Para os argentinos terá sido um Fado a acompanhar o par que dançou o Tango, testando o soalho por onde os pés afrontavam o ritmo que tanto mundo apaixonou, andando Miguel bailando com Oliveira, de 16.o para 19.o, novamente de 16.o para 19.o, falando nós dos tais treinos livres, preenchendo a sexta-feira e parte de sábado, quando, de repente, naquela voz de fadista que busca a imensidão da garganta, entra no mundo da Q1 e espanta os presentes, ficando a tão pouquinhos oito centésimos de ser convidado para o baile real da Q2, mas ficando à porta sem tristezas, antes com um lindo sorriso, oferecendo sapateado na manhã da corrida, quando se aquecem as expetativas, sentando-se pela primeira vez num top-10, mais especificamente no lugar nono, que é como quem diz naquele espaço onde vai cabendo cada vez menos gente.
E se, no Qatar, o barulho, as luzes e a lonjura dos deuses das coisas justas fizeram que o motor da sua austríaca e afrancesada companheira se calasse antes da partida, atirando-o para o fim da grelha no início das hostilidades, já nesta terra de El Cachafaz se apresentou garboso e decidido em início de tarde de festa, porque se há povo que bem recebe e bem celebra, o argentino é um deles.
Da corrida e de sua história podemos rapidamente perceber que muitos ficaram para trás do 88, vendo afastar-
-se aquele binómio azul-petróleo com anéis laranja, e nesses muitos se encontrarão alguns dos que vão começando a perceber o que quis significar um dia Morbidelli quando lhe apontaram na placa que na sua peugada chegava Oliveira, percebendo o ítalo-brasileiro que vinham por ali problemas.
E se, nas bancadas, o comum espetador vai anotando quem é e de quem se trata, se todos nós vamos quase achando normal ver o nosso menino esgravatar pontos na sua segunda corrida nesta categoria, já para uma extensa lista de comentadores, de Belmonte a Nejaim, passando por todo um enorme contingente de espanhóis, italianos, ingleses, malaios, australianos, americanos e o mais que nos lembremos por aí fora, é a certeza de que aquele menino que acompanham há tantos anos chegou ao seu lugar e destino natural, o de lutar pelos lugares mais altos neste desporto que apaixona milhões e escolhe 20 almas, ou poucas mais, para o divino e celestial combate do mais rápido homem em cima de uma infernal e inimaginável besta de cavalos sem fim.
É domingo e fim de tarde.
Hoje, deixando de lado e lá longe as taquicardias que noutros momentos entregamos a outros guerreiros que nos puxam a adrenalina, que bonito será imaginar uma tão grande irmandade sorrindo com cinco pontos no bornal da esperança, cinco pontos que foram, no entanto, apenas os primeiros de tantos que queremos ajudar a conquistar.
Apoiado em todo o lado, como um sonhador também chamado Miguel, teima em insistir, arregimentando locais de tertúlia e crença, juntando pessoas e mais pessoas em cada vez mais sítios e locais de culto onde, à hora sagrada a que se apagam as luzes vermelhas, todos respirem o mesmo voo do Falcão.
Que daqui para a frente e em cada dia de MotoGP, todo o Portugal, o geográfico e o espalhado pelo mundo, te espreitem e sonhem naquele ecrã onde nos fazes correr tão rápido.
Parece tão fácil voar.