O primeiro-ministro e a ministra da Saúde vão estar esta semana na estrada, num roteiro dedicado ao SNS. A iniciativa veio a público há uma semana, quando Marques Mendes deu nota do roteiro para depois do Carnaval. Na passada sexta-feira, a ministra da Saúde confirmou o périplo do governo “para conhecer melhor aquilo que é a realidade das coisas boas e das coisas menos boas que acontecem por esse país”.
Não foi divulgado o programa da semana, apenas a nota de agenda para esta segunda-feira, com a inauguração do novo edifício do Centro de Saúde de Odivelas, com capacidade para 41 800 utentes – um investimento de 1,4 milhões de euros suportado pela Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, pela Câmara Municipal de Odivelas e por fundos comunitários. O i conseguiu apurar que haverá uma nota de agenda diária, mas nem todas as reuniões serão públicas. A semana deverá incluir outras inaugurações, mas também a visita a serviços onde tem havido relato de dificuldades.
Para Ana Rita Cavaco, que anunciou publicamente ter-se oferecido para acompanhar o primeiro-ministro, será difícil ter uma perceção da realidade se as visitas forem marcadas antecipadamente com os serviços. Após ter tido conhecimento da iniciativa, a bastonária dos enfermeiros deu o exemplo da visita do primeiro-ministro ao hospital de Évora, a 11 de janeiro. “Os corredores por onde passou foram pintados propositadamente para o efeito”, disse.
Ao i, a bastonária admite que a prática é habitual sempre que existem visitas oficiais anunciadas antecipadamente. “Os procedimentos são alterados, transferem-se doentes de sítio, condicionam-se os profissionais. As pessoas até podem ter histórias para contar, mas não conseguem”, sublinha Ana Rita Cavaco.
O bastonário dos médicos já tinha feito o alerta no passado. Em 2016, quando era candidato à ordem, Miguel Guimarães defendeu visitas ministeriais de surpresa. “Já recebi visitas programadas no hospital e sei como é. Recebemos instruções para dar alta, para mandar os doentes para o internamento, para o serviço de urgência estar mais ou menos limpo”, disse na altura, em entrevista.
Contactado ontem pelo i, Miguel Guimarães considera positiva a iniciativa do governo mesmo que as instituições acabem por ser avisadas, o que acredita que já terá sido feito internamente, lamentando, neste caso, o timing. “O governo e o ministério deviam fazer visitas a hospitais e centros de saúde de forma regular, e não apenas em período eleitoral, para sentir o nível de satisfação e falar com as pessoas. Infelizmente, não é isso que tem acontecido. Geralmente, quando se deslocam aos serviços é para inaugurações ou quando há uma crise.”
Que locais deviam ser incluídos no roteiro? Miguel Guimarães sublinha que todos os hospitais têm problemas, mas aponta a título de exemplo Vila Real, Gaia, Leiria, Lisboa Central e Algarve. “São hospitais onde as pessoas têm imensas dificuldades em trabalhar e estão em grande sofrimento ético. É fundamental que tenham uma palavra de apoio e alguma esperança”, diz o bastonário, adiantando que a ordem está também a planear novas visitas a centros de saúde e hospitais do país.
Para Ana Rita Cavaco, o roteiro deveria incluir o Hospital Amadora-Sintra e também o Centro Hospitalar de Leiria (onde na semana passada se demitiu o presidente do conselho de administração, em protesto pela falta de meios). “Em Leiria faltam 256 enfermeiros e é uma situação que está há muito sinalizada, fizemos um relatório exaustivo em 2017”, diz Ana Rita Cavaco. A bastonária sugere também uma visita ao Algarve – ao hospital de Faro e aos centros de saúde. “Não há carros para ir fazer domicílios”, denuncia. Covilhã e Centro Hospitalar do Porto são outras duas instituições que preocupam a ordem. “Fizemos alertas na semana passada sobre o Centro Hospitalar do Porto. Doentes que deviam estar isolados estão encostados uns aos outros.”
A ala pediátrica do S. João, que funciona há anos em contentores, é outra das valências que têm estado no centro da agenda política. Depois da visita da ministra da Saúde e do Presidente da República no Natal, o serviço recebeu uma visita de deputados do PSD no final de fevereiro. Seguiu-se Santana Lopes, que desafiou o primeiro-ministro a fazer o mesmo.