Mais um Grande Prémio, mais quatro pontos.
Parece fácil.
Não é.
Miguel Oliveira, o Falcão, cai pouco.
Cai pouco nos testes, cai pouco nos treinos e nas sessões de aquecimento.
Cai pouco nas corridas, muito pouco.
Não arrisca como os outros, dir-me-ão.
A física, com o seu mundo de equações, impõe limites que definem as abordagens possíveis às curvas com velocidades altas.
Descobrir esses limites passo a passo mantendo viva a competitividade, enchendo o papo, não grão a grão mas milésimo a milésimo, é arte ao alcance de poucos.
Uma equipa que tem de gerir o material à disposição, peças que custam milhares e dezenas de milhares para início de conversa, que tem de gerir o tempo disponível para saídas para a pista quando aborda uma sessão de qualificação, deve apreciar bastante o binómio eficiência/consistência que lhe apresentam pilotos como Oliveira.
Não devia ter ido já para a MotoGP, escuto por vezes em relação ao Miguel, achando os defensores de semelhante teoria que um ano mais em Moto2 lhe poderia trazer o título e mais moral.
Nem sei por onde começar, se olhando a Brad Binder e a Luca Marini, dois fortíssimos oponentes do ano passado e que esta época enfrentam enormes dificuldades, naturais numa mota que é nova para todos (novos motores Triumph), se olhando ao percurso de Miguel, pautado por opções ponderadas e em que conquistou o direito de lhe ver abertas novas portas a cada passo em frente, ou se analisando o panorama das disponibilidades na disciplina rainha, onde a possibilidade de arranjar uma cadeira, leia-se mota, leia-se oportunidade, é fruto de uma complexa teia de influências, desde o mercado do país dos pilotos, passando por manobras de patrocinadores e análises exaustivas do comportamento dos candidatos em situações diversas.
Mais um GP terminado então, Barcelona está feito.
Passaram-se 28 sessões de treinos livres, mais sete de qualificação e outras tantas de aquecimento para a corrida.
Correram-se perto de 150 voltas a fundo, naquela pressão brutal e imaginável de discutir posições a duzentos e muitos à hora, por vezes 300.
Na classificação geral, o rookie Oliveira tem atrás de si nove pilotos, entre eles o campeão em titulo de Moto2, Pecco Bagnaia, que conduz uma Ducati; tem ainda atrás de si Iannone, Brad Smith, Tito Rabat e Karel Abraham, que têm uma experiência alargada nestes monstros de potência e eletrónica.
Dista quatro pontos de Zarco, outro campeão, experiente e com uma mota de fábrica da KTM; está a sete de Jorge Lorenzo, que dispensa apresentações e pilota uma Honda de fábrica; separam-no dez pontos de Joan Mir numa Suzuki oficial.
Parece fácil concluir que, por aqui, nada é ao acaso, as coisas não caem do céu, nem os tempos por volta, nem os resultados… nem as motas.
Miguel cai pouco porque cai pouco e tem um dom, o de buscar o limite quase sempre em pé.
O que me parece ver cair com mais assiduidade são a fé e a esperança de tantos e tantos que teceram loas ao divino quando o Falcão foi acolhido naquele restrito mundo, perante este compasso de espera de quem apara as garras com o saber e a metodologia de quem um dia traçou um sonho como meta, quando em tenra idade de menino criança disse, sem pestanejar, que queria ser como o Rossi, essa lenda de número 46.
E esse que um dia sonhou, meus senhores, esse cai pouco.
Caiamos nós pouco também.