“Se tudo dependesse só de mim, ainda estaria no Benfica”, confessava Eusébio, amargurado: “Poderia ainda estar no Benfica como jogador ou como técnico. Mas as coisas nunca dependeram, nem dependem, infelizmente, só de mim…” “Continuarei a ser sempre do Benfica! É o meu clube!”, afirmava. “Quando regressei dos Estados Unidos pela primeira vez, sabia que estava em condições de poder jogar ainda no Benfica”, ia desfiando Eusébio. “Fui dizer isso, precisamente, aos dirigentes do Benfica, mas eles não me quiseram… O sr. Romão Martins disse-me que eu precisava de fazer alguns jogos particulares para o treinador, John Mortimore, ver como é que eu estava. Isso era o limite do que poderia suportar! O Eusébio à experiência no Benfica?! Simplesmente incrível! Chocante! Nem sei explicar o que senti!”, revoltava-se Eusébio. “Sou um profissional, queria continuar a jogar, surgiram-me propostas do Beira-Mar e do Belenenses, as do Beira-Mar foram melhores, eu aceitei…” “Mas com o Benfica teria feito um contrato diferente, até ao final da época, por exemplo; com o Beira-Mar ficou acertado que se me aparecesse uma proposta interessante, eu poderia sair logo. Foi o que aconteceu”, concluía Eusébio.
Eusébio em Aveiro: uma romaria de gente para o ver treinar-se no Estádio Mário Duarte; uma romaria de gente para assistir à estreia de Eusébio, num jogo particular contra o Feirense – mais de 7 mil pessoas, 250 contos de receita. Na história bonita do clube de Aveiro, essa encantadora cidade dos canais e das salinas, da Av. Lourenço Peixinho ao Rossio à sombra das fachadas dos edifícios art nouveau, a chegada de Eusébio foi um momento inolvidável.
Da Venezuela ao campeonato Manuel Oliveira, treinador do Beira-Mar: “Eusébio vai ser o pivô, o cérebro da equipa; o homem que irá mexer os cordelinhos e pôr todos os companheiros a jogar… Não consigo perceber como é que o Benfica não quis o Eusébio…”
Eusébio na Venezuela, com o Beira-Mar, enchendo páginas dos jornais venezuelanos. El Universal: “Beira-Mar con Eusébio iniciará en Caracas su gira por Latinoamérica…”; Meridiano: “Eusébio bordó maravillas… lleva 900 y tantos goles…”; Últimas Noticias: “Los lusitanos superaron 2-1 al Alianza Lima del Peru en el mejor partido del año en el Olímpico y la Pantera Negra Eusébio también se reivindicó”.
Depois, o campeonato.
Eusébio defrontando o Sporting, agora com a camisola amarela do Beira-Mar, a camisola a que os antigos chamavam “americana” por causa do tempo em que os tecidos vinham dos Estados Unidos.
Beira-Mar, 1 – Sporting, 1: golo de Eusébio. Golos aos Sporting: um vício que nunca perdeu.
Eusébio defrontando o Benfica: talvez ninguém jamais o imaginasse. Nem ele próprio, com certeza.
Foi no dia 5 de janeiro de 1977, no Estádio Mário Duarte, em Aveiro: o jogo impossível.
Beira-Mar, 2 – Benfica, 2: Eusébio jogou no meio-campo, ao lado de Manuel José e Manecas; na sua frente estiveram Sousa, Abel e Rodrigo; a camisola n.o 10 do Beira-Mar foi sua, a sua camisola n.o 10 do Benfica foi de Chalana.
“Nunca tinha pensado em vir um dia a defrontar o Benfica”, diria Eusébio no final do jogo. “Quando assinei contrato com o Beira-Mar, pensei seriamente em colocar nele uma cláusula que me permitisse não jogar contra o Benfica… Mas tenho de ser profissional e, além disso, o Beira-Mar veio para este jogo muito desfalcado…”
5 de janeiro de 1977: Eusébio não marcou nenhum golo; aos 75 minutos, queixoso, deu o seu lugar a Paco; há quem diga que, uns minutos antes, se tinha recusado a marcar um livre direto por ter a certeza de que faria golo – não é verdade. Eusébio não sabia jogar sem a baliza adversária a faiscar-lhe nos olhos; os registos do jogo são claros: Eusébio rematou mais à baliza do que toda a equipa do Benfica.
5 de janeiro de 1977: Eusébio faria 35 anos 20 dias depois.
Benfica-Eusébio: o jogo impossível aconteceu.