Homessa! Homessa! Ninguém queria acreditar. Quem passava pelo Largo da Alfândega esfregava os olhos, convencido de que algo de estranho lhe abalava os sentidos. Cáspite! Duas focas e três ursos?! Que diacho!
Apenas o homenzinho bêbado de cotovelos atarraxados ao balcão de mármore da taberna fronteira, ao emborcar, de golada, mais um traçadinho, não percebia tanta agitação. Afinal, fartava-se de ver elefantes cor-de-rosa e não era por isso que provocava alaridos daqueles.
Os bichos estavam lá: era um facto. Indesmentível! Irrecusável!
Duas focas e três ursos! Autênticos! Nada de peluches ou coisa do género.
Intrépido, o repórter dirigiu-se ao local com o lápis atrás da orelha e o bloco de notas no bolso de trás das calças. Que virá a ser isto? O leitor tem de saber. Está no seu direito. É essa a função do jornalista.
Os bichos estavam confortavelmente instalados no parque de estacionamento vizinho ao Ministério das Finanças, que hoje está escondido nas profundezas de Lisboa, mas na altura era a céu aberto, rodeado de palmeiras, o que, ainda por cima, dava às focas e aos ursos um muito caprichoso e pouco fiável ar tropical. Ah! E também havia um cão. Um cão de guarda. Desatava a ladrar e a mostrar os caninos de cada vez que alguém se aproximava dos camaradas animais. Os ursos esticavam as beiçolas, vaidosos, e deixavam-se instalar na modorra lisboeta…
“Se espreitarmos para lá da cancela, podemos ver as silhuetas jovens de três ou quatro raparigas inglesas”, notava, lúbrico, o repórter. “Eis quanto basta para iluminar o feio largo!”
Ora bem, umas moçoilas vindas lá da Grã-Bretanha iluminavam o Largo da Alfândega. Pois muito bem, pois muito bem. Ninguém põe em causa o gosto do escriba nem a beldade das cachopas. Mas inglesas em Lisboa não é coisa rara, ainda por cima neste último ano da segunda década do séc. XXI. Já quanto a focas e ursos… não é fácil vê-los no meio de todos os mamíferos que têm invadido a capital.“
Há duas camionetas com aspeto de transportarem cavalos. Com matrículas inglesas e holandesas”. O mistério adensa-se. Cavalos?! Também cavalos?! “Fazemos o sorriso mais amplo do receituário português – ‘Good morning!’” Um mangas, este profissional da imprensa. Respondem-lhe em castelhano, o que o desilude. “Turistas?”, questiona, bem intencionado. “No! Pertenecemos a un circo”. O castelhano transforma-se em portunhol num abrir e fechar de olhos.
O circo desceu à cidade. “Los animales son de amigos nosos. Cuidado! Los osos son peligrosos!” A inglesa desenrasca-se como pode. O repórter cofiaria o bigode, malandro, no caso de usar o acessório piloso: “Um sorriso inglês, cheio de Oxford Circus na hora de fecharem as lojas…”
A catraia explica-se como pode. Que são da trupe do Carlo’s, que estão à espera de ordem para viajarem para Espanha, que já tinham atuado no Coliseu e estavam muito chateados com as autoridades portuguesas porque não arranjaram lugar onde guardar os ursos, obrigando a bicharada a estar ali, num parque de estacionamento, vítima da curiosidade dos passantes. E um aviso: “Oiga! No saque usted ninguna foto!!!”
O repórter intrépido faz ouvidos de mercador. E admite-o nas páginas do seu jornal: “Escolhemos um ângulo e o clique do disparador garantiu-nos que o Largo da Alfândega mereceu a eternidade deste momento”.
Se a inglesa barafustou ou não, desconhece-se. “Os ursos continuam a dormir a sesta: impossível entrevistá-los. Ficamos com a recordação de uns olhos brumosos do norte”, conclui o plumitivo. Quanto às focas, nem uma palavra.