Os ministros são parte de um todo, que é o Governo. Os ministros estão comprometidos com o programa de Governo e a prossecução do interesse geral. É estranho que a parte se sobreponha ao todo, mas foi o que aconteceu e é o que acontece. Há um que é um Ronaldo das Finanças, o que não o impediu de ser colocado a jogar na linha defensiva, aquando da definição da nova equipa. O não-marca-nem-deixa-marcar serviu nos últimos quatro anos para comprometer a esquerda com as práticas e os resultados, gerando um conjunto de convergências com metas internacionais, com evidentes impactos na qualidade de serviços essenciais para as pessoas.
Durante quatro anos, o ministro com vida própria, a parte que se sobrepunha ao todo, mesmo ao líder que o escolheu, garroteou a despesa e amplificou a recolha fiscal, por via do aumento da sua carga indireta e em resultado das dinâmicas geradas.
Entre o decisivo e o empata, o ambiente positivo permitiu a obtenção do reconhecimento eleitoral nacional q.b. e o embevecimento internacional com a folha de Excel apresentada. Com rigor, o discurso político não batia bem certo com a realidade, mas a uns interessa algum dinheiro no bolso e a outros basta a perceção de que a abertura dos cordões à bolsa não é o suficiente para colocar em risco as metas comprometidas. A Europa precisa de um novo bom aluno.
Foram quatro anos assim, Orçamentos aprovados, cativados e algo executados, com anuência do Bloco de Esquerda e do PCP. O ministro Centeno, a parte sobreposta ao todo, impôs a sua vontade, com total aquiescência de quem é responsável pelo todo nos seus diversos patamares.
Houve quem tivesse sublinhado a insustentabilidade, mas era lesa-interesse partidário. O curioso é que de há algum tempo para cá sucedem-se as subscrições encapotadas dos alertas, das críticas e das incredulidades.
Nos fundos comunitários e nos transportes ferroviários mudou a narrativa e a ação, em linha com a evidente estagnação de quatro anos perdidos em algumas questões, sem capacidade para gerar novas soluções e com incompetência para mobilizar à exaustão os recursos existentes. Veja-se o caso da ferrovia, onde o senso parece ter regressado aos carris da ação governativa.
Na saúde multiplicam-se os apelos a mais investimento no Serviço Nacional de Saúde, em linha com a orientação estatal da lei de bases, a insuficiência crónica dos Orçamentos e as tendências da curva demográfica e das doenças dos nossos tempos. Em defesa do SNS, de mais financiamento e de menos bloqueios à gestão corrente pela vida própria das Finanças já se pronunciaram a líder parlamentar e o presidente do PS. Tamanho upgrade de pressão ao Ronaldo das Finanças só pode significar que se entrou noutra era, em que a parte se configurou ou se prepara para configurar ao todo. A menos que, para entreter, tudo não passe da velha rábula do polícia bom e do polícia nau.
O pacto de legislatura para o ensino superior, alegadamente com garantia de que não vão existir novelas para a descativação dos 250 milhões de euros junto das Finanças, nos próximos anos, pode indiciar a nova era.
O país, a situação política e os portugueses não aguentam mais quatro anos de uma parte com vida própria que se sobrepõe ao todo, sempre a marcar lá fora, mas sem deixar que os outros marquem cá dentro.
A parte configurar-se ao todo nas Finanças significa manter o alegado rigor, deixar de empurrar decisões com a barriga para o futuro e flexibilizar a disponibilização das verbas que, estando orçamentadas, são fundamentais para que os serviços, as instituições e a sociedade deixem de sobreviver entre a indigência e a intermitência do dinheiro desencalhado nas Finanças.
A parte configurar-se ao todo não implica que deixe de ter identidade e autoridade, significará apenas que as narrativas deixarão de estar desfasadas da realidade, conforme o comprovam intervenções supervenientes ou os apelos lancinantes, podendo ser gerado espaço para que se tenha uma visão integrada para o país, além das tecnológicas, das necessidades de agrado aos suportes do Governo ou do quotidiano.
A parte configurar-se ao todo poderá significar que as diversas partes do país, nas suas gentes e nos territórios, deixarão de ser realidades muito distantes, meras notas de rodapé inseridas numa folha de Excel e sem capacidade de expressão pública ou mediática com relevância de susto.
Andamos nisto, esperemos com mudanças e resultados, pelo todo e por todas as partes.
NOTAS FINAIS
SEMANA DE GRITOS
Ignoram-se os sinais e depois despertamos coletivamente para realidades que estavam à frente dos olhos. Foi assim com os incêndios florestais, em parte em resultado do abandono do território do interior. É assim em relação às forças de segurança e à sustentada incúria, indiferença e desleixo com que têm sido tratadas as instituições, as mulheres e os homens que nelas servem para assegurar o pressuposto comunitário da segurança e da proteção de pessoas e bens. Há uma esquerda que na dúvida, no mínimo, desconfia das forças de segurança. Há uma pseudoelite que, na dúvida do ocorrido, está sempre contra as forças de segurança. Há quem governe sem sentir necessidade de se colocar do lado da missão, perante as insustentáveis condições pessoais e operacionais e a complexidade das realidades urbanas e rurais atuais. Só disparates de sofá e de alcatifa, num qualquer corredor de Lisboa. A quem se espantou com a manifestação de quinta e com os aproveitamentos expetáveis, presentes em sinais há anos, é bom que atente no sentido do outro grito que foi dado na sexta, também em manifestação, o do mundo rural.
SEMANA ESQUIZOFRÉNICA
Parece que o fisco se enganou em 2015 e que agora, depois das legislativas, descobriram o erro e vão obrigar os cidadãos com recibos verdes a devolver uma verba. A facilidade com que o Estado destrói qualquer sentido de estabilidade e de previsibilidade das regras que estabelece é própria de um país de terceiro mundo. Tanta Web Summit, tanto Simplex e tantos recursos param a arrecadação e cruzamentos digitais e dá nisto. Ai se os portugueses, com esta ligeireza, pudessem corrigir erros de há três ou quatro anos.
SEMANA REINCIDENTE.
Falam, falam, não os vejo a fazer nada de consequente. Por muitos discursos que existam em torno da qualificação do sistema de justiça, a publicação de transcrições integrais de interrogatórios judiciais recentes em órgãos de comunicação é um atentado ao Estado de direito democrático. Nenhuma desculpa de interesse informativo ou relevância do protagonista em causa justifica tamanho atentado.
Escreve à segunda-feira