Tratando-se de um Falcão luso que voa numa austríaca e mecânica beldade, em parceria com um malaio, um espanhol e um francês, devorando elipses e hipérboles no asfalto à vertigem de quilómetros supersónicos desde as Arábias às Américas, fora a Europa de alto a baixo, muito mundo caberá pois então.
E, acreditem porque da verdade não foge, seja em Carrazeda, em Nova Iorque, em Macau ou ali à Graça, não haverá pedaço de terra com pessoal como nós, feitos de lusitana receita e oliveira paixão, onde não se amparem com mão invisível aqueles abusos geométricos e gravitacionais de curvas à esquerda e à direita, onde tudo parece dançar à volta do mistério das décimas de segundo que são para os pilotos como grãos que enchem o papo, ou neste caso o pódio.
Quieto esperava povo este que é teu Falcão
Sonhando e na garganta guardando um nó
Indagando agora bem nos olhos da multidão
Dizem-te eles que nunca mas nunca voarás só
Porque na raça e no talento de menino afoito
Chegou finalmente ao MotoGP o oitenta e oito
E desbravando caminho até à bandeirada que se oferece aos eleitos, escondendo do vento a tua cara de menino, oferecendo-lhe aquele sorriso de quem sabe ser um guerreiro de alma até Almeida, diz-nos lá Miguel, recordando quem até ali sempre te acreditou, quem ali te protege ao longe, diz-nos lá se não será talvez a mais bela solidão do mundo, porque é feita de toda a tua gente e de toda a gente que se fez tua, diz-nos lá se não é solidão onde nunca voaste só?
Sabes, tens de saber, quantos amigos, antigos e recentes juntas num mesmo grito, no mesmo suspense, numa igual bandeira? Quantos fazes pular, saltar, tremer e festejar?
Deixa-me contar-te Falcão a mais estranha curva que me trouxeste, andava eu esgravatando pelos teus feitos lá mais longe no tempo, querendo saber quem eras de facto, porque te confesso que de motas nunca fui sabedor, nem de conduzi-las nem de lhe conhecer campeões, foi naquela corrida em que depositaste uma Mahindra no altar das divinas que me apanhaste, e então dizia eu, andava eu revolvendo coisas de sucesso acontecidas e outras que tal nem tanto, quando os meus escritos chegam a um velho amigo, velho de muito antigamente, coisa do tempo de adolescente que toca a todos, e eis que ele me confessa paixão desabrida por essa coisa das motas, e palavra puxa palavra, a malta reencontra-se na oratória e nas risadas, e tudo começou afinal contigo e teus feitos.
Enquanto voavas Falcão por aquelas mil curvas afora, em tanto circuito e tanto mundo, voava ele, o meu camarada Furtado, de sua graça Rui, ou Cenoura para a gente de perto do coração, perdido no tempo há tempo imenso, contando-me agora acerca de trajetórias que ligavam o velho liceu de Chelas, à mais bela e sofrida Luanda, a Pernambuco e Minas que o haveriam de abrasileirar e assim lhe dar mais encanto. Como ficou danado de lindo o velho corredor das tardes prazenteiras do Dom Dinis …. como foi bom recebê-lo de volta a esta casa que é a sua, regressou a Portugal, vê lá tu Miguel, tu que tanto vais e tanto voltas, chegando ele mais arredondado e leve de cabelo mas eternamente devoto às motas e suas inevitáveis e infinitas seduções, quem diria, eu que o tinha por um simples, louco e selvagem amante da liberdade, apenas isso.
E agora os dois fãs. Adeptos. De ti.
Há solidões tão estranhas, não achas Oitenta e Oito?