“Choque do horóscopo! O seu signo dita REALMENTE como a sua vida se desenrola, diz cientista”. A notícia publicada no passado mês de setembro pelo tabloide inglês “Express” não poupa no entusiasmo, afinal trata-se de dar a conhecer um cientista que garante que os horóscopos são “REAIS”. As maiúsculas bastariam para desconfiar, mas as ‘fake news’ estão nos detalhes: o artigo publicado há três meses tem por base um texto divulgado em 2011 no site “Psycology Today”, com o título “Ciência confirma a astrologia”. Basta abrir a publicação para ver que a mensagem não era bem essa.
O cientista é Ben Hayden, investigador do departamento de neurociências da Universidade do Minnesota, e a ideia era chamar a atenção para o facto de, apesar de a astrologia não ter qualquer validade científica, não ser correta a ideia de que a data de nascimento não tem nada a ver com a personalidade. É preciso ver para lá do ceticismo e em causa está um conjunto de estudos que têm mostrado uma associação entre o mês de nascimento e características psicológicas.
Se as razões ainda não são totalmente conhecidas, o alinhamento dos planetas não tem sido uma das variáveis estudadas pelos investigadores, que apontam mais para fatores biológicos associados às condições ambientais durante a gestação e na primeira infância.
Matéria não falta. Um estudo publicado em 2004 por investigadores da Universidade de Tóquio analisou os efeitos da época de nascimento na personalidade de 397 indivíduos adultos e concluiu que pessoas nascidas nos meses de inverno, entre dezembro e janeiro, tinham menores níveis de agradabilidade – em psicologia, a tendência para ser mais compassivo e cooperante em relação aos outros. Já uma investigação publicada em 2009 por uma equipa da Universidade de Yamagata, também no Japão, analisou a personalidade de 595 indivíduos saudáveis e concluiu que nascer em meses com maior temperatura ambiente está ligado a maiores índices de persistência e autoaprendizagem entre as mulheres, mas também a menores índices de massa corporal, fatores que poderão estar relacionados, admitem os investigadores.
Os japoneses têm sido persistentes no estudo deste capítulo da psicologia. Em 2016, uma terceira equipa liderada pela Faculdade de Medicina da Universidade Hamamatsu investigou esta associação em 885 crianças de 18 meses e concluiu que as que nasciam na primavera e no verão tinham maiores níveis daquilo a que chamam controlo coativo – a capacidade para determinar o curso das ações durante um conflito. Também os níveis de agressividade (a expressão de raiva para com terceiros) pareciam ser menores nas crianças nascidas na primavera.
A ideia das equipas é que o ambiente externo no período de gestação e primeira infância deixa uma marca no desenvolvimento cerebral, uma ideia hoje já consolidada noutras áreas como a relação entre má nutrição ou a exposição a vírus ainda na gravidez com diferenças ao nível do metabolismo e desenvolvimento.
No campo clínico também têm sido apresentadas diferentes associações e os meses de inverno parecem ser desvantajosos. Por exemplo o risco de ter sintomas de depressão sazonal, a desordem afetiva sazonal, parece ser maior nas pessoas que nascem nos meses frios do ano, o que poderá ter a ver com a manifestação de estados melancólicos na mãe. Também já foi identificado um maior risco de doenças como esquizofrenia e doença bipolar nos indivíduos que nascem no inverno.
“Não é astrologia, é biologia sazonal” Se as explicações exatas têm faltado, uma equipa da Universidade Vanderbilt (EUA) anunciou em 2010 ter descoberto a primeira evidência de uma “impressão sazonal” a nível biológico num estudo feito com ratinhos. “Os nossos relógios biológicos medem a duração do dia e alteram o nosso comportamento consoante as estacões. Estávamos curiosos por perceber se os sinais de luz poderiam moldar o desenvolvimento deste relógio biológico”, explicou na altura Douglas McMahon, responsável pela investigação.
Nas experiências que conduziram, os ratinhos foram criados desde o nascimento até ao desmame em ciclos artificiais de inverno e de verão e depois passaram mais 28 dias no ciclo inicial ou no oposto. Seguiu-se um período na escuridão em que os investigadores analisavam o seu comportamento.
A conclusão surpreendeu: os ratinhos nascidos no inverno tinham uma menor atividade diária e, analisando o cérebro dos roedores, os investigadores descobriram que apresentavam uma desaceleração dos seus relógios biológicos, que os torna mais vulneráveis a alterações de estação. “Os ratinhos criados no ciclo de inverno têm uma resposta exagerada a mudanças de estação que são semelhantes às dos humanos que sofrem de desordem afetiva sazonal”, concluía McMahon, deixando outras portas em aberto. “Sabemos que o relógio biológico regula o humor em humanos. Se houver um mecanismo semelhante ao dos ratinhos, não terá apenas um efeito em distúrbios comportamentais mas pode também ter um efeito mais geral na personalidade”, prosseguia o investigador. “É importante enfatizar que apesar de isto soar um pouco a astrologia, não é: é biologia sazonal”, resumia McMahon.
Quem também tem defendido que é preciso vencer o preconceito da astrologia e pôr a ciência a estudar o fenómeno é Mark Hamilton, da Universidade do Connecticut, que acredita que, em vez de astrologia, falaremos cada vez mais de cronobiologia, a ciência que estuda os ritmos biológicos. Em 2015 publicou um estudo na revista científica “Comprehensive Psychology” que sugere um efeito sazonal na tendência para ter sucesso, com base no historial de 300 celebridades – estão agora a estudar a ligação numa amostra de 85 mil figuras de diferentes eras. Há mais figuras públicas nascidas entre dezembro e março, com um pico de “famosos” entre os nativos de aquário e peixes, recorrendo ao zodíaco, o que pode estar ligado a serem personalidades mais criativas.
“As previsões astrológicas ao nível do indivíduo são pouco confiáveis, as pessoas não devem investir muito em horóscopos diários. Mas as previsões que ligam signos a personalidades podem sugerir padrões que vale a pena serem explorados”, disse na altura o investigador. “A astrologia tem uma reputação contaminada nos círculos científicos. Os cientistas são rápidos em rejeitar todas as alegações astrológicas. Se refletirmos sobre a história mais longa da astrologia, que abrange milhares de anos, milhões de pessoas e muitas das culturas do mundo, pode haver núcleos de verdade enterrados no meio das afirmações tontas”.