O stalking está generalizado em Portugal e afeta de forma significativa a população do país. A conclusão é do estudo “Stalking victimization in Portugal: Prevalence, characteristics, and impact”, publicado no International Journal of Law, Crime and Justice e que, pela primeira vez, faz o retrato do fenómeno em Portugal.
A investigação – da autoria de Marlene Matos, Vanessa Azevedo e Mariana Gonçalves, da Faculdade de Psicologia da Universidade do Minho, e de Helena Grangeia (Instituto Universitário da Maia), Célia Ferreira (Universidade Lusófona do Porto) e Lorraine Sheridan (Curtain University – mostra que são as mulheres quem está mais vulnerável a este tipo de crime, previsto desde de 2015 no Código Penal português e descrito como perseguição (artigo 154.º – A). Já “as dinâmicas que caracterizam a perseguição e a procura de ajuda não variam de forma significativa consoante o sexo”, conclui o artigo. Variam, sim, na perceção social do impacto que a perseguição tem para a vítima, o que leva as investigadoras a concluir que “a sociedade e as instituições que apoiam as vítimas devem reconhecê-lo e adotar uma abordagem inclusiva independentemente do género”.
Igualmente evidente para as investigadoras é a relevância que a relação prévia entre a vítima e o stalker assume, “quer em termos da diversidade e duração do stalking, quer em termos do impacto do stalking” – quanto mais próxima a relação, maior a diversidade e a duração da perseguição. Por isso, defendem as autoras, “é importante que os profissionais estejam conscientes e alerta para as realidades do stalking no rescaldo dos relacionamentos, para que estes padrões de comportamento não sejam negligenciados e possam ser endereçados”. Até porque, assinalam, muitas vítimas não procuram qualquer tipo de ajuda.
Para as investigadoras, de resto, o estudo assume-se como um ponto de viragem porque derrota “argumentos de que o stalking só existe em novelas e filmes, perpetrado apenas contra figuras públicas e que tem uma vitimização reduzida”.
A investigação baseou-se em entrevistas com vítimas de stalking entre os 16 e os 94 anos, totalizando uma amostra de 1210 participantes residentes em todo o país. Desses, 52,9% eram mulheres. A maioria dos participantes – 59,7% – referiu ter experienciado apenas uma situação de stalking. 71,9% revelaram que o stalker era alguém próximo, enquanto apenas um em quatro participantes diz ter sido perseguido por um estranho. Entre os comportamentos de stalking mais reportados, encontram-se a tentativa de estabelecer contacto – o telemóvel e as redes socias assumem-se aqui como uma ferramenta primordial –, o aparecimento em locais onde a vítima está. O ‘agressor’ acaba por infernizar a vida da vítima, aparecendo nos locais mais improváveis, quando menos se espera. O caso mais mediático foi protagonizado pelo vocalista dos UHF que se queixou de durante seis anos ter sido vítima de perseguição por uma fã. O caso acabou em tribunal e a stalker foi condenada. António Manuel Ribeiro acabou por escrever um livro sobre a experiência que passou.
Na investigação, quase metade dos participantes (41,9%) admitiram ter sido confrontados com o fenómeno com uma frequência diária ou semanal. A duração da perseguição prolongou-se por dois a seis meses no caso de 53.6% dos inquiridos, enquanto 15,3% revelaram que foram perseguidos durante mais de dois anos.
A perseguição afetou as vítimas de várias formas: tanto ao nível da saúde mental (36,6%), como ao nível comportamental, obrigando-as a mudanças no modo de vida (25,4%), mas também nas suas relações íntimas (23,4%). Ainda assim, a maioria dos participantes, 59,3%, não procurou qualquer tipo de ajuda. Entre aqueles que o fizeram, as mulheres destacam-se relativamente aos homens, que procuram menos ajuda.
Queixas estão a aumentar As conclusões da investigação mostram que a desvalorização do comportamento de stalking pelas vítimas ainda é recorrente, mas a verdade é que as queixas relativamente ao problema têm vindo a aumentar. É isso que revelam as contas da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV), que registou 412 queixas em 2016, 422 em 2017 e 470 em 2018. Ao i, o psicólogo Daniel Cotrim enfatiza que muito dos casos que chegam à associação se inserem em quadros de violência doméstica e que é isso que justifica o aumento das queixas relativas ao stalking. “No fim das relações conjugais temos verificado aquela ideia de perseguição, ‘se não és minha, não és de mais ninguém’, e a nossa experiência mostra-nos que esse é o momento do risco”, explica. Contudo, nem sempre a lei teve isso em conta: Daniel Cotrim esclarece que “a lei versa sobre comportamentos de perseguição perpetrados por estranhos, tendo só mais tarde sido incluída uma espécie de conexão com a violência doméstica”.
E a lei protege as vítimas? A resposta do responsável da APAV aponta em sentido negativo. “No crime de perseguição, as medidas de coação só são aplicadas depois de haver julgamento. Por isso, temos defendido a colocação das medidas de coação e de proteção a priori, ou seja, existirem antes de haver julgamento. Assim, garantia-se às vítimas proteção na altura da denúncia ou da queixa do crime”. Hoje, fazer a denúncia, lamenta Daniel Cotrim, não é sinónimo de proteção. Contudo, a classe política está atenta: com a intenção de preencher essa lacuna, o PAN deu entrada de um projeto de lei no Parlamento que será discutido na generalidade no dia 16 de abril. “Esta lacuna já foi identificada por algumas entidades, como referimos na exposição de motivos. Nomeadamente, o Instituto de Direito Penal e Ciências Criminais da Faculdade de Direito ou o Conselho Superior do Ministério Público”, assinala ao i Cristina Rodrigues do PAN. “Aquilo que verificámos foi que o crime de perseguição, conhecido como stalking, é visto ainda como um crime menor e isso depois reflete-se na moldura penal que tem, que só vai até aos três anos. Mas a verdade é que este crime pode ter um impacto muito grande na vida da vítima, porque acaba por constrangê-la no dia-a-dia. E é possível impor determinadas condutas aos agressores que já são impostas noutros crimes, como na violência doméstica. Uma pessoa vítima de stalking tem de esperar até ao julgamento para ver os seus direitos assegurados, e o que nós introduzimos é a possibilidade de não ter de ser assim e de ter proteção antes. Propomos um mecanismo que se chama botão de pânico, um pequeno dispositivo que as pessoas podem transportar com elas e em caso de se verem aflitas podem acionar e a polícia é contactada”, especifica. A par desse mecanismo, o projeto de lei prevê também a proibição de contacto do perseguidor à vítima antes do julgamento ou proibição da permanência em determinada área geográfica, entre outros.