América ou da Austrália, que têm sistemas próprios de prevenção que mitigam danos de propriedade agrícola e florestal (e, obviamente, residencial) porque isolam preventivamente áreas próximas de zonas de maior perigo de incêndio. Aliás, para os mais desconfiados (e para os atentos que queiram ver formas de atuar preventivamente) basta vermos o programa Fire-Wise (www.firewise.org). Temos logo aqui uma grande diferença e um grande atraso de Portugal.

Como pilar deste processo preventivo está uma sociedade informada e dinâmica. Uma sociedade atenta que pressiona as entidades públicas a resolverem os problemas florestais. Uma sociedade que atua proactivamente para que se adoptem soluções equitativas e racionais a nível municipal e regional. No somatório destas vontades surgem as administrações públicas que maximizam a eficiência dos recursos, encontrando na participação cientifica e popular o conhecimento técnico fundamental para suportar as suas decisões políticas mais difíceis.

Em Portugal temos de procurar investir e olhar para a prevenção. Não basta cortar mato e aplicar coimas aos proprietários mais desatentos. Politicamente temos de ter consciência de que combater apenas não resolve os problemas das florestas e aglomerados populacionais mais isolados e vulneráveis a fogos.

Temos de ter consciência do que isto representa. Falamos de 65% do território português. De território responsável por 3,1% do PIB e ainda por 12,3% das nossas exportações. Não é brincadeira ou “coisa pouca”.

O caminho para um resultado diferente terá forçosamente de passar por processos muito diferentes. E, acima de tudo, pela prevenção.

Carlos Gouveia Martins